- Folha de S. Paulo
Em seu primeiro mandato, Dilma Rousseff rompeu a tradição da governança pública de concentrar no início da gestão as medidas mais severas, amargas até, destinadas a arrumar a casa.
Por essa lógica, os eleitos devem aproveitar o capital político da vitória recente nas urnas para, conforme a necessidade, criar impostos, cortar gastos, elevar juros, reformar a seguridade social. No exemplo da petista, esperava-se a correção da inflação e do princípio de desajuste nas contas fiscais, heranças da campanha.
Não é difícil notar o parentesco da praxe com o célebre ensinamento maquiavélico segundo o qual as maldades do governante devem ser feitas de uma única vez, "para não ser preciso renová-las todos os dias", e se transformar em "algo útil para os súditos". Já os favores e benesses devem ser concedidos aos poucos, "para que se degustem melhor".
Dilma fez diferente: tão logo ficou claro que os ventos da finança global seriam desfavoráveis, mandou abrir os cofres do Tesouro, do Banco Central e das instituições estatais para ajudar a distribuição de renda, o crédito, o consumo e as contratações. Reduziu a miséria, elevou o emprego e obteve a reeleição.
Já é tão vasto o estrago acumulado na economia, porém, que um conserto rápido deixou de ser factível. A expectativa geral, reforçada pelo vazamento oficioso de nomes do novo ministério, é de um segundo mandato de ajustes graduais e permanentes nas despesas do governo, nas taxas do BC e nas tarifas públicas.
Embora a prescrição pareça menos dolorosa se apresentada assim, pode ser mais difícil atravessar quatro anos de disciplina espartana, sem recompensa garantida, do que suportar o impacto intenso, mas passageiro, de um choque econômico.
A opção exige disposição constante para o conflito --"sempre ter a faca na mão", no texto de Maquiavel-- e pode custar a confiança dos súditos, a começar pelos mais devotados.
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