sexta-feira, 9 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Leão XIV traz continuidade a legado de Francisco

O Globo

Mais discreto e reservado, novo Papa tem outro estilo, mas não deverá tirar Igreja do rumo que tem seguido

Pouco mais de uma hora depois de a fumaça branca sair da chaminé da Capela Sistina e de os sinos da Basílica de São Pedro dobrarem, a multidão reunida no Vaticano ouvia o nome do novo sumo pontífice da Igreja Católica: cardeal Robert Francis Prevost, de 69 anos, o primeiro Papa americano, que assume seu pontificado sob o nome de Leão XIV. Emocionado, ele desejou “paz” aos fiéis e falou de uma “Igreja que avança”. Ressaltou a missão pastoral e a atenção aos pobres, alinhado com seus antecessores desde o Concílio Vaticano II, em especial Francisco. “A humanidade precisa de uma ponte para alcançar a Deus”, afirmou. Começou seu discurso em italiano e, perto do fim, falou em espanhol se dirigindo às comunidades com que conviveu no Peru, país onde morou vários anos e se naturalizou.

Nos últimos dois dias, diante do afresco Juízo Final, de Michelangelo, os 133 cardeais de 71 países promoveram um referendo sobre os 12 anos do papado de Francisco. A decisão foi pela continuidade, ainda que em novo tom. Francisco tornou a Igreja Católica mais inclusiva e relevante. Reformista, ressaltou a urgência de atender às demandas dos católicos na sociedade. Acolheu homossexuais — fez história sua pergunta “quem sou eu para julgar?” —, pôs o aquecimento global no topo da agenda, enfatizou a situação de marginalizados e migrantes, abriu a possibilidade de divorciados receberem comunhão e de maior participação das mulheres na Igreja.

A escolha de Leão XIV mostra que linha similar será mantida. Antes de ser escolhido, Prevost concordava com a ênfase ao meio ambiente, com o foco nos pobres e migrantes, com a missão pastoral da Igreja e com a comunhão a divorciados, embora fosse contra a ordenação de mulheres e ambivalente em relação à bênção a casais gays (o próprio Francisco, que a aprovava, não mudou as regras do casamento).

A escolha do nome Leão reflete a inspiração no papado de Leão XIII (1878-1903) — modernizador da Igreja, aberto ao conhecimento científico (Prevost é formado em matemática) e autor da encíclica Rerum Novarum, que estabeleceu a Doutrina Social da Igreja. Também não há como deixar de ver na escolha de um progressista dos Estados Unidos um contraponto ao radicalismo das políticas de Donald Trump.

Leão XIV terá pela frente enormes desafios. Há muita diversidade em meio ao 1,4 bilhão de católicos. Cerca de 48% estão em seu continente de origem, e isso explica a escolha do segundo Papa consecutivo das Américas. Ao lado da Europa, porém, essa é a porção do planeta que apresenta menor crescimento no rebanho de fiéis — ao contrário da África. Leão XIV terá de se equilibrar para não desagradar a nenhum grupo regional.

O novo Papa também terá de lidar com uma herança menos reluzente, mas não menos presente de seu antecessor. Apesar de ter tentado combater a corrupção, Francisco não sanou todas as questões financeiras da Igreja. Persistem ainda problemas no fundo de pensão e déficit orçamentário. Por fim, Prevost também terá de dar novo ímpeto ao combate a casos de abuso sexual (ele próprio foi criticado pela atitude diante de episódios nas paróquias em que servia, embora assevere que tomou as medidas cabíveis). Mais discreto e reservado, Leão XIV tem na certa outro estilo em relação a Francisco, mas não deverá tirar a Igreja do rumo que tem seguido.

Avanço do Brasil no IDH torna mais urgente desafio na educação

O Globo

País galgou cinco posições em ranking da ONU graças a melhoras na saúde e na renda, mas ensino ficou estagnado

É boa notícia o avanço do Brasil no ranking de desenvolvimento humano da ONU, calculado com base em indicadores de saúde, escolaridade e renda. O país alcançou em 2023 o 84º lugar na lista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No ano anterior, estava cinco posições atrás. Com isso, o Brasil voltou ao grupo de países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado alto pelo Pnud.

O IDH varia entre 0 e 1. Quanto maior, mais desenvolvido o país ou região. No Brasil, o indicador havia alcançado 0,77 em 2020, mas caiu com a pandemia e a redução na expectativa de vida. Em 2022, voltou a subir para 0,78 e, pelo dado de 2023, alcançou 0,786 — valor pouco acima da média da região (0,783) e da média global (0,756). As posições conquistadas no ranking são resultado mais das dificuldades do resto do mundo em retornar ao patamar anterior à pandemia. O Brasil conseguiu, comparativamente, se recuperar mais rápido que o planeta.

A principal causa foi o progresso na renda e na saúde. Calculada pelo critério de paridade do poder de compra, usado pelo Banco Mundial, a renda per capita do brasileiro subiu de US$ 16.609 em 2020 para US$ 17.594 em 2022 e US$ 18.011 em 2023. A queda no desemprego e os aumentos reais concedidos a benefícios sociais a partir da pandemia explicam boa parte desse salto. Em saúde, o país reverteu o prejuízo, e a expectativa de vida voltou a crescer. Em 2020, era de 74,5 anos. Caiu para 73 no ano seguinte, em razão das mortes causadas pelo coronavírus — mas voltou a 75,9 anos em 2023.

Comparativamente, o Brasil se saiu melhor que o mundo como um todo. O IDH global registrou a menor alta em seus 35 anos de existência, sobretudo pelo impacto da pandemia na expectativa de vida. Antes, ela crescia três meses por ano. Em 2022 e 2023, o crescimento caiu à metade.

No que diz respeito à educação, contudo, o Brasil continuou estagnado. Os dois indicadores usados no cálculo do IDH se mantiveram no mesmo patamar. A expectativa de escolaridade do brasileiro se manteve em 15,8 anos, nível inalterado desde 2020. E a escolaridade média da população continuou em 8,4 anos, resultado idêntico ao dos dois anos anteriores (em 2020, estava em 8,3). Nesse quesito, países como Chile ou Argentina apresentam desempenho próximo ao da Islândia, líder mundial em IDH. No Chile, alunos frequentam a escola por 14,3 anos em média e na Argentina por 11,2.

A deficiência em educação é mais preocupante levando em conta o cenário traçado para os próximos anos. Automatização e inteligência artificial terão impacto transformador no mundo do trabalho. Países que não estiverem preparados não conseguirão tirar proveito da nova onda tecnológica. A primeira condição para isso é ter uma população educada e bem formada. Prova de que o Brasil ainda está muito distante de satisfazê-la é o indicador divulgado recentemente, segundo o qual quase 30% da população ainda está na categoria dos “analfabetos funcionais”. Passou da hora de reagir.

No comando da COP30, Brasil precisa de regulação exemplar

Valor Econômico

Sem um discurso unificado no país, e sem regulamentação ambiental que lhe dê amparo, será difícil que a presidência da COP30 avance na ampliação do financiamento climático e na execução do Acordo de Paris

A presidência brasileira da COP30 propôs ao mundo um “mutirão” para enfrentar a crise climática, mas o apelo parece não ter sensibilizado parte do Congresso e os Estados. A seis meses da cúpula em Belém, a Câmara e o Senado acumulam propostas que vão na contramão da preservação do meio ambiente. Os Estados não avançaram na validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que facilita muito a grilagem e o desmatamento, especialmente na Amazônia. A falta de unidade nacional pode enfraquecer a posição do governo nas negociações, já dificultadas pelas contradições ambientais do Palácio do Palácio e pelo cenário internacional conflagrado por Donald Trump, um negacionista no comando da maior economia mundial e a segunda em emissões de CO2.

Levantamento realizado pela Rede Pró-UC (Valor, 14/4) mostrou que há pelo menos 27 projetos de lei em tramitação - 13 deles no Senado e 14 na Câmara - propondo a extinção, a redução ou a recategorização de unidades de conservação. Uma das áreas ameaçadas é a Reserva Biológica (Rebio) da Serra do Cachimbo, no Pará, que receberá delegações de todo o mundo para a cúpula climática. Projetos dos senadores Zequinha Marinho (Podemos-PA) e Nelson Barbudo (PL-MT) querem transformar partes da Rebio, cujas regras para uso de recursos naturais são mais restritivas, em Parque Nacional e em áreas de proteção ambiental (APA), com normas mais flexíveis. Outra proposta, da deputada federal Geovania de Sá (PSDB-SC), pede a extinção da APA da Baleia Franca, em Santa Catarina.

A tentativa de revisar e diminuir espaços de preservação é conhecida de longa data por ambientalistas, que o batizaram com a sigla PADD (Protected Area Downgrading, Downsizing and Degazettement, em inglês). No Brasil, um dos casos mais emblemáticos de profusão de PADDs envolve a Amazônia Legal. Segundo levantamento do InfoAmazonia, a região perdeu 87.591 km2 de áreas protegidas de 2000 a 2024, o equivalente a 57 cidades de São Paulo, em processo que envolveu pelo menos 60 alterações na legislação. Outros sete projetos, em tramitação no Senado ou sob análise na Justiça, ameaçam mais 13.488 km2 - área nove vezes maior do que a ocupada pela capital paulista.

Não só o avanço dos PADDs pode criar uma saia justa para o governo às vésperas da COP. Outros projetos antiambientais aprovados pela Câmara e sob análise do Senado estão entre as prioridades do ano e podem prejudicar a imagem do país. A Lei Geral de Licenciamento, amplamente criticada por especialistas, afrouxa regras e criaria no país um cenário de insegurança jurídica que atrapalharia novos empreendimentos e negócios. Já a proposta de regularização fundiária, se não for modificada, abre brechas que podem facilitar a grilagem de terras e o desmatamento ilegal. Também devem avançar as discussões sobre as obras da BR-319, defendidas pelo presidente Lula e questionadas por ambientalistas, que alertam para risco de destruição da biodiversidade em áreas ainda intocadas ao sul da Amazônia.

Se o padrão de votações recente for mantido, é altíssima a chance de a boiada antiambiental prosperar no Congresso. É o que sugere o Índice de Convergência Ambiental Total (Icat), elaborado pela Virada Parlamentar Sustentável, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). Na atual legislatura, o indicador da Câmara situa-se em 29,1%, percentual considerado ruim pelos critérios adotados pelas entidades responsáveis, que comparam os votos dos parlamentares com o posicionamento do líder da Frente Parlamentar Ambientalista. O do Senado é ainda pior (25,49%). Houve piora em relação à legislatura anterior (2018-2022), cujo Icat foi de 43%.

O desmatamento ilegal é que devasta o país. Ele é imensamente protegido pela leniência com que o CAR, a autodeclaração de área feita pelo proprietário, é considerado. O CAR foi tido como um avanço e uma boa solução de compromisso entre ruralistas e ambientalistas e registrou 7,8 milhões de propriedades. Foi prorrogado várias vezes, e esse é um defeito sério, mas talvez menor, diante da não validação dos cadastros pelos Estados.

Radiografia feita pelo Sistema Florestal Brasileiro, a pedido de O Globo (27/4), revela situações esdrúxulas. Exemplos: 50 imóveis foram declarados em uma mesma propriedade, com donos diferentes, todos laranjas. Há “fazendas voadoras”, que mudam de lugar para evitar responsabilidade por desmatamento na área original. Foram constatados 470 casos de propriedades sobre rios e lagos. A soma das áreas declaradas no CAR é maior que a do território nacional.

A Amazônia é o retrato da morosidade legal estatal. No Amazonas, 75% dos cadastros aguardam análise e só 0,6% foi validado. No Pará, falta começar a análise 41% dos imóveis e apenas 11% foram validados. Roraima e no Maranhão têm mais de 90% dos CARs ainda não analisados. A região é crítica, mas a performance dos demais Estados é parecida e nada animadora.

Sem um discurso unificado no país, e sem regulamentação ambiental que lhe dê amparo, será difícil que a presidência da COP30 avance na ampliação do financiamento climático e na execução do Acordo de Paris, objetivos estabelecidos pelo Brasil para a cúpula em Belém.

Aumento de vagas na Câmara é velhacaria

Folha de S. Paulo

STF acerta ao determinar ajuste das bancadas, mas deputados escolhem caminho falho que custaria mais de R$ 65 mi por ano

Por força da Constituição, o Congresso Nacional tem uma missão simples, mas nem por isso desimportante: atualizar o tamanho das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, para que se mantenham proporcionais à população dos respectivos estados —respeitados os limites mínimo de 8 e máximo de 70.

Parlamentares, contudo, resistem a modificar regras pelas quais foram eleitos, razão pela qual reformas políticas costumam ser aprovadas somente após pressão da sociedade. Não é outro o motivo que explica o desprezo do Congresso pela redistribuição de cadeiras na Câmara.

A última vez que se cumpriu esse mandamento constitucional foi em 1993. Em outras palavras, os censos de 2000 e 2010 foram solenemente ignorados pelo Poder Legislativo, e o de 2022 caminhava para o mesmo destino.

Coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar um basta na atitude mesquinha. Em 2023, a pedido do Pará, a corte determinou que o Congresso editasse lei sobre o tema até 30 de junho deste ano, resgatando a relação proporcional entre número de deputados e tamanho da população estadual.

Agora, perto do fim do prazo, a Câmara cumpriu a decisão, mas não sem um toque de velhacaria. Em vez de apenas redistribuir as vagas existentes entre as bancadas, como seria de esperar, os deputados ampliaram a quantidade de cadeiras de nove estados.

A artimanha lhes permite respeitar a ordem do Supremo sem precisar reduzir os postos de algumas unidades da Federação. Assim, se o projeto for aprovado também no Senadoo total de assentos na Câmara passará de 513 para 531 —sem que exista uma única boa justificativa para isso.

Em tempo: o mandamento constitucional tem razão de ser. Trata-se de tornar mais justos os critérios de representatividade, garantindo que os votos de todos os brasileiros tenham peso aproximado. O que não tem razão de ser e não se pode aceitar é a fórmula proposta pelos deputados.

Calcula-se que, com a criação das vagas, haverá um custo de quase R$ 65 milhões por ano, aí incluídos salários, benefícios e estrutura dos novos parlamentares.

De acordo com o deputado Damião Feliciano (União Brasil-PB), o valor seria absorvido pelo atual orçamento da Câmara. É difícil acreditar nessa ladainha —e, se for verdade, isso significa que a Câmara tem desperdiçado pelo menos R$ 65 milhões anuais.

Mas isso não é tudo. Ainda haveria um aumento no número de deputados estaduais, já que o cálculo dessas vagas é proporcional ao total de deputados federais de cada unidade da Federação.

Em outras palavras, o que os deputados sugerem é que, sem nenhuma evidência de ganhos na qualidade da representação política, o país despenda mais de R$ 65 milhões por ano em assentos criados com a única finalidade de evitar a redução de postos parlamentares de alguns estados.

O Senado, cujas cadeiras não estão em discussão, poderá impedir esse desatino.

Veto de Lula defende transparência

Folha de S. Paulo

Projeto de lei colocava em risco o escrutínio dos gastos com servidores do Judiciário, que burla teto com supersalários

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seguiu o interesse público ao vetar artigos do projeto de lei 4.015, de 2023, que poderiam colocar em risco a transparência dos gastos com remunerações no sistema de Justiça.

O texto, proposto em 2015 e aprovado no Congresso Nacional em abril deste ano, visa proteger juízes, promotores e defensores públicos ao elevar penas para os crimes de homicídio e lesão corporal dolosa quando cometidos contra esses funcionários.

Entretanto ele ganhou dispositivos, inseridos pelos parlamentares, destinados a alterar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que fixa direitos sobre privacidade individual.

Segundo a emenda, os dados pessoais de membros do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública deveriam ser tratados considerando o "risco inerente" a essas funções, e qualquer vazamento ou acesso não autorizado precisa ser comunicado às autoridades "em caráter de urgência" para que sejam tomadas as medidas cabíveis.

Com isso, o texto mudaria a LGPD para que a pena de multa no caso de infração em relação a dados pessoais fosse aplicada em dobro quando se tratasse de servidores dessas instituições.

A Controladoria-Geral da União (CGU) defendeu o veto aos trechos, que a seu ver ameaçavam o acesso a informação. Para entidades como a Transparência Brasil, abria-se brecha para que fossem bloqueados dados relativos a remunerações, por exemplo.

Para além da noção controversa de que endurecer penas é eficaz para coibir criminalidade, infelizmente comum no Brasil, o projeto colocava em risco o escrutínio de um setor perdulário com o dinheiro do contribuinte.

Entre 50 países analisados pelo Tesouro Nacional, o país ocupa o segundo lugar, atrás apenas de El Salvador, em despesas com tribunais, que chegam a 1,33% do Produto Interno Bruto —ante média de 0,3%.

Em 2023, foram gastos R$ 156,6 bilhões, sendo que 80,2% (R$ 125,6 bilhões) do montante foi direcionado ao pagamento de magistrados e servidores.

O Judiciário brasileiro —com anuência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que deveria monitorar suas movimentações financeiras— burla o teto constitucional do funcionalismo com penduricalhos que criam supersalários, sem que haja melhoria visível nos serviços prestados à população.

Não à toa, ferramentas que garantem a transparência desses dados, como a Lei de Acesso à Informação (LAI), de 2011, são fundamentais. O Congresso, que ainda pode derrubar os vetos, faria melhor se as protegesse.

O desafio de Leão XIV

O Estado de S. Paulo

O papa herda uma Igreja em transformação em um mundo conturbado. Para ser um pontífice da paz numa era de conflitos, precisará dialogar sem abandonar convicções, reformar sem romper

“Após um papa gordo, um papa magro”, diz o provérbio. Após um papa “do fim do mundo”, um papa da nação mais rica e poderosa do planeta, que liderou uma nova ordem mundial – e agora abala seus fundamentos.

A Igreja que escolheu o americano Robert Prevost para chefiá-la também é diferente da que elegeu o falecido Francisco. Foi o conclave mais global da História. A fé definha no Ocidente, mas cresce no Oriente. Na América Latina, os evangélicos trazem uma visão nova de Cristo, mas também dúvidas e desafios. Conversões florescem na África e Ásia, mas também atritos com ditaduras e o Islã.

O mundo é diferente: conflitos despertam o espectro da guerra mundial; as democracias estão em recessão, as autocracias, em ascensão, o multilateralismo, em descrédito. A economia se desacelera; as populações envelhecem; tecnologias despertam sonhos de empoderamento sobre-humano, mas também o pesadelo da desumanização.

Na Praça São Pedro, em seu primeiro pronunciamento após ser eleito papa, Leão XIV pronunciou dez vezes a palavra “paz”. “Que a paz esteja convosco”, disse, repetindo a saudação do Cristo ressuscitado. “Uma paz desarmada, uma paz desarmadora, humilde e perseverante, que vem de Deus”, e que o papa gostaria que entrasse em nosso “coração”, alcançasse nossas “famílias”, “todas as pessoas, onde quer que estejam”. E disse como cumprirá essa missão: com uma Igreja que “constrói pontes, que dialoga, sempre aberta a receber”, que “caminha”, que busca “sempre a caridade” e “sempre estar próxima, especialmente dos que sofrem”.

Rios de tinta e saliva correrão sobre o perfil do pontífice. Seu pontificado se adaptará ao mundo moderno, ou tentará adaptá-lo? Qual será sua posição ante a causa LGBT, a ordenação de mulheres, a guerra na Ucrânia ou – inevitável – seu conterrâneo Donald Trump?

Perguntas legítimas, desde que não sejam reducionistas. A mídia secular aplica sua régua – conservador versus progressista –, mas os riscos desse achatamento cognitivo são evidentes. Basta olhar para aquele de quem Leão XIV é vicário. Pode-se afirmar que Jesus não era nem reacionário nem revolucionário, mas a pergunta sobre se era conservador ou progressista colapsa tão logo é formulada. Leão XIII, por exemplo, propôs uma doutrina robusta da justiça social, mas criticou o socialismo e o capitalismo; dialogou com a modernidade, mas reavivou a teologia patrística e escolástica. Conservador ou progressista?

A Igreja precisa ser conservadora: ela se vê como depositária de um dom divino. Mas precisa ser progressista, porque esse dom não pode só ser conservado: deve penetrar o mundo, expandir-se sobre ele, transformá-lo. O cristianismo se vê como a síntese de um acontecimento – a encarnação do Deus-homem –, uma promessa – a união de Deus com a humanidade e a criação – e uma missão – a realização dessa promessa pela regeneração pessoal, social e natural.

Prevost tem formação científica, foi missionário, prior agostiniano e próximo a Francisco. Se quer trazer paz a um mundo conturbado, tem formidáveis instrumentos nas mãos. A Igreja Católica é a instituição mais antiga e mais globalizada do planeta – não só seus 1,4 bilhão de fiéis de todas as etnias, classes e culturas, mas as homenagens de líderes religiosos, chefes de Estado e pessoas de todo o mundo no funeral de Francisco são a prova viva.

A Igreja não tem armas nem capital, mas está na melhor posição para dialogar com protestantes e ortodoxos; com judeus e muçulmanos – todos filhos de Abraão e tributários de Moisés. Ela compartilha da fé humanista na dignidade absoluta do ser humano e na fraternidade universal – mas porque crê em um Pai –; compartilha o anseio muçulmano de servir a um Deus absolutamente bom – mas um Deus humano.

Nessa missão, o juízo sobre se Leão XIV – como Francisco e os sucessores de Pedro – será um bom “progressista” ou um bom “conservador” é secundário. O mundo deve julgar se o papa é um bom homem e um bom cristão. O critério foi dado pelo seu mestre: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, ou, em outras palavras, amar como Cristo amou. Se Leão XIV for fiel a esse mandamento, será um bom papa – e o mundo terá um pouco mais de paz.

A prudência do Banco Central

O Estado de S. Paulo

É bom perceber que mesmo sob a presidência de Galípolo, o ‘menino de ouro’ de Lula, o Copom não cede a pressões e respeita a realidade ao elevar a taxa básica de juros para 14,75% ao ano

Por unanimidade, o Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros em 0,50 ponto porcentual, para 14,75% ao ano, maior nível desde 2006, e deixou em aberto os passos a seguir nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Foi uma decisão prudente em um momento de tantas incertezas no mundo e no Brasil.

A maioria do mercado financeiro já esperava esse aumento. Na reunião de março, quando a Selic subiu 1 ponto porcentual, o BC sinalizou que reduziria a magnitude do aumento dos juros. Apesar de sinais incipientes de desaceleração econômica, o Copom ponderou que a inflação e seus núcleos permaneciam acima da meta e que o mercado de trabalho continuava aquecido.

No comunicado divulgado após a reunião desta semana, a principal mudança se deu no balanço de riscos. Desde setembro, o BC avaliava que houvesse mais chances de alta do que de queda da inflação. Agora, o cenário passou a ser simétrico, com três fatores para cada lado, o que abre possibilidade, na reunião de junho, tanto para um aumento adicional nos juros de 0,25 ponto porcentual quanto para o anúncio do fim do ciclo de alta.

Além da desaceleração das economias doméstica e global, a instituição mencionou o risco de redução nos preços das commodities como um fator que pode vir a conter a inflação. Na outra ponta, permanecem a desancoragem das expectativas por período mais prolongado, a resiliência da inflação de serviços e o conjunto de políticas econômicas externas e internas com impacto inflacionário maior que o esperado.

Internamente, pouco mudou. A projeção do Copom para o IPCA deste ano caiu de 5,1% para 4,8%, mas permanece acima do teto da meta, de 4,5%. Para 2026, a previsão foi reduzida de 3,9% para 3,6%, ainda superior ao centro da meta, de 3%. A política fiscal do governo Lula da Silva continua a dificultar o trabalho do BC de trazer a inflação à meta, cenário que requer uma política monetária “em patamar significativamente contracionista por período prolongado”, segundo o comunicado.

Já o cenário externo ficou ainda mais imprevisível, à mercê dos efeitos da agressiva política comercial do presidente dos EUA, Donald Trump. Temerosos dos impactos do tarifaço, empresas e consumidores norte-americanos anteciparam importações, e o déficit comercial bateu recorde de US$ 140,5 bilhões em março.

Por lá, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) manteve, pela terceira vez consecutiva, os juros inalterados na faixa entre 4,25% e 4,50%. A despeito do encolhimento de 0,3% do PIB dos EUA no primeiro trimestre, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que a inflação ainda está acima da meta e afirmou não ter pressa na redução das taxas.

Paradoxalmente, a bagunça promovida por Trump trouxe ao menos uma vantagem para o Brasil. A queda do dólar fortaleceu o real, contexto que contribuiu para conter a inflação. Assim, o Banco Central brasileiro preferiu a cautela de deixar seus próximos passos em aberto.

Em janeiro e março, o Copom optou por seguir a orientação deixada pelo ex-presidente Roberto Campos Neto e elevou os juros em 1 ponto porcentual em cada reunião. Desta vez, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, estava livre da sombra do antecessor indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e o Copom já tinha a maioria dos diretores indicados por Lula da Silva. Felizmente, o BC demonstrou união ao aumentar os juros em 0,50 ponto porcentual.

Coube às centrais sindicais repudiar os “pipoqueiros” do Banco Central. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) rompeu a trégua e disse que a chegada de Galípolo não mudou a visão predominante no BC. Com o “menino de ouro” de Lula à frente do BC, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, demonstrou raro comedimento ao mencionar que a indústria cresceu 1,2% em março “apesar dos juros nas alturas”.

Pudera. Diante da crise dos descontos irregulares de aposentadorias e pensões, o governo Lula da Silva tem assuntos mais urgentes com os quais se preocupar, o que ao menos reduz a pressão sobre a política monetária – que, ao que tudo indica, permanecerá restritiva por bastante tempo.

O medo do adolescente Lucas

O Estado de S. Paulo

Jovem que temia violência em São Paulo é a mais nova vítima de latrocínio na cidade

A população paulistana assistiu a mais uma tentativa de roubo de celular que terminou em morte. O caso ocorreu no domingo, dia 4, no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo. A exemplo de outros tantos latrocínios ultimamente registrados na capital paulista, tudo foi filmado, e a cena de horror que expôs o fim da vida do adolescente Lucas Teles Santana, de apenas 15 anos, durou menos de dez segundos.

O garoto foi vítima da violência, que, segundo relatos de parentes, tanto temia. Lucas decidira acompanhar seu primo de 18 anos e a namorada dele até a casa dela, por volta de 1h da madrugada. Não queria que o primo voltasse sozinho. Cerca de uma hora depois, os dois foram abordados por uma dupla de bandidos que estavam em uma moto.

Os criminosos pediram então os celulares dos jovens, que não reagiram. Lucas ia entregar seu aparelho, mas, decerto assustado, deixou o aparelho cair no chão. Foi o que bastou para que um dos bandidos lhe desse um tiro no peito. A dupla saiu em disparada sem levar nada.

Não faz muito tempo, o ciclista Vitor Medrado, de 46 anos, foi abordado por dois homens numa moto no Parque do Povo, no Itaim Bibi, na zona oeste. Conforme também registrado por câmeras de segurança, foi morto sem esboçar qualquer reação.

Os casos de Medrado e Lucas ocorreram separados por cerca de 40 quilômetros de distância e em realidades socioeconômicas bastante distintas. Agora, além da semelhança dos nomes, os dois bairros guardam episódios semelhantes de violência, o que mostra que a população de toda a cidade tem razão em sentir medo, assim como sentia o adolescente.

Medrado e Lucas entraram para as estatísticas do latrocínio. Em todo o ano passado, esse tipo de crime cresceu 23,2% na capital paulista em relação a 2023, segundo os dados da Secretaria da Segurança Pública. Foram 53 vítimas. Em 2025, as autoridades têm destacado a queda dos latrocínios na metrópole. No primeiro trimestre, houve recuo de 27,7% no número de vítimas desse tipo de crime.

Significa, no entanto, que 13 famílias paulistanas enfrentaram, entre janeiro e março, o luto pela morte de um parente em virtude da brutalidade do roubo seguido de morte. Como disse a mãe de Lucas, Camila Teles, à TV Globo, “só quem é mãe sabe o que é perder um filho”. Por isso, nenhuma estatística considerada positiva pelo poder público poderá abrandar essa dor.

Muito mais do que alardear os indicadores de criminalidade, as autoridades públicas têm de combater o latrocínio com ações articuladas para desmantelar a vasta cadeia criminosa que tem nos ladrões de celular apenas uma de suas engrenagens. E isso exige mais patrulhamento ostensivo da Polícia Militar, para que os bandidos sintam medo, e não a população, e inteligência da Polícia Civil na investigação de ilícitos cometidos pelo crime organizado.

O poder público precisa ser capaz de aumentar a sensação de segurança dos paulistanos, provando que casos como o do adolescente Lucas terão punição rigorosa e que, na maior cidade do País, a vida tem valor. Somente isso poderá restituir a tranquilidade dos seus cidadãos.

Leão XIV, papado de ineditismos e desafios

Correio Braziliense

Primeiro agostiniano e primeiro imigrante a ocupar o trono de São Pedro, o papa Leão XIV poderá ser um ponto de equilíbrio no mundo em tempos tão conturbados e de guerras

Leão XIV chegou falando em paz e diálogo, com uma citação de Santo Agostinho logo de início: "Para vós, sou bispo; convosco, sou cristão". Em seu primeiro pronunciamento, após encerrado o conclave, o papa eleito ressaltou também a necessidade de se construírem pontes.

Tudo indica que o novo pontífice seguirá os passos do antecessor, Francisco, que era jesuíta, especialmente na atenção aos mais pobres e desvalidos, além de investir na unidade da Igreja Católica. O diálogo entre extremos, incluindo o inter-religioso, figura entre as expectativas de religiosos e leigos como compromisso do novo líder de 1,4 bilhão de católicos no planeta.

Primeiro agostiniano a ocupar o trono de São Pedro, Leão XIV poderá ser um ponto de equilíbrio no mundo em tempos tão conturbados e de guerras, sendo o conflito mais recente a disputa pela região da Caxemira entre Índia e Paquistão. Em suas palavras, há busca de paz. Paz desarmada, um valor caro aos agostinianos, cuja ordem se sustenta nos pilares da interioridade, da vida em comunidade e dos serviços à Igreja e à sociedade. Uma Igreja fraterna, que leva também à união interna, longe das fraturas expostas.

O arcebispo de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, viu o resultado do conclave com júbilo. E está certo de que a experiência cosmopolita de Robert Francis Prevost, nome de batismo do novo papa, poderá ser de grande utilidade para as mazelas planetárias. Em nota, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ressaltou que o pontífice tem a "missão de ser sinal de unidade, amor e esperança para todos os povos".

Há muitos desafios no horizonte: guerras na Ucrânia, na Faixa de Gaza e na África, injustiça social, mudanças climáticas, indiferença com problemas sociais crônicos, crise migratória. Esse último, Leão XIV, o primeiro papa imigrante, deve conhecer bem. 

Seu país natal, os Estados Unidos, enfrentam uma crise migratória, principal bandeira de campanha do atual presidente, Donald Trump, que, vira e mexe, fala em erguer muros, não pontes. Por mais de duas décadas, Prevost trabalhou no Peru, em períodos distintos, onde foi bispo e missionário, e viajou pela América Latina e países da Europa. Há 10 anos, também tem nacionalidade peruana.

Para muitos católicos, a escolha de um cardeal nascido nos Estados Unidos, país de maioria protestante, foi uma grande surpresa. O nome do agostiniano não estava entre os papabile, ou mais cotados na lista de apostas. Logo após o tradicional Habemus papam, ele surgiu na varanda do Palácio Apostólico, no Vaticano, com serenidade e visivelmente emocionado.

Surpreendente também foi o nome escolhido: Leão XIV, que deve indicar a que veio, seguindo as pegadas de Leão XIII, cujo pontificado durou 25 anos, de 1878 a 1903 — portanto, período de transição entre os séculos 19 e 20. Foi o papa da Rerum Novarum, da abertura da Igreja para os movimentos dos trabalhadores, de defesa da condição de um trabalho digno e também das pessoas mais necessitadas. Mas foi ainda o papa do diálogo entre os grupos da sociedade.

Leão é um nome forte na história da Igreja, papas de pontificados marcantes e importantes, hoje resgatado para marcar uma nova fase na vida dos católicos.

Papa Leão XIV: o improvável surge como equilíbrio

O Povo

Com a saudação "A paz esteja com todos vocês", o papa Leão XIV se apresentou ao mundo em seu primeiro discurso na tarde dessa quinta-feira, 8 de maio. Foi a primeira frase dita por ele, como papa, na sacada central da Basílica de São Pedro, no Vaticano.

Ao apresentar-se citando a paz, como "a primeira saudação de Cristo Ressuscitado, o Bom Pastor que deu a vida pelo rebanho de Deus", o papa Leão XIV fez referência a "uma paz desarmada e uma paz desarmante, humilde e perseverante". Após dias de luto pelo papa Francisco, que morreu em 21 de abril, e horas intensas de ansiedade em torno do nome do pontífice seguinte, o mundo se voltou para o perfil do então cardeal dom Robert Francis Prevost.

O agora bispo de Roma é o primeiro papa norte-americano e o primeiro agostiniano. Em seu discurso inicial, deu destaque a temas que eram caros a Francisco, fazendo aumentar a impressão de que o legado do papa anterior deve ser continuado. Assuntos como a acolhida da Igreja, a urgência pela sinodalidade e a importância de "uma igreja missionária, que constrói pontes de diálogo", foram citados por Leão XIV como um chamamento à paz proferida desde o começo, mas, sobretudo e também, como um compromisso de sua missão a partir de agora.

Como agostiniano, lembrou: "Para vocês, sou bispo, mas, com vocês, sou cristão". Em referência à ordem católica da qual faz parte, e na qual se formou em 1985, no Peru, o papa chama a atenção pelo foco na vida comunitária, nos estudos, na busca pela verdade e no serviço pastoral, em seguimento aos ensinamentos de Santo Agostinho, um dos principais teólogos da Igreja. Os agostinianos são conhecidos pela importância que dão ao diálogo, à caridade e à humildade.

Quando serviu por cerca de 20 anos no Peru, em uma pequena comunidade a 750 quilômetros de Lima, o então Robert Prevost era tido como alguém presente na comunidade, de contato direto com o povo. Em seu discurso inicial como papa, saudou a sua "querida diocese de Chiclayo, no Peru", que qualificou como "um povo fiel" que "acompanhou seu bispo e compartilhou sua fé". Expressar-se em espanhol, durante a sua fala em latim, foi muito simbólico para demonstrar a proximidade que tem com a América Latina.

Em setembro de 2023, foi nomeado cardeal por Francisco. Ou seja, não tem muito tempo como cardeal. Mesmo assim, mesmo chefe do poderoso dicastério dos bispos, o que o fez conselheiro do papa anterior para a nomeação de prelados, Robert Prevost era um nome improvável para assumir o papado. Nas apostas informais de quem seria o novo papa, seu nome quase não aparecia.

No entanto, a sua primeira aparição como papa, envolta por simplicidade e pela explícita linguagem da alegria, mostrou que as improbabilidades podem surpreender. Em meio a disputas sobre os perfis, ele aparece como um ponto de equilíbrio. Que a aproximação do papa Leão XIV com a América Latina faça-o se achegar também perto do Brasil, abraçando as causas cearenses, numa demonstração de acolhida missionária.

 

 

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