Valor Econômico
A história demonstra que, em consequência da
interação entre o sagrado e o profano, os que votam em nome do Espírito Santo
podem fazer uma interpretação errada do que Ele lhes inspira
Quando este artigo for publicado, é provável
que já se tenha consumado a eleição do novo papa da Igreja Católica, a igreja
da religião de 1,4 bilhão de seres humanos.
Nestes dias de espera, há um equívoco notório
no comportamento dos fabricantes de opinião, especialistas em tudo. Mesmo
pessoas supostamente religiosas fazem pose de sabidas na televisão e nos
jornais para “explicar o pleito” com a mesma lógica com que podem narrar uma
partida de futebol ou o andamento de uma eleição no Brasil.
O único sabido dessa história toda é o
Espírito Santo, e ele não conta a ninguém qual será o resultado porque ele
também não o conhece. Foi isso que explicou o grande e sábio pensador católico
Joseph Ratzinger (1927-2022), quando ainda não era papa e foi entrevistado a
respeito do assunto por alguém.
Ratzinger mencionou a imaterialidade do Espírito Santo e como é assim que Ele age no conclave que decide quem será o sucessor de um papa. Suponho eu, em linguagem brasileira, o Espírito Santo não é um cabo eleitoral, um puxador de votos, um dono de consciências. Ele é o Espírito, não é algo nem alguém que manda nos outros como um latifundiário das regiões mais atrasadas do Brasil, dono de terra e dono de gente.
Lá onde está, Ele não faz política nem a faz
como a fazem aqueles que nos dominam para nos minimizar, para mandar em nossa
vontade política, que usurpam na eleição o que é o nosso mandato de
representação, que não nos representam porque se apossam de nossa vontade
política como donos, e não como representantes.
A morada do Espírito Santo, no conclave desta
era, é a Capela Sistina, o local do encontro dos cardeais eleitores. Ele é
invisível, mas todos os cardeais eleitores sabem que ele está lá. Pois são eles
que para lá o levam consigo.
Não importam as diferenças que lhes atribuem
os que acham que sabem tudo e que pouco ou nada sabem a respeito do que ali
acontece e do resultado desse acontecer. Enormes tolices aparecem na mídia. Não
há ali nem liberais nem progressistas, nem esquerdistas nem direitistas, nem
negros nem brancos.
Lembro de uma conferência sobre direitos
humanos no Tuca, em São Paulo, num debate promovido pela Igreja Católica e
presidido pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns (cujo sobrinho, cardeal do
Amazonas, participa deste conclave), em que um teólogo metodista, americano,
negro, concluiu sua fala com esta afirmação incisiva: “Deus é negro!”. O que
provocou indignação e bate-boca.
Todos tinham uma interpretação contra ou a
favor. Até que Dom Paulo sugeriu que se desse a palavra a quem melhor poderia
resolver a dúvida, o orador. A resposta foi simples: “Deus é negro porque ele é
a vítima!”, uma resposta bíblica, inspirada na grande revelação da cruz e do
calvário.
O papa eleito ali na Capela Sistina é uma
criação do conclave, alguém que ali entra com um nome e sai com outro, alguém
que renasce no Espírito e nesse renascimento expressa o carisma de sua nova
identidade. É nesse renascimento que, então, o Espírito Santo revela sua
vontade. E, então, também fica sabendo qual foi Sua escolha em face da
diversidade de vocações e de perfis humanos e católicos que a igreja colocou
diante dele.
A história do papado demonstra claramente
que, em consequência dessa interação entre o sagrado e o profano, os que votam
em nome do Espírito Santo podem ser frágeis e fazer uma interpretação errada do
que Ele lhes inspira.
O processo de escolha é um processo
dialético, de certo modo no sentido do movimento da história na concepção do
cisterciense Gioacchino Da Fiore, amigo de São Francisco. Tão influente em
larga parte do mundo, também aqui no Brasil. Um modo de pensar o mundo e a vida
que reconhece a existência de uma era que é a era do Espírito Santo, uma era de
chegada e de superações.
Nasci pouco antes da eleição do cardeal
Pacelli como Pio XII. Supostamente fora escolhido por seu antecessor, o cardeal
Siri, de Gênova. Mas Siri não foi o eleito. Há enorme celeuma em torno da
anomalia da fumaça branca substituída pela fumaça preta e só pouco depois de
novo pela fumaça branca. O eleito foi Ângelo Giuseppe Roncalli, o papa João
XXIII.
Fiz peregrinação a Sotto-il-Monte na
província de Bérgamo, na Itália, à pequena casa camponesa e modesta em que
Roncalli nasceu. Em termos brasileiros, uma casa caipira, parecida com a de
meus avós que viviam na roça.
Numa parede de um pequeno cômodo, em um
quadro, metade da passagem de trem de ida e volta entre Veneza e Roma. Roncalli
não fora a Roma para ficar. E Siri nunca confirmou a informação de que fora
eleito e, a pedido, renunciara no ato, sob argumento de que não podia violar o
juramento de segredo. Mas, podia, se não acontecera não era segredo.
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