sábado, 27 de dezembro de 2025

À espera de 2026. Por Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

No próximo ano, a maioria dos eleitores fará escolhas. Sem entusiasmo. Há um mal-estar que gera tédio e cansaço. Justifica o não-voto, alimenta a indiferença

2025 termina. Houve de tudo nele: tensões entre os Poderes, crime organizado, queda de energia em São Paulo, bloqueio e desbloqueio de Donald Trump, protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF), déficit fiscal, insegurança pública, condenação e prisão de oficiais militares, um ex-presidente na cadeia.

O que nos reservará 2026, um ano de eleições? Tudo indica que a batalha será campal. Inimigos dispostos a esmagar o que houver pela frente. Não por ideias ou projetos, mas por poder e posições. Batalha concentrada no Executivo, sem valorizar o Legislativo. No fim dela, quem serão os derrotados?

2026 demandará sorte e virtude. Por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

O sistema político brasileiro dá claros sinais de que está em transição

Não estou confiante que a vida na nossa República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs

Desejo às generosas leitoras e leitores dessa coluna, mas também a todas e todos que entrarão o ano com o pé direito, esquerdo ou com os dois pés, como sugere Fernanda Torres, um excelente ano, ainda que não esteja confiante que a vida na nossa República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs.

O sistema político brasileiro dá claros sinais de que está em transição, sabe-se lá para onde. O presidencialismo de coalizão, sob a dominância do Executivo, eleito majoritariamente, que contribuiu para avanços incrementais ao longo das primeiras décadas da Nova República, hoje se organiza sob a dominância do parlamento, eleito proporcionalmente, gerando dúvidas sobre a capacidade de esse modelo promover os mesmos avanços.

O que querem os Bolsonaros? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Faz sentido lançar Flávio como candidato, se clã achar que a eleição já é de Lula

Se eles consideram que direita tem chance, o lógico seria buscar nome com menos rejeição

Em até quatro meses, o clã precisará definir como se posicionará para o pleito presidencial de outubro. Se os Bolsonaros acharem que a eleição já é de Lula, o mais lógico é seguirem mesmo com a candidatura de Flávio. Seria uma forma de manter em família a força eleitoral da marca Bolsonaro. Se o ex-presidente passar o bastão para Tarcísio de Freitas ou outro postulante da direita, ele abre mão da relevância política que ainda tem.

Os desafios de Lula em 2026. Por Idiana Tomazelli

Folha de S. Paulo

Governo precisa resistir à tentação de pisar no acelerador dos gastos federais

Farra em estados e municípios e situação ainda frágil de empresas estatais também trazem risco

O governo Lula (PT) chega às portas de 2026 em situação relativamente confortável, com economia crescendojuros ainda elevados, mas com perspectiva de queda, e avanço em medidas para recompor as finanças (como aumentos de tributos) e honrar promessas ao eleitorado (isenção de Imposto de Renda até R$ 5.000).

Quarteto fantástico. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Amizade e ambição uniram Cortázar, Vargas Llosa, García Márquez e Fuentes

A Revolução Cubana primeiro encantou os escritores e depois os separou

O lugar-comum publicitário inventou uma fórmula para atrair o leitor desacostumado aos livros de não ficção: garantir que estes podem ser lidos como um romance. Raramente isso é verdade. "As Cartas do Boom" tem essa mágica, com a vantagem de que o tema central é a arte de escrever romances.

Não quaisquer romances. O livro recém-lançado mostra a gestação e registra o impacto de quatro obras —"A Morte de Artêmio Cruz", "O Jogo da Amarelinha", "A Cidade e os Cachorros", "Cem Anos de Solidão"— que obtiveram êxito de público e alta estima crítica, sacudindo a roseira da literatura na segunda metade do século 20.

Guerra na fronteira Norte. Por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Donald Trump está esperando a melhor hora para atacar. Quando, onde e como é a incógnita. O Exército brasileiro tomou suas cautelas

O presidente Donald Trump não mobilizou um gigantesco aparato militar, com porta-aviões, dezenas de caças de última geração, submarino nuclear, helicópteros moderníssimos e pessoal especializado, para as costas da Venezuela apenas para tirar fotografia e aparecer nas primeiras páginas dos principais jornais do mundo. Militares norte-americanos já abordaram alguns navios que deixavam os portos daquele país e mataram mais de 100 pessoas que viajavam em lanchas rápidas, que, segundo os porta-vozes militares, transportavam drogas. O norte-americano está esperando a melhor hora para atacar. Quando, onde e como é a incógnita.

O Poder Judiciário e a mulher de César. Por Orlando Thomé Cordeiro

Correio Braziliense 

É inadiável a criação de um código de conduta para o STF. Porém, não me parece que devamos nos limitar a qualquer documento que venha a ser construído exclusivamente pelos magistrados

"Não poderia, nessa direção, deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura. Considerando o corpo expressivo que vem espontaneamente tomando o tema no debate público, dirijo-me à eminente ministra e aos eminentes ministros e, também, à sociedade brasileira para dizer que o diálogo será o compasso desse debate. O país precisa de paz — e o Judiciário tem o dever de semear paz."

O País avança, mas tropeça nas sandálias. Por Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Quando deveríamos discutir educação e produtividade, o ‘pé para virar o ano’ vira questão nacional

Enquanto a Síria é eleita o país do ano, nós ficamos presos à polêmica das sandálias Havaianas. A revista britânica The Economist elegeu o país do Oriente Médio como o que mais evoluiu em 2025, o que mais avançou em termos políticos, sociais e econômicos. A publicação não elegeu o “país mais rico” ou o “mais poderoso”, mas aquele que mais evoluiu com mudanças profundas em várias dimensões da vida nacional.

O avesso da esperança. Por Flávia Oliveira

O Globo

Não é possível que duas crianças feitas órfãs durante a celebração do nascimento de Jesus não nos façam lutar por um país em que mães e filhos tenham direito à convivência, à vida, ao futuro

Na noite em que boa parte do chamado Ocidente celebrava, em comunhão, o nascimento de um menino, uma mãe morreu no Brasil. Tainara Souza Santos, vendedora autônoma, 31 anos, dois filhos, partiu na noite de Natal após 25 dias de internação decorrente da brutalidade que ameaça meninas, jovens e mulheres no país. Foi vítima de feminicídio perpetrado por um homem com quem teve breve relacionamento, mas que dela sentia-se dono, senhor da vida, autor da morte. O assassino, Douglas Alves da Silva, 26 anos, atropelou e arrastou Tainara por um quilômetro da Marginal Tietê, em São Paulo, no penúltimo dia de novembro. Ela teve as duas pernas amputadas, passou por cinco cirurgias e, no início desta semana, parou de responder às medicações.

A dança da solidão. Por Eduardo Affonso

O Globo

Estarmos sós nos obriga a ser inteiros, autônomos. A não ter medo do silêncio — ou de escutar a própria voz. E isso dá trabalho

‘Solidão é lava/que cobre tudo’, cantava Paulinho da Viola. “Triste é viver na solidão”, já tinha dito Tom Jobim. Num belo artigo publicado no GLOBO dois meses atrás, a cardiologista Ludhmila Hajjar fez diagnóstico parecido e prescreveu:

— A solidão é uma dor moderna que ameaça nossa saúde tanto quanto as doenças clássicas. Ela fragiliza o corpo e o espírito. O antídoto está na conexão, com a família, os amigos, a comunidade.

O brasileiro esse desconfiado. Por Thaís Oyama

O Globo

Um código de conduta para os juízes do STF poderia contribuir para elevar os subterrâneos níveis da confiança nacional

O brasileiro não confia em ninguém. Entre cem povos do mundo, o do Brasil só é menos desconfiado que o do Zimbábue. O alto grau de desconfiança nacional foi constatado em pesquisa do World Values Survey divulgada em 2023 e confirmado agora, no recém-lançado livro “O Brasil no espelho”, do cientista político e CEO da Quaest, Felipe Nunes. De acordo com o livro, com base em levantamento com 10 mil pessoas, 6% dos brasileiros concordam com a afirmação: “Podemos confiar na maioria das pessoas”. Os outros 94% ficam com a frase: “É preciso ser muito cuidadoso com as pessoas”.

Delírios imperiais. Por Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Trump repete, na sua farsa trágica, a desdita da Inglaterra

No prólogo de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, famoso texto de Karl Marx, ­Herbert Marcuse escreve: “A análise que Marx faz do processo de evolução da Revolução de 1848 para o domínio autoritário de Luís Bonaparte antecipa a dinâmica da sociedade burguesa avançada: a liquidação do seu período liberal que se consuma em razão da sua própria estrutura”. Marcuse destaca as alterações que emergiram nas sociedades burguesas promovidas pelas forças que se movem nos subterrâneos. “A liquidação do seu período liberal que se consuma em razão de sua própria estrutura.” Isso permite ao filósofo da Escola de Frankfurt modificar o conhecido parágrafo de abertura do 18 de Brumário. No século XX, diz Marcuse, o horror do nazifascismo exige “uma correção das sentenças introdutórias de O 18 de Brumário: os ‘fatos e personagens da história mundial’ que ocorrem, ‘por assim dizer, duas vezes’, na segunda vez não ocorrem mais como ‘farsa’. Ou melhor: a farsa é mais terrível do que a tragédia à qual ela segue”.

O único poder moderador. Por Eugênia Gonzaga

CartaCapital

Um país democrático submete-se à Constituição, não aos esbirros dos generais

E do senso comum a ideia de que um poder autoritário, em regra militar, pode trazer mais segurança para a população. Mas é muito equivocada. Em um poder autoritário, aqueles que detêm as “armas” terminam por entrar nos lares, matar e violar cidadãos, como o filme Ainda Estou Aqui mostrou tão didaticamente ao mundo.

Desde Aristóteles se defende que, entre todas as formas de governo, a República Democrática, que pode não ser perfeita, até porque não existiria regime perfeito, é aquela que de fato é mais eficaz para o enfrentamento de mazelas como a violência, a corrupção e a desigualdade social, às quais todo país pode estar sujeito. E, para ser uma República Democrática, é preciso que o país seja regido por leis (poder civil), não por armas (poder militar ou governos autoritários). Aliás, para evitar que os “coturnos” pisoteiem vidas, é preciso que as “armas’ estejam subordinadas ao poder civil, ou seja, a uma Constituição (ou leis, em sentido amplo).

À beira de uma grande guerra? Por Renato Janine Ribeiro

CartaCapital

O mundo volta a encarar a ameaça de um conflito global

O mundo parece estar enlouquecendo.

A melhor forma de colocar essa questão é comparar o tempo atual com o da Primeira Guerra Mundial. O que a deflagrou foi um pequeno estopim: um tiro disparado por um jovem doentio, matando o herdeiro do Império Austro-Húngaro em Sarajevo, na Bósnia então ocupada pelos austro-húngaros e disputada pelos sérvios. Isso levou a Áustria-Hungria a dirigir um ultimato à Sérvia, aliada da Rússia, que por sua vez tinha uma aliança com a França, aliada também da Inglaterra. Daí houve todo um conjunto de alianças que levou à guerra, com os alemães e os turcos otomanos dando apoio à Áustria-Hungria. Rapidamente, em pouco mais de um mês, a Europa estava conflagrada. Gente que tinha saído para as férias de verão subitamente se viu privada de voltar, detida em território inimigo. Amigos e parentes estavam uns em guerra contra os outros. (Quem quiser, veja o lindo filme Jules e Jim, de François Truffaut.)

Adeus século XX. Por Jamil Chade

CartaCapital

Os EUA implodem a ordem mundial que garantia a sua hegemonia

O ano de 2025 colocou fim ao século XX, ao menos na estrutura de poder, nas regras, alianças, acordos e tarifas desenhadas. Desde sua posse, em janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desmontou as instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial e que garantiam a hegemonia norte-americana. Trump suspendeu os financiamentos às Nações Unidas e obrigou suas agências a demitir centenas de funcionários e a fechar programas de auxílio. A partir de decretos presidenciais ou rupturas abruptas, colocou um fim ao direito internacional como conhecíamos, relativizou o conceito de soberania, ameaçou invadir territórios estrangeiros, chantageou, deportou, impediu a entrada de refugiados, rasgou as regras internacionais do comércio, do direito humanitário e adotou o nacionalismo econômico e industrial como base de seu modelo de crescimento. Alianças de segurança que pareciam inabaláveis estão em ruínas. Parcerias de 80 anos foram suspensas e a maior máquina militar do mundo agora tem um Departamento da Guerra, não de Defesa.

E o robô vem aí para trabalhar. Por Ivan Alves Filho

O termo robô vem do idioma tcheco e significa trabalho ou, para ser mais preciso, trabalho forçado —robota. A ideia desse trabalho compulsório feito na realidade pelas máquinas foi desenvolvida em uma peça de teatro escrita há mais de um século, de autoria de Karel Capek. Curiosamente, a Tchecoslováquia então socialista seria o primeiro país a organizar um simpósio sobre a automação, em 1965. Nele ficou concertado que a base técnica da sociedade sem classes seria gestada pela automação. Afinal, ainda não se inventou mais-valia em cima de robôs, por exemplo. Com a automação, a exploração do trabalho humano torna-se obsoleta. A sociedade sem classes agradece. 

Opinião do dia - Montesquieu* (Batalha das ideias)

Procurando instruir os homens é que poderemos praticar esta virtude geral que compreende amor de todos. O homem, este ser flexível, dobrando-se na sociedade aos pensamentos e impressões de outrem, é igualmente capaz de conhecer sua natureza própria, quando lha mostram, e de perder até o sentimento, quando lho roubam.

*Montesquieu (1689-1755). ‘O Espírito das leis’ (1748), Prefácio, p. 28. Editora Nova Cultura, 2005 (Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues)

Poesia | O Relógio, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Elizeth Cardoso — Meiga Presença (Paulo Valdez)