Valor Econômico
A melhora recente da economia não deve
persistir no próximo ano, tanto no Brasil como nos EUA
Paul Krugman escreveu um artigo interessante(1) nesta semana em que analisa o comportamento recente de um indicador de
bem-estar econômico bem antigo, o índice de miséria (misery index), e sua
potencial influência nas eleições de novembro nos EUA. Nessas eleições, chamada
de “midterms” por ocorrerem no meio de mandato do presidente dos EUA, serão
renovados os mandatos de todos os deputados e de 1/3 dos senadores. Portanto,
será então definida a margem de manobra no Congresso dos EUA com que Biden
contará para implementar suas políticas no biênio 2023-24.
O índice de miséria, ou taxa de desconforto, é um indicador bastante simples do (inverso do) bem-estar econômico. É obtido pela simples soma de duas variáveis econômicas que geram desconforto: inflação e desemprego. Portanto, quanto maior o índice da miséria, pior está a economia.
Krugman mostra que, ao longo dos anos, o
índice de miséria nos EUA mostrou-se bem correlacionado com o (negativo do)
índice de sentimento do consumidor, que mede a sensação de bem-estar do
consumidor norte-americano. Analisa duas versões do índice de miséria, o de
médio prazo, que soma a inflação dos últimos 12 meses com o desemprego, e o de
curto prazo, que soma a inflação medida no último trimestre (anualizada) com o
desemprego.
Para observar comportamentos ao longo do
tempo, o índice com inflação em 12 meses é melhor, pois não tem tantas
oscilações de curto prazo. Mas para tentar captar mudanças no humor dos
consumidores-eleitores, a variável política de interesse neste momento, o
índice com a inflação trimestral seria mais útil. E, nos EUA, o índice de
miséria de curto prazo está em forte queda, o que seria boa notícia para os
Democratas.
E no Brasil, como vem se comportando o
índice de miséria? Pedi aos meus excelentes assistentes de pesquisa, Bruno
Duarte, Gabriel Santos e João Teixeira, que produzissem o gráfico deste artigo.
Nele estão as três séries para o Brasil. A série em barras é o complemento do
índice de confiança do consumidor (100 menos o valor original do índice). Quanto
maior, menor é a confiança do consumidor. As duas linhas são o índice de
miséria, com base em inflações acumuladas em 3 meses (anualizada) e 12 meses.
Como esperado, o índice de miséria de curto prazo é bem mais volátil do que o
de médio prazo.
A correlação entre os índices de miséria e
o complemento do índice de confiança do consumidor é alta. Até a pandemia,
chegava a 72% quando usamos o índice de miséria de médio prazo e 46% quando
usamos o de curto prazo. Ressalte-se o efeito da recessão de abril de 2014 a
dezembro de 2016: os índices de miséria subiram acentuadamente, junto com a
diminuição da confiança do consumidor.
A pandemia, aqui e nos EUA, enfraqueceu a
relação entre os índices, pois, nesse episódio, o aumento do desemprego
ocorrido não foi acompanhado por tão grande desconforto, em grande medida
devido aos programas de auxílio governamentais. Com o fim da pandemia, é
provável que a correlação anterior seja restabelecida.
Os últimos meses do gráfico (dados
disponíveis até julho) mostram que, no Brasil, ambos os índices de miséria
caíram acentuadamente, com o índice de curto prazo caindo muito mais. Isso pode
significar que a confiança do consumidor esteja se elevando acentuadamente. Com
a continuidade da queda da inflação de curto prazo, sobretudo por conta da
redução dos preços de combustíveis, a queda deve persistir até as eleições. O
que tenderia a beneficiar candidatos incumbentes.
O problema é que, em 2023,
independentemente do desfecho das eleições, o índice de miséria deverá voltar a
subir. O aperto monetário do BC deve, cada vez mais, ter efeito recessivo sobre
a economia, com inversão da tendência declinante do desemprego. No front
inflacionário, a eventual reversão da redução de impostos sobre combustíveis
vai elevar a inflação. Caso não haja reversão, as dificuldades fiscais poderão
se tornar imanejáveis.
O alívio que a queda recente do preço do
petróleo vem trazendo também não vai continuar para sempre. Os números desta
semana da inflação nos EUA jogaram um balde de água fria na esperança de que o
Fed pudesse mitigar a alta de juros. E juro alto nos EUA significa dólar mais
forte, o que também não ajuda o combate à inflação no Brasil.
Como bem caracterizou Krugman para os EUA,
o índice de miséria também tirou férias por aqui. Quando da volta ao trabalho,
em 2023, o cenário será bem menos alvissareiro.
1. Paul Krugman, “Misery takes a holiday”, New
York Times, 13/9/22, disponível em www.nytimes.com/2022/09/13/opinion/inflation-misery-index-economy-prices.html.
*Márcio G. P. Garcia,
pesquisador visitante na MIT Sloan School of Management, é professor titular do
Departamento de Economia da PUC-Rio, Cátedra Vinci Partners,
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