Personagem da semana – Aécio Neves
• O tucano é pressionado a definir se o PSDB vai se aventurar pela tortuosa via do impeachment de Dilma – uma escolha fundamental para ele e o partido.
Leandro Loyola – Época
O senador Aécio Neves, o político indeciso, terá de tomar uma decisão. Os deputados Carlos Sampaio e Bruno Araújo pretendem entregar a ele nesta semana um documento no qual o partido pede ao presidente da Câmara dos Deputados que abra um processo para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Se Aécio concordar, Sampaio e Araújo chamarão partidos aliados e protocolarão os papéis — o que significa que o PSDB, o maior partido de oposição e derrotado por pouco na eleição presidencial há seis meses, embarcará em sua mais ousada cruzada contra o PT. Pela iniciativa, Aécio e o PSDB poderão ser aplaudidos por parte dos movimentos populares que pedem nas ruas a saída de Dilma. Poderão, por outro lado, protagonizar um fiasco de proporções consideráveis, pondo em risco a candidatura presidencial tucana de 2018.
Cabe a Aécio decidir não só o "se", mas a velocidade dessa aventura. Até agora, apesar da crise econômica, da popularidade no subsolo e da inoperância política, falar em impeachment de Dilma é especular sobre algo etéreo. A iniciativa dos deputados do PSDB é baseada em um trabalho do advogado do partido, Flávio Henrique Pereira. Está pintada com as cores da ebulição e com a velocidade características da Câmara dos Deputados. Na semana passada, Aécio fez o jurista Miguel Reale Júnior voar de São Paulo a Brasília para almoçar na quarta-feira em sua casa com os senadores Aloysio Nunes Ferreira, Tasso Jereissati, Álvaro Dias, Cássio Cunha Lima, José Serra e o deputado Bruno Araújo. Ex-coordenador financeiro de campanhas do PSDB, Reale fora encarregado de examinar se existem argumentos jurídicos a corroborar a tese de que Dilma cometeu irregularidades que a impeçam de continuar exercendo seu mandato. Seu trabalho está impregnado com a calma característica do Senado, onde os mandatos duram oito anos e tudo é mais lento. Reale pediu pelo menos mais 20 dias para apresentar uma conclusão.
Aécio atuou como um juiz entre os dois lados da discussão que se instalou. Mais empolgados, Araújo e Cunha Lima falaram que o partido não deveria perder a oportunidade de aproveitar o sentimento das ruas para emplacar o pedido de impeachment. Por outro lado, os senadores José Serra, Aloysio e Tasso argumentaram que seria mais prudente esperar. O PSDB enxerga que pode pedir o impeachment de Dilma baseado nas irresponsáveis "pedaladas" executadas no primeiro mandato, quando bancos públicos pagavam contas do governo antes de receber do Tesouro Nacional, uma espécie de cheque especial bilionário. Pura irresponsabilidade fiscal. Na reunião na casa de Aécio, Reale afirmou que um pedido de impeachment baseado nesse argumento teria de provar que o governo Dilma continuou as pedaladas em 2015. Reale entende que um presidente só pode perder o cargo se tiver cometido uma irregularidade no mandato atual, não no anterior. Os senadores acham que ainda podem surgir revelações na Operação Lava Jato sobre a corrupção na Petrobras e na auditoria das contas de campanha de Dilma. Sem um fato direto contra a presidente, criminoso mesmo, não querem aderir.
Aécio é um neófito entre os que flertam com o impeachment. Até agora, ao seu estilo, mais assistiu do que agiu. Só desandou a falar mais enfaticamente no assunto - ainda que com sua característica oratória de tribuna mesmo nas frases mais comezinhas — após os protestos de 12 de abril, quando movimentos como Vem pra Rua e Revoltados On Line e milhares de manifestantes incluíram o coro de "Fora, Dilma" em seus pedidos. Na ocasião, Aécio apareceu na janela de seu apartamento na Avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, vestido com a camisa da Seleção Brasileira. Dois dias depois, os deputados Carlos Sampaio e Bruno Araújo o visitaram em seu gabinete no Senado. "Aécio, nós temos fundamentos jurídicos para bancar um pedido de impeachment", disse Sampaio. "Então nós devemos subir um degrau no tom sobre esse tema", disse Aécio.
Na mesma tarde, Aécio teve uma conversa com outro deputado, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente do Solidariedade e opositor de Dilma. Paulinho também acumula pareceres jurídicos para embasar um pedido de impeachment. Aliados na campanha eleitoral, Paulinho tentava havia tempos convencer Aécio a apoiar o impeachment. Naquele dia, encontrou Aécio convertido - e com pressa. Paulinho falou em apresentar o pedido em maio.
"É muito tarde", disse Aécio, para surpresa do outro. "Você tem de falar com o Eduardo Cunha", disse Paulinho. Aécio ligou para o presidente da Câmara, a quem cabe a missão de aceitar ou rechaçar um pedido de impeachment. Em público, Cunha já repetiu inúmeras vezes que rejeitará qualquer iniciativa do tipo. Depois, Aécio recebeu um recado de Cunha sobre o dia da entrega do pedido: "Coloca 100.000 pessoas aqui na frente (do Congresso)". O temor de Aécio é que Cunha, o malvado favorito do governo, use o pedido apenas para desgastar ainda mais Dilma - e tirar vantagem.
A pressão para Aécio decidir é forte. A aventura imediata do impeachment tem mais adeptos entre deputados que entre senadores. Os deputados querem a decisão para já. Os senadores, à exceção de Cássio Cunha Lima, da Paraíba, acham que não dá. Em público, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, oráculo do partido, é contra o impeachment com o que existe hoje. Vítima de um momento parecido quando era presidente, FHC é cauteloso. Em conversas reservadas, muitas em seu apartamento em São Paulo, no entanto, FHC concorda com os argumentos dos adeptos do impeachment que procuram sua chancela. Não se sabe se é para agradar ao visitante. Mas, ao final, sempre alerta que o partido só deve partir para o impeachment se aparecer um fato que ligue Dilma pessoalmente ao petrolão. "No início, eu era contrário ao impeachment do Collor. Mas me convenci pelos fatos", disse FHC recentemente ao deputado Carlos Sampaio e ao ex-deputado José Aníbal.
Desde que Fernando Collor foi apeado da Presidência, o impeachment virou um fetiche das opo-sições. A possibilidade da repetição do ritual entrou para o roteiro obrigatório das crises cíclicas que combinam enfraquecimento dos presidentes e fortalecimento das oposições. FHC teve sua ameaça em 1999, quando líderes do PT pediram seu impeachment; Lula, em 2005, quando o PSDB quase fez o mesmo. Dilma passa pelo mesmo ritual, mas numa situação mais grave: 63% dos brasileiros, segundo o Datafolha, querem seu impeachment — num mandato que começou outro dia.
Aécio sofre forte pressão para não repetir o comportamento de 2005, quando o PSDB titubeou e não apresentou um pedido contra Lula, cujos subordinados tocavam o mensalão. Hoje, dez anos depois, sobra povo nas ruas, mas falta o fato inquestionável de responsabilidade da presidente. Uma conjunção como a de Collor não se repete com facilidade. A decisão de Aécio definirá o tipo de político - ou presidente - que ele deseja ser. Pode definir seu futuro também.
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