domingo, 16 de fevereiro de 2025

As causas do tombo de Lula - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Reação viria com Pé de Meia, Gás para Todos, consignado e menos IR se Congresso deixar

No meio da noite, o bêbado pede ajuda a um policial para achar as chaves que perdeu. Procura perto de um poste de luz. O policial pergunta se o homem as perdeu mesmo por ali. O bêbado diz que deve ter perdido as chaves em uma praça escura: procurava perto do poste porque havia mais luz.

É piada velha de cientistas.

Por que o prestígio de Lula caiu tanto? A gente pode procurar a explicação onde há mais luz. Nos números da inflação, por exemplo, da comida em particular. Resolve?

No início de 2024, a popularidade de Lula 3 tropeçou. A inflação anual da comida ficara abaixo de zero de agosto a dezembro de 2023. O problema eram os preços, como se dizia?

A carestia da comida piorou ao longo de 2024. Foi a 8,4% ao ano em novembro. Mas o número seco da inflação não diz muito, necessariamente. Se o salário cresce mais do que a inflação, se o poder de compra aumenta, em princípio o problema se resolve.

O salário cresce acima do IPCA médio. Mas perde da comida. De dezembro de 2019, pré-epidemia, a dezembro de 2024, o preço médio do alimento que se leva para casa aumentou 56%; o salário médio, nominal, 43%. Para os mais pobres, que gastam mais em comida, essa carestia achatou de modo notável o resto do orçamento miúdo. O problema vai demorar a passar e volta a ser sentido com qualquer nova onda de carestia, mesmo que esta onda nem seja das piores deste século.

Houve recuperação do valor do salário real médio em 2023 e 2024 (7,6% além da inflação). Mas, em relação a 2019, a alta foi só de 6,5%. O país ficou empobrecido por muito tempo.

Sob o poste de luz, no fim de 2024 e início de 2025, vimos: 1) o pânico financeiro de dezembro (que pode passar a impressão de descalabro); 2) a revolta do Pix; 3) alta de juros (que não chegaram ainda com força ao crédito bancário, porém).

O caso do Pix pode ter deixado marca profunda. De 2018 para 2023, a parcela da população adulta que usava serviços financeiros passou de 47% para 88%. Os pobres recém-bancarizados teriam ficado com medo. O "imposto das blusinhas" já irritara os não tão pobres.

Por que a revolta do Pix teria tido tanto efeito? A confiança em Lula, no governo ou mesmo no Estado já andaria baixa? Sim, tem a "polarização" também, mas essa não mudou.

Se os aumentos recentes de renda do trabalho e, ainda maiores, de benefícios sociais não fizeram efeito, o pacote de 2025 vai adiantar?

Não seria coisa pequena. A isenção ou redução do IR para quem ganha até R$ 7.000 mensais pode chegar a 16 milhões de pessoas, com benefício médio anual de R$ 2.200. Vai passar no Congresso, ainda mais com Lula fraco? Valeria apenas em 2026.

A extensão do consignado pode baratear o crédito para dezenas de milhões. Lula promete crédito mais fácil para microempreendedores. Prometeu Gás para Todos para 22 milhões de famílias (só há dinheiro previsto para 5,5 milhões). O Pé de Meia deve chegar a 3,9 milhões de estudantes, com benefício médio anual de R$ 3.200.

Segundo pesquisa Ipec, 62% do eleitorado não quer Lula candidato em 2026. A inflação é pouco citada como motivo de rejeição. "Não fazer um bom trabalho", "corrupção" e idade são de longe os motivos principais declarados.

Já vimos reviravolta grande de popularidade, para cima e para baixo. De mais diferente agora, em relação a Lula 1 e 2: o prestígio de Lula 3 jamais foi alto.

Nenhum comentário: