sexta-feira, 9 de maio de 2025

O conclave e o novo papa: mistérios - José de Souza Martins

Valor Econômico

A história demonstra que, em consequência da interação entre o sagrado e o profano, os que votam em nome do Espírito Santo podem fazer uma interpretação errada do que Ele lhes inspira

Quando este artigo for publicado, é provável que já se tenha consumado a eleição do novo papa da Igreja Católica, a igreja da religião de 1,4 bilhão de seres humanos.

Nestes dias de espera, há um equívoco notório no comportamento dos fabricantes de opinião, especialistas em tudo. Mesmo pessoas supostamente religiosas fazem pose de sabidas na televisão e nos jornais para “explicar o pleito” com a mesma lógica com que podem narrar uma partida de futebol ou o andamento de uma eleição no Brasil.

O único sabido dessa história toda é o Espírito Santo, e ele não conta a ninguém qual será o resultado porque ele também não o conhece. Foi isso que explicou o grande e sábio pensador católico Joseph Ratzinger (1927-2022), quando ainda não era papa e foi entrevistado a respeito do assunto por alguém.

Ratzinger mencionou a imaterialidade do Espírito Santo e como é assim que Ele age no conclave que decide quem será o sucessor de um papa. Suponho eu, em linguagem brasileira, o Espírito Santo não é um cabo eleitoral, um puxador de votos, um dono de consciências. Ele é o Espírito, não é algo nem alguém que manda nos outros como um latifundiário das regiões mais atrasadas do Brasil, dono de terra e dono de gente.

Lá onde está, Ele não faz política nem a faz como a fazem aqueles que nos dominam para nos minimizar, para mandar em nossa vontade política, que usurpam na eleição o que é o nosso mandato de representação, que não nos representam porque se apossam de nossa vontade política como donos, e não como representantes.

A morada do Espírito Santo, no conclave desta era, é a Capela Sistina, o local do encontro dos cardeais eleitores. Ele é invisível, mas todos os cardeais eleitores sabem que ele está lá. Pois são eles que para lá o levam consigo.

Não importam as diferenças que lhes atribuem os que acham que sabem tudo e que pouco ou nada sabem a respeito do que ali acontece e do resultado desse acontecer. Enormes tolices aparecem na mídia. Não há ali nem liberais nem progressistas, nem esquerdistas nem direitistas, nem negros nem brancos.

Lembro de uma conferência sobre direitos humanos no Tuca, em São Paulo, num debate promovido pela Igreja Católica e presidido pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns (cujo sobrinho, cardeal do Amazonas, participa deste conclave), em que um teólogo metodista, americano, negro, concluiu sua fala com esta afirmação incisiva: “Deus é negro!”. O que provocou indignação e bate-boca.

Todos tinham uma interpretação contra ou a favor. Até que Dom Paulo sugeriu que se desse a palavra a quem melhor poderia resolver a dúvida, o orador. A resposta foi simples: “Deus é negro porque ele é a vítima!”, uma resposta bíblica, inspirada na grande revelação da cruz e do calvário.

O papa eleito ali na Capela Sistina é uma criação do conclave, alguém que ali entra com um nome e sai com outro, alguém que renasce no Espírito e nesse renascimento expressa o carisma de sua nova identidade. É nesse renascimento que, então, o Espírito Santo revela sua vontade. E, então, também fica sabendo qual foi Sua escolha em face da diversidade de vocações e de perfis humanos e católicos que a igreja colocou diante dele.

A história do papado demonstra claramente que, em consequência dessa interação entre o sagrado e o profano, os que votam em nome do Espírito Santo podem ser frágeis e fazer uma interpretação errada do que Ele lhes inspira.

O processo de escolha é um processo dialético, de certo modo no sentido do movimento da história na concepção do cisterciense Gioacchino Da Fiore, amigo de São Francisco. Tão influente em larga parte do mundo, também aqui no Brasil. Um modo de pensar o mundo e a vida que reconhece a existência de uma era que é a era do Espírito Santo, uma era de chegada e de superações.

Nasci pouco antes da eleição do cardeal Pacelli como Pio XII. Supostamente fora escolhido por seu antecessor, o cardeal Siri, de Gênova. Mas Siri não foi o eleito. Há enorme celeuma em torno da anomalia da fumaça branca substituída pela fumaça preta e só pouco depois de novo pela fumaça branca. O eleito foi Ângelo Giuseppe Roncalli, o papa João XXIII.

Fiz peregrinação a Sotto-il-Monte na província de Bérgamo, na Itália, à pequena casa camponesa e modesta em que Roncalli nasceu. Em termos brasileiros, uma casa caipira, parecida com a de meus avós que viviam na roça.

Numa parede de um pequeno cômodo, em um quadro, metade da passagem de trem de ida e volta entre Veneza e Roma. Roncalli não fora a Roma para ficar. E Siri nunca confirmou a informação de que fora eleito e, a pedido, renunciara no ato, sob argumento de que não podia violar o juramento de segredo. Mas, podia, se não acontecera não era segredo.

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