quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Zeina Latif - Menos marola, por favor

O Globo

A estabilidade macroeconômica é ingrediente essencial para a ampliação da capacidade produtiva

A indústria de transformação mostra alguma reação. Registrou crescimento de 2,7% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2023. Não é pouco quando se leva em conta o desempenho nos últimos anos. Mais do que isso, para além do seu peso no PIB, é o setor com mais impactos indiretos nos demais setores, conforme dados do IBGE, o que aumenta a importância desse resultado.

Será esse um sinal promissor ou mais um voo de galinha?

A compreensão do quadro desafiador do setor demanda a análise do histórico recente, com destaque para dois períodos principais.

Primeiro, a crise global de 2008-09 penalizou particularmente o setor, com a queda de mais de 30% no volume de exportações, por conta do colapso do crédito ao comércio exterior. Superada a crise, o Brasil não conseguiu reconquistar os mercados perdidos, provavelmente em função da baixa competitividade dos nossos produtos — não é coincidência que segmentos mais competitivos, como a celulose, não foram impactados.

O volume exportado da indústria de transformação, que representava 24% da produção doméstica em 2007, recuou rapidamente para 19% na média de 2009. Enquanto isso, o mundo se recuperava.

Desde então, as exportações pouco evoluíram, estando atualmente em patamar mais de 20% inferior ao pré-crise de 2008. Aqui outros fatores precisam ser adicionados, o que nos leva ao segundo capítulo: a recessão causada pela gestão Dilma.

Esse foi um período de efetiva desindustrialização, com enorme descolamento da produção doméstica, que encolheu 21% entre o pico (agosto/2013) e o ponto mais baixo (agosto/2016), ante crescimento de quase 15% na produção mundial no mesmo período.

As políticas de proteção e estímulo à indústria não trouxeram o esperado aumento do investimento. Pelo contrário, houve forte queda no período (a produção de bens de capital para a indústria caiu 21% na média de 2016 em relação a 2012), agravando o quadro de obsolescência tecnológica do parque industrial, com a consequente perda de produtividade e competitividade externa.

Eram tempos em que parecia mais vantajoso ir a Brasília em busca de proteções do que investir no negócio. Os necessários ajustes da política econômica e as reformas eram negligenciados.

Naquela recessão, mais de 2 milhões de empregos foram destruídos na indústria geral (inclui a indústria extrativa), representando um recuo de 15% no número de ocupados, enquanto no restante da economia o quadro pouco se alterou. A massa salarial caiu e, em um efeito bumerangue, o consumo de produtos industrializados amargurou queda na casa de 20%.

Ao mesmo tempo, e em parte como resposta à piora do mercado de trabalho, a queda do crédito ao consumidor agravou severamente o quadro. O sonho da nova classe média se foi, e a demanda passou a ser o limitante ao setor: a aquisição de bens de consumo ainda está 10% abaixo do pico de 2011.

Passada a recessão, em função de correções na política econômica, a produção ensaiou alguma modesta recuperação, antes e depois da pandemia. Recuperar as feridas não é fácil, mas a retomada de reformas estruturais, como as do mercado de trabalho, e a maior estabilidade da economia trazem alento.

O movimento se mostra disseminado entre segmentos da indústria e entre regiões do país, refletindo em grande medida o dinamismo do mercado de trabalho. No entanto, não parece haver, por ora, grande capacidade de expansão da produção adiante, por conta da já elevada utilização da capacidade instalada.

A volta do investimento na indústria é urgente. Sem isso, o aumento da demanda irá se traduzir em aumento da importação e da inflação, e dos juros também. O governo precisa colaborar. E não será com sua nova política industrial, com objetivos em excesso, pouco foco e falta de bons instrumentos — uma receita para não funcionar.

A estabilidade macroeconômica é ingrediente essencial para a ampliação da capacidade produtiva de um setor particularmente vulnerável ao ciclo econômico, exatamente por ser mais prejudicado pelo custo-Brasil — por exemplo, a carga tributária é mais elevada e complexa, há maior dependência de mão de obra qualificada e menor espaço para a informalidade.

O empresário precisa de confiança para investir. Não enfrentar o risco fiscal e criar volatilidade é veneno para a indústria.