terça-feira, 19 de março de 2024

Mario Mesquita* - Os vários desenhos da economia

Valor Econômico

Se as perspectivas para a atividade econômica são mais favoráveis, o mesmo não pode ser dito quanto à inflação

O debate sobre conjuntura econômica brasileira está esquentando, focado nos temas tradicionais, atividade, inflação, desafios fiscais e política monetária.

Em relação à atividade, as discussões giram em torno da possibilidade do crescimento em 2024 repetir a taxa observada em 2023, sem desaceleração. As projeções dos analistas que respondem a pesquisa Focus, do Banco Central, sobre o crescimento do PIB em 2024 começaram o ano em 1,6%, estão agora em 1,8%, e têm sido revisadas para cima sucessivamente. As economistas do Itaú recentemente elevaram a projeção de 1,8% para 2%.

O principal determinante dessa revisão foi uma mudança positiva nas perspectivas para o crescimento do crédito para pessoas físicas, na medida em que os primeiros efeitos da distensão monetária começam a se manifestar - as concessões devem crescer cerca de 10% em termos reais, antes a expectativa era de estabilidade. O crescimento global pode ajudar, com elasticidade praticamente 1-1, se incorporarmos o impacto sobre os preços de commodities. Adicionalmente, o mercado de trabalho aquecido pode contribuir para um crescimento mais forte, ao sustentar a renda e o consumo.

Por outro lado, o agro não deve ajudar tanto quanto em 2023. Ademais, não esperamos o mesmo impulso fiscal do que o observado em 2023, que refletiu a PEC da Transição. Levando em conta todos os fatores de risco, o viés parece equilibrado. Entre os riscos negativos pode-se incluir um impacto mais intenso do El Niño sobre o produto agrícola e seus impactos indiretos sobre os demais setores, os efeitos negativos da queda do preço de commodities sobre o investimento, e uma interrupção prematura do ciclo de flexibilização monetária. Do lado positivo, incluem-se os pagamentos de precatórios, uma perspectiva ainda mais positiva para o crescimento do crédito para pessoas físicas, e uma possível nova rodada de estímulos fiscais que não afete as condições financeiras.

Se as perspectivas para a atividade são mais favoráveis, o mesmo não pode ser dito quanto à inflação. O consenso das projeções para a inflação de 2024, capturado pela citada pesquisa do Banco Central, começou o ano em torno de 4%, caiu para cerca de 3,8% até o início de março, mas não só deixou de melhorar desde então, como trouxe piora na margem nos componentes de inflação subjacente. O processo de desinflação, desde o pico visto em 2022, tem dependido de uma contribuição importante dos preços de itens comercializáveis, como combustíveis, produtos industriais e alimentos, dado que o mercado de trabalho aquecido e a pressão salarial limitam as perspectivas de redução da inflação de serviços.

Considerando uma projeção central de 3,6%, o balanço de riscos parece equilibrado. Do lado de baixa, podemos ter a antecipação dos aportes da Eletrobrás nas chamadas conta covid e a de escassez hídrica, influenciando tarifas de eletricidade; redução mais intensa da inflação de passagens aéreas; inflação mais fraca de proteínas.

O maior risco de alta, por outro lado, parece derivado da inflação de serviços, dado o estado do mercado de trabalho. Note-se que os riscos de baixa se referem essencialmente a itens mais voláteis, ao passo que os riscos de alta a núcleos de inflação.

A política fiscal deve mostrar, sob o ponto de vista do resultado primário, um saldo melhor do que em 2023, mas ainda distante tanto da meta de resultado zero para o ano, quanto para o superávit de ao menos 1,5% do PIB necessário para estabilizar a dívida pública. Recapitulando, no ano passado, a expansão de despesas, frustração de receitas, deterioração do desempenho de entidades subnacionais e pagamento de precatórios transformaram um superávit de 1,2% do PIB (em 2022) em um déficit de 2,3%. O consenso para o ano corrente é que o saldo primário atinja um déficit de 0,8% do PIB. Se excluirmos o efeito do pagamento de precatórios, a melhora seria de 1,5% para 0,8% do PIB. Isso assumindo que as medidas de aumento de receita previstas para o ano - incluindo julgamentos do Carf - gerem ganhos equivalentes a 0,8% do PIB.

Surpresas positivas com a atividade econômica, baseadas na demanda doméstica, que tende a contribuir mais para a arrecadação do que crescimento impulsionado pelo agro, podem implicar um viés positivo para o resultado fiscal. O mesmo vale para decisões sobre o contingenciamento do aumento de gastos esperado para o ano. Do ponto de vista dos investidores, tão ou mais importante do que o resultado de 2024, será o que isso vai implicar para o resultado de 2025: perspectiva de renovada piora poderia gerar desconforto.

Quanto à política monetária, o debate gira em torno de possíveis alterações no plano de voo do Copom - o consenso atual (da pesquisa Focus) é a taxa Selic chegar a 9% ao final de 2024 e 8,5% no fim de 2025. Antes de considerar alternativas, cabe observar que, na medida em que o ciclo avança, naturalmente a probabilidade de desaceleração (aceleração) do ritmo de flexibilização aumenta (diminui). As decisões de política monetária, aqui e em outros países com regime semelhante, visam levar as projeções de inflação para a meta ao longo de um determinado período. Trata-se, em suma, de um exercício voltado para o futuro, mas que leva em conta também fatores correntes que influenciam as perspectivas inflacionárias. Resumidamente, o plano de voo do Comitê de Política Monetária reflete visões sobre a taxa de câmbio e, mais importante, das expectativas de inflação.

Utilizando modelos econométricos para realizar simulações, o Copom poderia acelerar o ritmo, um cenário aparentemente improvável, caso a taxa de câmbio caia abaixo de R$ 4,75, ou a expectativa de inflação para 2025, atualmente em 3,51%, decline para algo como 3,3% ou menos. Mas existe também a possibilidade de uma interrupção prematura do ciclo, o que poderia ocorrer com a taxa de câmbio acima de R$ 5,25, ou as expectativas de inflação para 2025 substancialmente acima de 3,5%.

Expectativas, por sua vez, além de serem inerciais, dependem em parte da inflação corrente, bem como da meta. Quão maior for a credibilidade da autoridade monetária, mais as expectativas tendem a aderir à meta, e descontar a influência dos dados correntes. Nesse sentido, resolver a incerteza sobre a composição futura do Copom poderia ajudar a ancorar as expectativas e, assim, a estender o ciclo.

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco.

 

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