O Estado de S. Paulo
O novo marco precisa ganhar corpo e ser bem executado na sua integralidade. Para isso, o compromisso político é indispensável
Regras fiscais não têm o condão,
isoladamente, de produzir cenários róseos para a evolução dos gastos, das
receitas e da dívida pública. Entretanto, são fundamentais para dar
previsibilidade e guiar o bom planejamento do Estado.
O Marco Fiscal (Lei Complementar n.º
200/2023) aprovado pelo ministro Fernando Haddad tem essa vantagem. O desafio é
preservá-lo, sem mudanças, para colher alguns frutos maduros já em 2024.
O cenário externo, com o provável início da
redução dos juros nos EUA, pode nos ajudar. O Banco Central deve seguir
reduzindo a Selic, nesse contexto, e as perspectivas para a inflação são boas.
O crescimento econômico deve superar 2% no ano que vem, após uma alta de 3% em
2023.
Contudo, não se deve cair na esparrela de abandonar o arcabouço fiscal ou de contorná-lo. É legítimo e necessário gastar e o novo marco não evita a despesa boa. Ele pode evitar o descontrole. As pressões políticas fazem parte do jogo democrático. O dever de governos responsáveis é equilibrar a necessidade de financiamento ao compromisso permanente com a sustentabilidade fiscal.
É espantoso ver a reação às declarações do
presidente Lula sobre a meta fiscal de 2024. Evidentemente, ele precisa dar
sinais à sua base e reforçar as agendas caras ao seu mandato, como a redução da
desigualdade, a preservação de investimentos etc. Isso não anula a
responsabilidade com a organização das contas.
No comando da economia está alguém que
reforça, diuturnamente, esse compromisso. O novo arcabouço é a parte mais
visível. Mais do que a legislação, o rumo importa. É claro que, se o governo
mudasse de posição, seria punido pelos mercados. Os juros, o dólar e a inflação
reagiriam rapidamente e as perspectivas de crescimento de curto prazo virariam
pó. Mas eu não vejo elementos, até aqui, para alarmismo.
O ministro da Fazenda segue fortalecido e tem
acumulado vitórias importantes, não somente com a aprovação de uma lei
complementar para controlar as contas públicas, como também na revisão de
benesses tributárias surrealistas, a exemplo das subvenções baseadas nos
benefícios fiscais do ICMS. A manutenção da meta fiscal para 2024 foi outro
gol.
O equilíbrio fiscal não é um fim em si mesmo.
É condição necessária para angariar recursos suficientes ao financiamento da
educação, da saúde, da segurança e de toda sorte de políticas públicas, mas a
juros baixos, que não onerem os orçamentos públicos.
A cunha fiscal dos juros é tão menor quanto
maior é a capacidade do Estado de apresentar uma trajetória de dívida pública
condizente com o crescimento econômico. Dívida pública é um bom instrumento
para os governos, desde que sejam bons pagadores, isto é, comprovem disposição
e argúcia, ao lado do setor privado, para gerar renda e riqueza e segurar
gastos, quando necessário.
Quem tem poupança não aceita emprestá-la para
economias despreparadas para crescer e para gerar arrecadação. Daí a
importância da responsabilidade fiscal permanente. Não se trata de ajuste pelo
ajuste. O novo arcabouço é bom, porque se baseia em duas regras ao alcance dos
gestores públicos: um limite de gastos e uma meta para o resultado primário
(receitas menos despesas sem contar os juros da dívida pública).
A meta para 2024 é ambiciosa. Determinou-se,
na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) recém-aprovada pelo Congresso
Nacional, que o governo terá de zerar o déficit público. No máximo, poderá
produzir um déficit de 0,25% do PIB (algo como R$ 30 bilhões), banda permitida
pela lei do arcabouço.
Ocorre que o ponto de partida, incluindo o
pagamento de precatórios herdados do governo anterior, deve ser um déficit de
2,2% do PIB em 2023. Sem precatórios, 1,3% do PIB. É uma conta expressiva, que
Haddad pretende enfrentar recuperando receitas deixadas na mesa por benefícios
tributários iníquos do passado.
É um desafio e tanto. Nas nossas projeções,
na Warren Investimentos, não vemos cumprimento da meta zero. Contudo, o mais
importante é manter o arcabouço fiscal de pé. Isto é, segurar a meta zero e, no
caso de rompimento, fazer valer os mecanismos de ajuste previstos na própria
regra.
Trata-se de uma inovação em relação à Lei de
Responsabilidade Fiscal. Se o governo for capaz de comprovar que conteve o
gasto no nível máximo permitido pela lei, poderá romper a meta, mas terá de
acionar instrumentos para ajustar o comportamento da despesa à frente.
Esses mecanismos consistem na redução da taxa
de crescimento do limite orçamentário e nos gatilhos previstos no artigo 167-A,
da Constituição, para proibir medidas fiscais expansionistas. Não é draconiano.
Ativar esses dois dispositivos do arcabouço fiscal garantiria uma tendência
para o déficit primário de gradativa convergência ao zero.
A tarefa central de 2024 é manter o avanço
obtido em 2023. O novo marco precisa ganhar corpo e ser bem executado na sua
integralidade. Para isso, o compromisso político é indispensável. Divergência
sempre haverá. Afinal, como dizia meu ex-chefe, o senador José Serra: “A menor
distância entre dois pontos, na Política, diferentemente do que ocorre na
Matemática, não é um segmento de reta, mas uma curva senoidal”.
*Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos,
foi secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo
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