sexta-feira, 17 de junho de 2011

Pra frente Brasil, muitos bilhões em ação:: Maria Cristina Fernandes

É sempre tentador culpar a falta de vergonha na cara, mas nem sempre a indignação explica a política. A votação da medida provisória que afrouxou as regras da licitação para obras públicas tem várias explicações. A primeira delas é a execução orçamentária da União.

O acordo da madrugada que ampliou as brechas para que obras que extrapolam a Copa e a Olimpíada possam ter regras de licitação mais frouxas foi, em grande parte, a resposta da base política de um governo que negociou mal o ajuste fiscal em curso.

Levantamento do economista Mansueto de Almeida, do Ipea, nos primeiros quatro meses deste ano mostra que os ministérios de Cidades, Integração Nacional e Turismo - as pastas mais fartas em pequenas obras originadas de emendas parlamentares - tiveram a mais expressiva redução nos investimentos.

De maneira geral, os investimentos dispararam no início de 2010 - cresceram 70% em relação ao mesmo período de 2009 - e agora só despencam. Em ministérios como a das Cidades a queda foi de 59%.

O sucesso que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez na sua última passagem por Brasília tem mais a ver com a fartura que seu último ano de governo proporcionou aos aliados do que com as piadas que ele sabe contar.

O governo Lula também se iniciou com ajuste fiscal mas este sucedeu à crise que marcou o fim da gestão Fernando Henrique Cardoso. A presidente Dilma Rousseff sucede a um governo que, segundo os dados do economista do Ipea, duplicou os gastos sociais e aumentou os investimentos. Nem um governante com jogo de cintura cortaria com facilidade sucedendo a uma conjuntura dessas.

Grande parte da insegurança política que vive o governo às vésperas de completar seus seis primeiros meses decorre da tentativa de cobrir com um cobertor mais curto uma base aliada mais ampla.

A indefinição em torno do segundo escalão também colabora para o aperto fiscal da União. Na medida em que se represam as nomeações - o que no caso do governo federal significa prorrogar o mandato de uma grande maioria de petistas - a execução das políticas públicas também fica represada.

Sempre haverá quem argumente que a base de Dilma é toda composta de sedentos chantagistas. Da mesma maneira que há quem acuse os bancos de não abrir mão de lucros incessantes, ou sindicalistas de reajustes acima da inflação. Mas é nos dois primeiros anos de mandato que os parlamentares tentam viabilizar as emendas para as obras que vão garantir sua base eleitoral na disputa municipal do meio da legislatura. Por mais grana que alguns levantem em votações como a da madrugada desta semana, sua permanência na política depende de voto. Se o governo lhes deixa à mingua para garanti-lo, procuram outros meios para fazê-lo. É um ajuste fiscal que sai caro.

A segunda explicação para o texto aprovado pela Câmara é que a proposta original já nasceu torta. A medida pressupõe um temor generalizado de que os eventos esportivos sejam um fiasco como senha para forçar os limites da frouxidão de controles.

A MP parece buscar justificativa na percepção generalizada de que sempre há quem se locuplete com obras públicas e que não seria colocando em risco a Copa ou a Olimpíada que se mudaria isso. Se a justificativa vale para eventos esportivos por que não se poderia aplicar o mesmo princípio para obras até socialmente mais justificáveis como a construção de um hospital ou de uma escola? No escopo do texto aprovado até um hospital ou uma escola podem vir a seguir normas mais frouxas de licitação se forem incluídas nos acordos entre prefeitos e governadores com as autoridades olímpicas.

A mais discutível das mudanças, na opinião do presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, é aquela que permite que a empresa contratada para executar a obra também seja responsável pelo projeto. O poder público poderá entregar um aeroporto inteiro a uma empresa que determinará como será e quanto custará a obra. Esse salto no escuro será fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União e pelos congêneres estaduais. Além do rigor das auditorias não ser nacionalmente homogêneo nos tribunais de contas estaduais, o texto aprovado na Câmara inibe o acompanhamento público da execução orçamentária da obra.

A terceira explicação para a carta branca à privatização do interesse público aprovada na madrugada é a natureza que as medidas provisórias adquiriram no governo Dilma. É certo que diminuiu a quantidade de MPS editadas pelo Executivo, mas aumentou o número de assuntos desconexos tratados num único texto.

A mudança na Lei das Licitações é tema de um projeto de lei que tramita há anos no Senado, foi objeto de inúmeras audiências públicas e reflete, em grande parte, o peso dos interesses em conflito na questão. Mas o Executivo achou por bem pendurar numa medida provisória sobre as atribuições da Agência Nacional de Aviação Civil as mudanças que achou por bem fazer numa das principais leis que regulam os contratos do Estado. Se o Executivo trata com tamanho desrespeito o processo legislativo, parece razoável supor que os parlamentares sintam-se liberados a fazer o mesmo.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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