Sistema judiciário brasileiro é incapaz de apurar conexões políticas e de reaver valores desviados, o que proporciona a recorrência de fraudes
A primeira vez que o nome de Jorgina Maria de
Freitas Fernandes apareceu na grande imprensa associado ao termo INSS foi há
quase 34 anos, no dia 22 de maio de 1991, em reportagens de “O Globo” e do
extinto “Jornal do Brasil”.
As notícias davam conta do pedido de abertura
de processo contra um juiz (Nestor José do Nascimento), dois procuradores do
INSS (Hélio Ribeiro de Souza e Marcílio Gomes Silva), um perito judicial
(Carlos Alberto Mello dos Santos) e 16 advogados por um esquema que forjava e
superfaturava indenizações por acidente de trabalho para beneficiários da
previdência pública. Jorgina era uma das advogadas e tornou-se o rosto e o
símbolo da fraude bilionária que indignou o país.
Do relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito aberta para apurar as denúncias, percebe-se o quanto esse tipo de crime já era recorrente na história brasileira: “A CPMI para ‘Apurar Fraudes na Previdência Social’, que ora apresenta o relatório final dos trabalhos desenvolvidos, é a 19ª já instituída para esse mesmo fim”.
Depois dela vieram outras, como a CPI do INSS
(2009), a CPI dos Fundos de Pensão (2015) e a CPI da Previdência (2017), até
chegar a esta que está prestes a ser aberta para esquadrinhar aquele que se
anuncia como o maior esquema de desvio de recursos do sistema previdenciário em
toda a história brasileira.
Na mesma página da reportagem que denunciava
aquele escândalo, do qual Jorgina se tornaria personagem central, havia outra
matéria noticiando que a deputada federal Cidinha Campos (então no PDT-RJ)
havia incriminado seu colega de legislatura Fábio Raunheitti (PTB-RJ) por ser
responsável pela indicação do procurador do INSS que facilitou as fraudes
milionárias.
Durante a CPMI, porém, as apurações se
limitaram a colher evidências sobre o envolvimento de servidores públicos e
advogados na sangria de recursos da autarquia competente para administrar o
sistema previdenciário. A classe política, como seria de se esperar, acabou
blindada das investigações. Estávamos no governo Collor e o ministro do
Trabalho e da Previdência Social, Antônio Rogério Magri, ex-presidente da
Central Geral dos Trabalhadores, sobreviveu à crise, só caindo meses depois,
acusado por outros desvios de recursos, não relacionados ao INSS.
Fora do campo político, por incrível que
pareça, a Justiça não tardou. Apenas um ano depois, em julho de 1992, 18
pessoas foram condenadas a penas que variaram de 4 anos e 8 meses a 15 anos e
meio de prisão por peculato e formação de quadrilha, incluindo o juiz, três
procuradores, um contador judicial, 12 advogados (e a esposa de um deles).
Jorgina de Freitas ganhou notoriedade por ter
fugido do país antes do cumprimento da pena. Depois de passar por diversos
países e se submeter a uma série de cirurgias plásticas para dificultar seu
reconhecimento, a advogada acabou localizada na Costa Rica. Extraditada para o
Brasil em 1998, cumpriu pena de 12 anos e faleceu em 2022, após ficar meses
internada pelas lesões provocadas por um acidente de carro.
Quanto à recuperação dos valores desviados, a
história é bastante diferente. A imprensa, nos anos seguintes, noticiou que,
pelos cálculos da Previdência Social, apenas Jorgina teria desviado em torno de
US$ 112 milhões, de um desfalque total de US$ 525 milhões. Estima-se que outro
advogado, Ilson Escóssia da Veiga, recebeu mais de US$ 190 milhões. O grosso
desse dinheiro foi aplicado em imóveis e transferido para o exterior, em contas
bancárias em Miami e na Suíça, utilizando para tanto empresas fantasmas, laranjas
e doleiros - roteiro comum em outras falcatruas a que nós, brasileiros,
infelizmente estamos acostumados.
A retomada desses valores, porém, se deu de
forma lenta e apenas parcial. Reportagem do “Estadão” de maio de 2006, uma
década e meia após a descoberta do esquema, mostrava que o próprio INSS
reconhecia que, àquela altura, apenas 15% do rombo provocado nos cofres
públicos havia sido restituído pelos criminosos. Seria interessante ter dados
mais atualizados sobre a eficácia da advocacia pública e da Justiça na
recuperação dos valores fraudados desde então.
No Brasil a história se repete,
principalmente quando se trata de crimes relacionados à corrupção. As apurações
da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal que deflagraram a Operação
Sem Desconto indicaram a existência de uma apropriação de mais de R$ 6 bilhões
de aposentadorias e pensões e já tem o seu personagem simbólico: “o Careca do
INSS”, alcunha de Antônio Carlos Camilo Antunes, o principal operador
financeiro da quadrilha.
Para ter um desfecho diferente e evitar que
daqui a alguns anos tenhamos novo caso, é preciso que os órgãos de combate à
corrupção cheguem à responsabilização dos políticos que protegem e se
beneficiam dos valores surrupiados e que o sistema judicial seja eficiente na
localização de ativos e restituição dos valores ao Erário.
Para Jorgina e seus comparsas, o crime compensou. Condenar o “Careca do INSS” e demitir o ministro da Previdência não basta.
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