O Estado de S. Paulo
Os dois extremos – virar a mesa ou abaixar a cabeça – implicariam resultados ruins para o Brasil
Após a publicação da decisão
do presidente Donald Trump sobre a majoração das tarifas contra o Brasil para
50%, torna-se ainda mais importante encontrar saídas para a relação comercial
entre o Brasil e os Estados Unidos, a exemplo do que ocorreu no caso da União
Europeia. As tratativas precisam avançar no campo técnico e diplomático, mas a
política deve exercer o seu papel e preservar a soberania nacional. Não há
espaço para traições à Pátria.
As exportações brasileiras e o setor produtivo nacional não podem ser prejudicados e, com eles, os empregos e a renda dos brasileiros. O peso dos Estados Unidos na pauta exportadora brasileira é de 12%. Os itens vendidos para lá são muito relevantes. Trata-se de US$ 40,4 bilhões (ou 2% do PIB), sendo US$ 31,6 bilhões referentes à indústria de transformação, ou seja, 78,2% do total vendido aos Estados Unidos, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior para 2024.
Na excelente entrevista do
jornalista Francisco Carlos de Assis com o ex-embaixador e ex-ministro da
Fazenda Rubens Ricupero, publicada ontem no Estadão, ele apresenta o que está
em jogo na relação com os Estados Unidos após o anúncio da tarifa de 50%. A
defesa do País é inegociável, o componente político importa e a diversificação
da nossa pauta de exportação pode amenizar os efeitos do tarifaço, do ponto de
vista agregado.
O Brasil atua de maneira
correta, ao buscar a negociação, mas a insistência em questões como a adoção de
uma moeda alternativa ao dólar, no âmbito dos movimentos do Brics – sonho de
uma noite de verão – joga areia nas engrenagens. Não há resultado prático
disso, como disse Ricupero.
O presidente Lula, o
vicepresidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços,
Geraldo Alckmin, o chanceler Mauro Vieira e o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, estão atuando para navegar em mar revolto. De imediato, iniciativas para
guarnecer os financiamentos à exportação, como Roberto Giannetti da Fonseca e
eu temos defendido, são as reações mais óbvias. Trata-se da extensão dos
contratos de câmbio com os exportadores e da expansão da oferta de liquidez em
dólar, se necessária.
Para ter claro, quem pretendia realizar vendas aos Estados Unidos e auferir receitas, em determinado prazo, pode ter os planos frustrados. As empresas exportadoras realizam os chamados Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACC) – com os bancos. Firma-se o contrato e, em prazo estipulado, quando da entrada da receita de exportação, liquida-se a fatura. Nesse caso, o Banco Central pode atuar, por meio de regulação e de eventuais leilões de dólares aos bancos, com direito de recomprar essas quantias. Foi a estratégia de Henrique Meirelles na crise de 2008.
Evidentemente, recomendase
cautela e, como bem alertou o Estadão em editorial recente, cabe evitar que
ideias mirabolantes ganhem corpo, a exemplo da criação de subsídios e mais
gastos públicos, sob o pretexto de mitigar os efeitos do tarifaço. Seria um baque
adicional indesejado nas já combalidas contas públicas brasileiras.
A entrada em vigor da nova
política tarifária, daqui a sete dias, mesmo com as exceções listadas, é apenas
o começo de uma longa jornada. Não julgo que o componente principal das ações
dos Estados Unidos contra o Brasil seja a questão política envolvendo o caso do
ex-presidente Bolsonaro. Por outro lado, ele adiciona complexidades, até pelo
paralelo com o que ocorreu por lá.
Na recente entrevista às
jornalistas Débora Bergamasco e Thaís Heredia, na CNN, Haddad destacou que o
Brasil busca o diálogo e a preservação da soberania. Assinalou que as
autoridades americanas parecem ainda tatear no que se refere aos anúncios
feitos em relação ao Brasil. Nesse contexto, recomenda-se prudência.
O País conta com uma
burocracia de primeira linha no Itamaraty, que se combina aos grupos formados
por empresários para avançar numa boa direção. Os resultados, obviamente, são
incertos, mas a direção está correta. É o que está ao nosso alcance neste momento.
Os dois extremos – virar a
mesa ou abaixar a cabeça – implicariam resultados ruins para o Brasil. Ao
imiscuir-se em questões relacionadas ao nosso Poder Judiciário, Trump conferiu
um caráter sui generis ao caso, sobretudo quando comparado aos demais tarifaços
anunciados para o resto do mundo.
Mas uma coisa é certa: o
enfraquecimento do dólar, mediante a reviravolta promovida no modelo econômico
em vigor desde 1944, a partir do Acordo de Bretton Woods, seguirá por bom
tempo. Essa fragilização da moeda de reserva internacional (e o presidente do
Federal Reserve tem martelado isso aos ouvidos moucos de Trump) é boa para nós,
num primeiro momento, frise-se, pois pode retirar pressões da inflação
doméstica. Poderá prejudicar, entretanto, os exportadores.
A habilidade do governo
brasileiro precisará ser gigantesca a fim de separar o que é negociável do que
não é, sem perder as oportunidades para reverter, ainda que parcialmente, as
impeditivas tarifas propostas. Há espaço e tempo. Deve-se evitar, para parafrasear
Winston Churchill, sentar-se à mesa com a cabeça já na boca do tigre.
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