quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Assis Moreira* - "Otimismo cauteloso" da economista da OCDE

Valor Econômico

Para Clare Lombardelli, “aterrissagem suave” nos países desenvolvidos tem muitos riscos e está longe de ser algo garantido

Em conversa com a coluna sobre as perspectivas da economia mundial em 2024, Clare Lombardelli, economista-chefe da OCDE, admite que a projeção central da entidade, de uma “aterrissagem suave “(“soft landing”, desaceleração cíclica sem que seja desencadeada recessão) nos países desenvolvidos, tem muitos riscos e está longe de ser algo garantido.

Na OCDE, a economista, que trabalhou muitos anos no Tesouro britânico e é professora visitante em Oxford e no King’s College de Londres, sinaliza que o crescimento mundial poderá cair de 2,9% neste ano para 2,7% em 2024, a taxa mais fraca desde a crise global de 2008 com exceção do primeiro ano da pandemia. Uma vez que a inflação diminuir mais, a economia mundial poderá ter crescimento mais forte de 3% em 2025, mas ainda assim bem abaixo dos níveis históricos.

O crescimento da Europa continuará atrás da América do Norte e das principais economias asiáticas. Na zona do euro, o impacto da política monetária mais restritiva ainda está para aparecer e a atividade pode ser atingida mais fortemente do que se espera. Nos EUA, a economia demonstra mais força que o esperado, e ainda há o risco de que a inflação se mostre persistente.

Para Lombardelli, os emergentes da Ásia, sobretudo, são definitivamente o motor do crescimento global daqui para a frente. A expansão da China deve declinar de 5,2% para 4,7% no ano que vem. Já a Índia continuará crescendo fortemente. Passa de 6,3% neste ano para 6,1% no ano que vem, mas volta ao ritmo de 6,5% em 2025. É verdade que a economia da Índia é menor que a chinesa e seu impacto menor, mas será um dos grandes motores globais. A Índia, diz ela, é “um dos pontos brilhantes da economia global e esperamos que continue forte, especialmente graças às exportações de serviços”.

Quanto ao Brasil, a projeção é de que o crescimento de 3% neste ano poderá baixar para 1,8% no ano que vem. Mas a OCDE corrigiu várias vezes para melhor as projeções para o país ao longo de 2023. Para a entidade, a demanda doméstica é o principal impulsionador da atividade e insiste que algumas reformas poderiam aumentar a confiança. Do lado positivo, pode haver outra safra agrícola excepcional no país. Do lado negativo, ela aponta o risco com um crescimento mais lento na China, que reduz a demanda externa.

A economista-chefe da OCDE concentra boa parte da conversa sobre a queda da inflação globalmente. Nota que as pessoas vem passando por vários choques econômicos muito sérios. Considera que a pandemia não foi nada parecido com o que as pessoas vivenciaram antes em termos de impacto em suas vidas e na economia. E a inflação alta é incrivelmente dolorosa para a população. Os preços estão altos há mais de um ano sobretudo no setor de alimentos. Ou seja, as pessoas continuam enfrentando preços muito altos para alguns dos principais produtos que precisam comprar. E o impacto é grande na forma como elas se sentem e nas suas finanças domésticas.

Portanto, diz Lombardelli, apesar de a inflação estar caindo, os preços ainda estão altos e as pessoas estão se adaptando a um mundo em que suas rendas foram reduzidas em termos reais. A OCDE projeta que um certo excesso de poupança em países desenvolvidos, ocorrido durante a pandemia, poderá manter o consumo em 2024-25. Isso é positivo para o crescimento, mas também implica redução menor que projetada nas pressões inflacionárias.

Mas resta uma incerteza sobre como e quando as pessoas gastarão suas economias, e também é importante lembrar que elas não são distribuídas uniformemente pela população. O excesso de poupança está obviamente concentrado nas faixas de renda mais altas.

Outra preocupação da economista-chefe é com os desafios decorrentes de riscos geopolíticos. Um deles, em particular, tem a ver com a fragmentação do comércio global. A intensidade do comércio estagnou, em parte pela desaceleração no ritmo de integração das cadeias de valor e em parte pela implementação persistente de políticas comerciais restritivas no mundo.

“Vemos um aumento de restrições comerciais e as pessoas olhando para dentro, mas também há um potencial de perdermos oportunidades, porque comércio é obviamente um grande impulsionador de aumentos de produtividade, e deixa todo mundo mais rico, reduz os preços, aumenta as opções das economias”, afirma.

A conversa termina com Clare Lombardelli declarando “otimismo cauteloso” em relação às perspectivas da economia mundial para 2024.

*Assis Moreira é correspondente em Genebra 

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