segunda-feira, 12 de maio de 2025

De Jorgina ao Careca do INSS, pouco se recupera

Bruno Carazza  / Valor Econômico

Sistema judiciário brasileiro é incapaz de apurar conexões políticas e de reaver valores desviados, o que proporciona a recorrência de fraudes

A primeira vez que o nome de Jorgina Maria de Freitas Fernandes apareceu na grande imprensa associado ao termo INSS foi há quase 34 anos, no dia 22 de maio de 1991, em reportagens de “O Globo” e do extinto “Jornal do Brasil”.

As notícias davam conta do pedido de abertura de processo contra um juiz (Nestor José do Nascimento), dois procuradores do INSS (Hélio Ribeiro de Souza e Marcílio Gomes Silva), um perito judicial (Carlos Alberto Mello dos Santos) e 16 advogados por um esquema que forjava e superfaturava indenizações por acidente de trabalho para beneficiários da previdência pública. Jorgina era uma das advogadas e tornou-se o rosto e o símbolo da fraude bilionária que indignou o país.

Do relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito aberta para apurar as denúncias, percebe-se o quanto esse tipo de crime já era recorrente na história brasileira: “A CPMI para ‘Apurar Fraudes na Previdência Social’, que ora apresenta o relatório final dos trabalhos desenvolvidos, é a 19ª já instituída para esse mesmo fim”.

Depois dela vieram outras, como a CPI do INSS (2009), a CPI dos Fundos de Pensão (2015) e a CPI da Previdência (2017), até chegar a esta que está prestes a ser aberta para esquadrinhar aquele que se anuncia como o maior esquema de desvio de recursos do sistema previdenciário em toda a história brasileira.

Na mesma página da reportagem que denunciava aquele escândalo, do qual Jorgina se tornaria personagem central, havia outra matéria noticiando que a deputada federal Cidinha Campos (então no PDT-RJ) havia incriminado seu colega de legislatura Fábio Raunheitti (PTB-RJ) por ser responsável pela indicação do procurador do INSS que facilitou as fraudes milionárias.

Durante a CPMI, porém, as apurações se limitaram a colher evidências sobre o envolvimento de servidores públicos e advogados na sangria de recursos da autarquia competente para administrar o sistema previdenciário. A classe política, como seria de se esperar, acabou blindada das investigações. Estávamos no governo Collor e o ministro do Trabalho e da Previdência Social, Antônio Rogério Magri, ex-presidente da Central Geral dos Trabalhadores, sobreviveu à crise, só caindo meses depois, acusado por outros desvios de recursos, não relacionados ao INSS.

Fora do campo político, por incrível que pareça, a Justiça não tardou. Apenas um ano depois, em julho de 1992, 18 pessoas foram condenadas a penas que variaram de 4 anos e 8 meses a 15 anos e meio de prisão por peculato e formação de quadrilha, incluindo o juiz, três procuradores, um contador judicial, 12 advogados (e a esposa de um deles).

Jorgina de Freitas ganhou notoriedade por ter fugido do país antes do cumprimento da pena. Depois de passar por diversos países e se submeter a uma série de cirurgias plásticas para dificultar seu reconhecimento, a advogada acabou localizada na Costa Rica. Extraditada para o Brasil em 1998, cumpriu pena de 12 anos e faleceu em 2022, após ficar meses internada pelas lesões provocadas por um acidente de carro.

Quanto à recuperação dos valores desviados, a história é bastante diferente. A imprensa, nos anos seguintes, noticiou que, pelos cálculos da Previdência Social, apenas Jorgina teria desviado em torno de US$ 112 milhões, de um desfalque total de US$ 525 milhões. Estima-se que outro advogado, Ilson Escóssia da Veiga, recebeu mais de US$ 190 milhões. O grosso desse dinheiro foi aplicado em imóveis e transferido para o exterior, em contas bancárias em Miami e na Suíça, utilizando para tanto empresas fantasmas, laranjas e doleiros - roteiro comum em outras falcatruas a que nós, brasileiros, infelizmente estamos acostumados.

A retomada desses valores, porém, se deu de forma lenta e apenas parcial. Reportagem do “Estadão” de maio de 2006, uma década e meia após a descoberta do esquema, mostrava que o próprio INSS reconhecia que, àquela altura, apenas 15% do rombo provocado nos cofres públicos havia sido restituído pelos criminosos. Seria interessante ter dados mais atualizados sobre a eficácia da advocacia pública e da Justiça na recuperação dos valores fraudados desde então.

No Brasil a história se repete, principalmente quando se trata de crimes relacionados à corrupção. As apurações da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal que deflagraram a Operação Sem Desconto indicaram a existência de uma apropriação de mais de R$ 6 bilhões de aposentadorias e pensões e já tem o seu personagem simbólico: “o Careca do INSS”, alcunha de Antônio Carlos Camilo Antunes, o principal operador financeiro da quadrilha.

Para ter um desfecho diferente e evitar que daqui a alguns anos tenhamos novo caso, é preciso que os órgãos de combate à corrupção cheguem à responsabilização dos políticos que protegem e se beneficiam dos valores surrupiados e que o sistema judicial seja eficiente na localização de ativos e restituição dos valores ao Erário.

Para Jorgina e seus comparsas, o crime compensou. Condenar o “Careca do INSS” e demitir o ministro da Previdência não basta.

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