quinta-feira, 31 de julho de 2025

Não se negocia com a cabeça na boca do tigre - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Os dois extremos – virar a mesa ou abaixar a cabeça – implicariam resultados ruins para o Brasil

Após a publicação da decisão do presidente Donald Trump sobre a majoração das tarifas contra o Brasil para 50%, torna-se ainda mais importante encontrar saídas para a relação comercial entre o Brasil e os Estados Unidos, a exemplo do que ocorreu no caso da União Europeia. As tratativas precisam avançar no campo técnico e diplomático, mas a política deve exercer o seu papel e preservar a soberania nacional. Não há espaço para traições à Pátria.

As exportações brasileiras e o setor produtivo nacional não podem ser prejudicados e, com eles, os empregos e a renda dos brasileiros. O peso dos Estados Unidos na pauta exportadora brasileira é de 12%. Os itens vendidos para lá são muito relevantes. Trata-se de US$ 40,4 bilhões (ou 2% do PIB), sendo US$ 31,6 bilhões referentes à indústria de transformação, ou seja, 78,2% do total vendido aos Estados Unidos, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior para 2024.

Na excelente entrevista do jornalista Francisco Carlos de Assis com o ex-embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, publicada ontem no Estadão, ele apresenta o que está em jogo na relação com os Estados Unidos após o anúncio da tarifa de 50%. A defesa do País é inegociável, o componente político importa e a diversificação da nossa pauta de exportação pode amenizar os efeitos do tarifaço, do ponto de vista agregado.

O Brasil atua de maneira correta, ao buscar a negociação, mas a insistência em questões como a adoção de uma moeda alternativa ao dólar, no âmbito dos movimentos do Brics – sonho de uma noite de verão – joga areia nas engrenagens. Não há resultado prático disso, como disse Ricupero.

O presidente Lula, o vicepresidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, o chanceler Mauro Vieira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estão atuando para navegar em mar revolto. De imediato, iniciativas para guarnecer os financiamentos à exportação, como Roberto Giannetti da Fonseca e eu temos defendido, são as reações mais óbvias. Trata-se da extensão dos contratos de câmbio com os exportadores e da expansão da oferta de liquidez em dólar, se necessária.

Para ter claro, quem pretendia realizar vendas aos Estados Unidos e auferir receitas, em determinado prazo, pode ter os planos frustrados. As empresas exportadoras realizam os chamados Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACC) – com os bancos. Firma-se o contrato e, em prazo estipulado, quando da entrada da receita de exportação, liquida-se a fatura. Nesse caso, o Banco Central pode atuar, por meio de regulação e de eventuais leilões de dólares aos bancos, com direito de recomprar essas quantias. Foi a estratégia de Henrique Meirelles na crise de 2008.

Evidentemente, recomendase cautela e, como bem alertou o Estadão em editorial recente, cabe evitar que ideias mirabolantes ganhem corpo, a exemplo da criação de subsídios e mais gastos públicos, sob o pretexto de mitigar os efeitos do tarifaço. Seria um baque adicional indesejado nas já combalidas contas públicas brasileiras.

A entrada em vigor da nova política tarifária, daqui a sete dias, mesmo com as exceções listadas, é apenas o começo de uma longa jornada. Não julgo que o componente principal das ações dos Estados Unidos contra o Brasil seja a questão política envolvendo o caso do ex-presidente Bolsonaro. Por outro lado, ele adiciona complexidades, até pelo paralelo com o que ocorreu por lá.

Na recente entrevista às jornalistas Débora Bergamasco e Thaís Heredia, na CNN, Haddad destacou que o Brasil busca o diálogo e a preservação da soberania. Assinalou que as autoridades americanas parecem ainda tatear no que se refere aos anúncios feitos em relação ao Brasil. Nesse contexto, recomenda-se prudência.

O País conta com uma burocracia de primeira linha no Itamaraty, que se combina aos grupos formados por empresários para avançar numa boa direção. Os resultados, obviamente, são incertos, mas a direção está correta. É o que está ao nosso alcance neste momento.

Os dois extremos – virar a mesa ou abaixar a cabeça – implicariam resultados ruins para o Brasil. Ao imiscuir-se em questões relacionadas ao nosso Poder Judiciário, Trump conferiu um caráter sui generis ao caso, sobretudo quando comparado aos demais tarifaços anunciados para o resto do mundo.

Mas uma coisa é certa: o enfraquecimento do dólar, mediante a reviravolta promovida no modelo econômico em vigor desde 1944, a partir do Acordo de Bretton Woods, seguirá por bom tempo. Essa fragilização da moeda de reserva internacional (e o presidente do Federal Reserve tem martelado isso aos ouvidos moucos de Trump) é boa para nós, num primeiro momento, frise-se, pois pode retirar pressões da inflação doméstica. Poderá prejudicar, entretanto, os exportadores.

A habilidade do governo brasileiro precisará ser gigantesca a fim de separar o que é negociável do que não é, sem perder as oportunidades para reverter, ainda que parcialmente, as impeditivas tarifas propostas. Há espaço e tempo. Deve-se evitar, para parafrasear Winston Churchill, sentar-se à mesa com a cabeça já na boca do tigre.

 

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