- O Estado de S. Paulo
Ser feliz e otimista é direito fundamental e intocável de todo ser humano, incluído, naturalmente, o ministro do Trabalho, Manoel Dias. Ninguém, portanto, deveria censurá-lo por festejar a criação, em março, de 19.282 empregos com carteira assinada. Esse número, diferença entre admissões e demissões, foi por ele apontado como sinal de recuperação do mercado, depois de três meses de queda. Para os menos otimistas, tem pouco sentido celebrar a criação de tão poucos empregos, menos de 20 mil em um mês, principalmente quando a maior parte das vagas é oferecida em serviços, em segmentos de baixa produtividade.
Em outras áreas do governo ainda é Quaresma, tempo de penitência e de purificação. O novo presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, declarou-se envergonhado ao apresentar o prejuízo de R$ 21,59 bilhões, num balanço maculado pela corrupção. Em Nova York e Washington, nos dias anteriores, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, havia tentado recobrar a confiança de investidores e impedir o rebaixamento do crédito soberano. Prometeu medidas para consertar as contas públicas e para retomar o crescimento. Reconheceu os problemas econômicos e em nenhum momento negou a corrupção, limitando-se a apontar, como dados positivos, o trabalho da imprensa, as investigações e a ação do Judiciário.
O tempo de purgação, tudo indica, ainda se estenderá pelas primeiras fases de arrumação da economia, apesar do exercício de pensamento positivo do ministro do Trabalho. Mas é difícil acompanhá-lo nesse caminho quando se examinam os detalhes da situação do emprego formal. Na indústria, o saldo de março foi o fechamento de 34.563 postos. Os maiores cortes ocorreram no segmento de transformação, 14.683, e na construção civil, 18.205. Esses números são essenciais para um retrato mais fiel, e muito menos bonito, da economia brasileira neste começo de segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
A indústria, principalmente a de transformação, continua sendo o mais importante motor da atividade econômica no Brasil - e permanece em crise. Os serviços têm mais peso aritmético na formação do produto interno bruto (PIB), mas o dinamismo depende basicamente da produção industrial e, em segundo lugar, do desempenho da agropecuária.
Expressões como "economia pós-industrial" e "economia de serviços" podem ser perigosamente enganadoras. Alguns países podem sustentar-se com serviços financeiros, tecnológicos ou de turismo, oferecidos de forma isolada ou em conjunto, mas são poucos e só têm sucesso porque têm condições de importar os bens necessários.
Na maior parte das economias avançadas e descritas como "pós-industriais" a base principal das atividades e do comércio exterior continua sendo fornecida pela produção de bens - componente fundamental, em alguns países, também da defesa nacional.
No Brasil, o fiasco econômico dos últimos quatro anos foi sobretudo uma consequência do enfraquecimento da indústria. O governo estimulou o consumo, distribuiu favores, adotou um protecionismo anacrônico e se mostrou muito satisfeito com a criação de empregos pouco produtivos. O investimento continuou muito baixo, por causa da incompetência do setor público e também da baixa confiança do setor privado.
Se depender do aumento dessa confiança, o investimento continuará insuficiente por um bom tempo. O Índice de Confiança da Indústria caiu 3,2% desde o fim de março, de acordo com a prévia da sondagem mensal da Fundação Getúlio Vargas, divulgada na sexta-feira. Se o levantamento for confirmado no fim do mês, o índice terá atingido 73 pontos, o menor nível desde outubro de 1998, quando ficou em 69,5. A nova queda terá sido determinada pela piora das expectativas em relação aos seis meses seguintes, já que o Índice de Situação Atual subiu 1,9%. O das expectativas, se coincidir com a prévia, terá atingido o menor nível da série iniciada em 1995.
O mercado de emprego continua refletindo o mal-estar e a desconfiança dos dirigentes industriais. Nos 12 meses até março, o saldo geral da abertura e do fechamento de postos de trabalho foi a eliminação de 48.678 vagas formais, de acordo com o Ministério do Trabalho. O desastre foi atenuado, como tem ocorrido com frequência, pelas contratações no comércio (133.140), nos serviços (339.064) e nos serviços industriais de utilidade pública (2.063). Na maior parte dos segmentos industriais os saldos foram amplamente negativos - 256.724 postos fechados no segmento de transformação, 241.570 liquidados na construção civil e 8.548 na extração mineral.
As contas externas, é claro, refletem ainda a baixa eficiência geral da economia brasileira e especialmente a fraqueza da indústria. Pelas contas do Ministério do Desenvolvimento, o saldo comercial do ano, até a terceira semana de abril, foi um déficit de US$ 5,66 bilhões, pouco menor que o de igual período de 2014, US$ 5,98 bilhões. Diminuíram tanto as exportações quanto as importações. A receita foi afetada pela depreciação dos produtos básicos e pelo mau desempenho, comum há alguns anos, dos exportadores de manufaturados. Do outro lado do balanço, as importações foram derrubadas pela retração da demanda interna. As informações divulgadas pelo Banco Central em seu relatório do setor externo são baseadas em nova metodologia. Os números são diferentes, mas o cenário é igualmente ruim.
A Páscoa da economia brasileira ainda vai demorar. Não há como purgar e reparar em pouco tempo tantos pecados cometidos em anos de irresponsabilidade, de incompetência e de mistificação (das contas públicas e da inflação, por exemplo). Se a presidente Dilma Rousseff tiver percebido a dimensão dos próprios erros e do conserto necessário, tanto melhor. Mas terá percebido?
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