Folha de S. Paulo
Aumentar alíquotas de importação para atender
seu eleitorado não vai dar certo
A eleição
de Trump responde a uma demanda muito clara. Nas últimas décadas,
houve forte redução do emprego para o trabalhador de média escolaridade, em
geral o trabalhador com o ensino médio completo e alguma formação técnica. Essa
queda ocorreu tanto para o trabalhador do chão de fábrica, que foi substituído
por robôs, quanto para o trabalhador de escritório, que foi substituído por
computadores.
Adicionalmente, há uma queda da qualidade da rede pública de educação americana, desde os anos 1960, aproximadamente. De sorte que o filho do trabalhador que perde emprego na indústria não consegue competir com os filhos dos ricos, nem com os filhos dos imigrantes asiáticos, pelos bons empregos do Vale do Silício.
Contribuiu para o fenômeno, em menor
dimensão, a emergência da China e sua
capacidade industrial imensa, com força de trabalho bem-educada, disciplinada e
com enorme capacidade de poupança. Uma versão turbinada do que foi o Japão nos
anos 1980. Era comum professores de economia vaticinarem
a superação da liderança americana pelo Japão.
O progresso técnico, a China em menor medida
e a dificuldade de o sistema público de educação de igualar as oportunidades
geraram o fenômeno dos flyovers: a classe média empobrecida do meio dos EUA que
a elite sobrevoa quando vai de avião da Nova Inglaterra para a Califórnia. Os
flyovers são os eleitores de Trump.
Para atender ao seu eleitorado, o
plano de Trump é aumentar as alíquotas de importação. Não funcionará. O
elevado déficit comercial dos EUA resulta de dois fenômenos. Primeiro, do
excesso de absorção doméstica sobre a produção. Segundo, do baixo custo de
financiamento internacional dos EUA.
O excesso de absorção sobre a produção
resulta das escolhas de consumo e poupança da população americana. Essas não
são alteradas por tarifas de importação.
O baixo custo de financiamento do Tesouro
americano é consequência de os EUA emitirem a moeda de curso global e de a
dívida pública emitida pelo Tesouro ser vista como porto seguro, em momentos de
aumento de risco. Além de os EUA terem a praça financeira mais eficiente que
há: captarem no mundo todo a baixo custo e investirem em renda variável com
elevado retorno.
A saída ortodoxa para o problema é atacar a
dificuldade do sistema público de educação, para que ele volte a ser capaz de
igualar as oportunidades. A segunda saída ortodoxa é reduzir a absorção
doméstica, o que pode ser obtido por meio de elevação da poupança pública. Me
parece que Trump não avançará por aqui.
Há heterodoxias possíveis. Por exemplo, uma
política mais agressiva de elevação do salário mínimo e medidas legais que
facilitem a capacidade de sindicalização seriam bem-vindas, e há boa teoria
econômica sustentando essas heterodoxias, nem tão heterodoxas assim.
É possível adotarmos a sugestão de Daron
Acemoglu, Nobel de Economia de 2024, e tributar o uso de robôs. Uma versão
moderna do movimento ludista, comum na Inglaterra durante a primeira Revolução
Industrial, talvez conseguisse, como sugere Acemoglu, induzir o progresso
técnico a aumentar a demanda pelos trabalhadores de média escolaridade. Talvez
funcione. Sou bem mais cético aqui. O que sabemos é que a heterodoxia trumpista
não funcionará.
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