O Supremo Tribunal Federal tem se colocado na vanguarda da sociedade brasileira no campo dos costumes ao aprovar, nos últimos dias, questões polêmicas como a união estável entre homossexuais e a permissão da defesa pública da legalização da maconha, retirando desse movimento o caráter de apologia de crime.
A decisão do Supremo chega no mesmo momento político em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está nos cinemas ancorando o documentário "Rompendo tabus", em que debate com diversas personalidades mundiais sua mais recente cruzada, a da regulamentação do uso da maconha, com o objetivo de descriminalizá-lo.
A Comissão Global sobre Drogas, que ele coordena, vai mais adiante e tem uma clara tendência de trabalhar pela legalização e regulamentação do uso da maconha como a melhor maneira de combater o tráfico de drogas e suas consequências.
Esse, porém, é um passo adiante do já dado pela Comissão Latino-Americana, que, além do ex-presidente brasileiro, tem na sua coordenação os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, e defendeu a descriminalização da maconha, por ser a droga de uso amplamente majoritário no mundo (90% do consumo mundial de drogas) e, ao mesmo tempo, cujos malefícios podem ser comparados aos do álcool e do tabaco.
Fazem parte da Comissão Global políticos como Javier Solana, ex-secretário-geral da Otan e ex-alto representante para a Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia; Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça ; George Schultz, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos; e empresários como Richard Branson, fundador do grupo Virgin e ativista de causas sociais, e John Whitehead, banqueiro e presidente da fundação que construiu o memorial no lugar do World Trade Center, além de intelectuais como os escritores Carlos Fuentes, do México, e Mario Vargas Llosa, do Peru, prêmio Nobel de Literatura.
Essa nova frente de luta na formulação de políticas públicas encontra o sociólogo e político Fernando Henrique Cardoso em plena forma aos 80 anos, que completa amanhã, mas que vem sendo comemorado em diversos eventos nos últimos dias.
O ex-presidente tem sentido nas suas andanças pelo país a simpatia dos jovens, a maior parte dos quais nem mesmo tinha idade para avaliações políticas mais profundas quando o tucano estava no poder, 16 anos atrás.
O sociólogo e analista de opinião Antonio Lavareda considera que esses jovens tinham uma imagem deformada do ex-presidente pela luta política com o também ex-presidente Lula, que demonizou a atuação de seu adversário nos últimos anos, e agora se aproximam dele através da campanha para a descriminalização das drogas.
Fernando Henrique tem tido também uma visão mais moderna do que a maioria de seus pares sobre a importância das novas mídias na atuação política.
Uma pesquisa realizada em parceria entre a agência Box1824 e o Instituto Datafolha mostra que os jovens brasileiros não levam em consideração os partidos na hora de optar por instrumentos de engajamento político, ao mesmo tempo em que cada vez mais valorizam a internet como ferramenta para esse tipo de mobilização.
Pois FH escreveu, em seu polêmico artigo "O papel da oposição" na revista "Interesse Nacional", que a tarefa das oposições seria utilizar essas ferramentas para tentar atrair seus usuários, em vez das modorrentas e burocráticas reuniões partidárias que só fazem afastar os cidadãos comuns da atividade política.
Nessa recente pesquisa entre jovens de 18 a 24 anos, ficou claro, segundo o sociólogo Gabriel Milanez, pesquisador da Box1824, que, para o jovem, a política institucional partidária não é uma solução, eles buscam um novo modelo, com ações do dia a dia, conectando-se a grupos diferentes por meio das mídias sociais.
De manifestações simbólicas que nasceram pela internet e foram para as ruas, um dos melhores exemplos são justamente as marchas pela legalização da maconha organizadas em vários estados do país.
O ex-presidente Fernando Henrique, no seu já famoso artigo que o líder petista José Dirceu promete rebater através da mesma revista, defende a tese de que as oposições têm que se aproximar das "diversas classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora".
Um público que, na avaliação de FH, estaria mais conectado às novas mídias sociais do que à atividade partidária, embora faça política o tempo todo, sem que os políticos tradicionais se deem conta disso.
O ex-presidente é amigo e uma espécie de guru do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern California, nos Estados Unidos, um dos maiores estudiosos da nova sociedade civil que vem se organizando através das novas mídias, em condições de existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa.
Justamente por isso, Fernando Henrique chama a atenção de seus pares para que não deixem sem acompanhamento essa legião de usuários da internet e seus derivados, que descobriu a força da união digital, mas não se liga na ação política através dos partidos.
Castells identifica um "vazio de representação" provocado pelo descrédito da classe política, especialmente junto aos jovens, que a ação através das novas mídias sociais procura preencher.
FH, ao contrário, quer que as oposições ocupem esse espaço se conectando com os integrantes da chamada Geração Y que trabalham com a ideia de organização e debate para decisões coletivas, como identificou Castells.
Como se vê, aos 80 anos, Fernando Henrique Cardoso está novamente na vanguarda dos movimentos sociais, reinventando a si mesmo.
FONTE: O GLOBO
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