O Globo
A Rússia fez um longo dever de casa na área
econômica durante 20 anos. Tudo isso se desfez em semanas. O economista
dinamarquês Jacob Funk Kirkegaard, pesquisador sênior do Petterson Institute,
dos EUA, disse à coluna que a Rússia já perdeu a guerra econômica. “Isso que
está acontecendo é um desastre. Eu vi estimativas boas do FMI projetando queda
de 20% no PIB. O que é o mesmo que um colapso econômico”. Foram anos em que o
governo reduziu a dívida, saneou os bancos, equilibrou as contas públicas,
diminuiu a inflação, elevou o PIB e melhorou a qualidade de vida da população.
A aventura militar de Putin pôs tudo a perder em poucos dias.
Kirkegaard, de Bruxelas, analisou, em entrevista exclusiva ao colunista Alvaro Gribel, o impacto na economia russa, e em outras economias, da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ela trará desequilíbrios para todos, mas principalmente para o país governado por Putin.
Os indicadores da Rússia são de contínua
melhora até 2020. A inflação foi a dois dígitos depois da anexação da Crimeia,
por causa das sanções. O Banco Central instituiu o sistema de metas de inflação
e a derrubou para 4%. Pelos últimos dados, antes da pandemia, a Rússia estava
com superávit primário de 2% do PIB, superávit de 3,8% em conta-corrente,
desemprego de 4%, além das famosas reservas cambiais de US$ 630 bilhões e mais
US$ 200 bi em um fundo soberano. Há relatórios do FMI repletos de elogios à
condução da política macroeconômica. De bom aluno da classe, o governo russo
virou o renegado. Na semana passada havia proposta de expulsão do país do
Fundo.
— O que aconteceu com Putin é que ele virou
presidente em 2000, pouco antes do boom das commodities, após uma década
perdida (pela guerra da Chechênia), com uma perda enorme de bem-estar social.
Ele usou o momento favorável para estabilizar a economia, com as commodities, e
deu aos russos uma rápida melhora na qualidade de vida. Ele pegou esse vento de
cauda pelas exportações, e o crescimento veio. Isso deu certo nos primeiros dez
anos e ele entregou boas taxas de crescimento — conta.
Depois, as cotações das commodities caíram,
e Putin fez a anexação da Crimeia. As sanções contra ele foram bem menores do
que agora, mas mesmo assim tiveram reflexos. O comércio com os europeus caiu
drasticamente. Putin então fez uma política extremamente conservadora e se
preparou para seu novo ataque contra a Ucrânia, melhorando os indicadores.
— Ele estava realmente tentando isolar ou
blindar a economia russa das sanções como as que foram impostas em 2014. E isso
provavelmente deu a ele um grau de confiança de que com qualquer sanção
adicional por invadir a Ucrânia ele pudesse lidar também. Isso se mostrou
drasticamente errado — disse o economista do prestigiado think tank americano.
O erro, explica Kirkegaard, foi subestimar
a dimensão das sanções.
— Primeiro, as sanções não foram só
americanas e europeias, foram de todos os países do G7 e alguns países
industrializados da Ásia, como Coreia do Sul e Singapura. O que significa que
todas as reservas que a Rússia tinha no mundo, exceto as que estavam na China,
foram congeladas. E, segundo, houve também o boicote das empresas privadas, uma
lista longa de companhias, a maioria dos EUA e Europa, que simplesmente saíram
do país — diz.
O economista contou que o rublo parou de
cair porque o governo o transformou em uma moeda não conversível, com um forte
controle de capitais. E os juros foram para 20%:
— Certamente a população média da Rússia
enfrentará uma realidade econômica diferente. Muitas lojas serão fechadas, não
poderão viajar, as companhias aéreas do país foram banidas. Mesmo que tenha
dólares não pode tirar todo o dinheiro. Eles enfrentam controle de preços em
produtos do dia a dia.
A derrota econômica é evidente, mas a
vitória militar é possível? O economista, que também tem formação militar e
trabalhou no Ministério da Defesa da Dinamarca, diz que os russos estão
“encalhados”. Evidentemente têm superioridade, mas esperavam uma rendição
rápida.
— A Rússia está aterrorizando a população
civil com bombardeios indiscriminados. Não é assim que se ganha uma guerra. Aterrorizar
a população só fará com que os vizinhos os odeiem. Os objetivos políticos de
Putin não serão alcançados — garante.
O economista falou também do papel da China
nesse complicado xadrez e de como esta guerra é inflacionária para outros
países também. No blog, leia um texto feito pelo Alvaro sobre esses outros
pontos da entrevista.
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