Valor Econômico
Para Clare Lombardelli, “aterrissagem suave”
nos países desenvolvidos tem muitos riscos e está longe de ser algo garantido
Em conversa com a coluna sobre as
perspectivas da economia mundial em 2024, Clare Lombardelli, economista-chefe
da OCDE, admite que a projeção central da entidade, de uma “aterrissagem suave
“(“soft landing”, desaceleração cíclica sem que seja desencadeada recessão) nos
países desenvolvidos, tem muitos riscos e está longe de ser algo garantido.
Na OCDE, a economista, que trabalhou muitos anos no Tesouro britânico e é professora visitante em Oxford e no King’s College de Londres, sinaliza que o crescimento mundial poderá cair de 2,9% neste ano para 2,7% em 2024, a taxa mais fraca desde a crise global de 2008 com exceção do primeiro ano da pandemia. Uma vez que a inflação diminuir mais, a economia mundial poderá ter crescimento mais forte de 3% em 2025, mas ainda assim bem abaixo dos níveis históricos.
O crescimento da Europa continuará atrás da
América do Norte e das principais economias asiáticas. Na zona do euro, o
impacto da política monetária mais restritiva ainda está para aparecer e a
atividade pode ser atingida mais fortemente do que se espera. Nos EUA, a
economia demonstra mais força que o esperado, e ainda há o risco de que a
inflação se mostre persistente.
Para Lombardelli, os emergentes da Ásia,
sobretudo, são definitivamente o motor do crescimento global daqui para a
frente. A expansão da China deve declinar de 5,2% para 4,7% no ano que vem. Já
a Índia continuará crescendo fortemente. Passa de 6,3% neste ano para 6,1% no
ano que vem, mas volta ao ritmo de 6,5% em 2025. É verdade que a economia da
Índia é menor que a chinesa e seu impacto menor, mas será um dos grandes
motores globais. A Índia, diz ela, é “um dos pontos brilhantes da economia
global e esperamos que continue forte, especialmente graças às exportações de
serviços”.
Quanto ao Brasil, a projeção é de que o
crescimento de 3% neste ano poderá baixar para 1,8% no ano que vem. Mas a OCDE
corrigiu várias vezes para melhor as projeções para o país ao longo de 2023.
Para a entidade, a demanda doméstica é o principal impulsionador da atividade e
insiste que algumas reformas poderiam aumentar a confiança. Do lado positivo,
pode haver outra safra agrícola excepcional no país. Do lado negativo, ela
aponta o risco com um crescimento mais lento na China, que reduz a demanda externa.
A economista-chefe da OCDE concentra boa
parte da conversa sobre a queda da inflação globalmente. Nota que as pessoas
vem passando por vários choques econômicos muito sérios. Considera que a
pandemia não foi nada parecido com o que as pessoas vivenciaram antes em termos
de impacto em suas vidas e na economia. E a inflação alta é incrivelmente
dolorosa para a população. Os preços estão altos há mais de um ano sobretudo no
setor de alimentos. Ou seja, as pessoas continuam enfrentando preços muito
altos para alguns dos principais produtos que precisam comprar. E o impacto é
grande na forma como elas se sentem e nas suas finanças domésticas.
Portanto, diz Lombardelli, apesar de a
inflação estar caindo, os preços ainda estão altos e as pessoas estão se
adaptando a um mundo em que suas rendas foram reduzidas em termos reais. A OCDE
projeta que um certo excesso de poupança em países desenvolvidos, ocorrido
durante a pandemia, poderá manter o consumo em 2024-25. Isso é positivo para o
crescimento, mas também implica redução menor que projetada nas pressões
inflacionárias.
Mas resta uma incerteza sobre como e quando
as pessoas gastarão suas economias, e também é importante lembrar que elas não
são distribuídas uniformemente pela população. O excesso de poupança está
obviamente concentrado nas faixas de renda mais altas.
Outra preocupação da economista-chefe é com
os desafios decorrentes de riscos geopolíticos. Um deles, em particular, tem a
ver com a fragmentação do comércio global. A intensidade do comércio estagnou,
em parte pela desaceleração no ritmo de integração das cadeias de valor e em
parte pela implementação persistente de políticas comerciais restritivas no
mundo.
“Vemos um aumento de restrições comerciais e
as pessoas olhando para dentro, mas também há um potencial de perdermos
oportunidades, porque comércio é obviamente um grande impulsionador de aumentos
de produtividade, e deixa todo mundo mais rico, reduz os preços, aumenta as
opções das economias”, afirma.
A conversa termina com Clare Lombardelli
declarando “otimismo cauteloso” em relação às perspectivas da economia mundial
para 2024.
*Assis Moreira é correspondente em Genebra
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