• Políticas monetária e fiscal são fundamentais para não jogar no lixo as conquistas obtidas a partir do Plano Real
- Valor Econômico
Os indicadores de atividade econômica e de inflação pioram a cada dia. Na esteira dos números negativos, as expectativas de consumidores e empresários se deterioram dia a dia, alimentadas também pela fraqueza política do governo Dilma, incapaz de tornar efetivas no Congresso Nacional as medidas indispensáveis de ajuste das contas públicas. A continuar assim, o ano de 2016 pode ser tão ruim ou até pior do que 2015, colocando o Brasil no seu mais grave período recessivo das últimas décadas.
Diante deste quadro, alguns salvadores da pátria, liderados pelo ex-presidente Lula, já encontram uma solução. Em suma, para eles a recessão atual seria fundamentalmente o resultado das equivocadas políticas de ajuste hoje patrocinadas pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central. Logo a solução seria substituir o ministro Joaquim Levy por alguém mais "político" e sintonizado com as bases sociais do PT. Quem sabe, até chamariam de volta Guido Mantega e Arno Augustin, para retomar a "bem-sucedida" política econômica do primeiro mandato de Dilma que, para tais gurus, nada teria a ver com os atuais problemas do país!
As críticas ao ministro da Fazenda vindas de lideranças do próprio partido da presidente Dilma ilustram bem o ambiente kafkiano em que sobrevive o atual governo, cuja popularidade entre os eleitores está estagnada no "volume morto" dos 8%, em grande medida por causa do colapso da economia. No sucesso das medidas de ajuste buscadas por Levy estaria a única esperança de reversão das expectativas dos agentes econômicos, condição "sine qua non" para a retomada da atividade e a recuperação do mercado de trabalho.
Apesar disso, teimam os petistas de carteirinha em querer dispensar o médico para, praticando charlatanismo, salvar o paciente! Em tal situação, convenhamos, é muito difícil não estar pessimista.
Compartilho da visão de que as políticas fiscal e monetária não são instrumentos suficientes para sozinhas curar as mazelas do baixo potencial de crescimento da economia brasileira. Contudo, tais políticas continuam sendo fundamentais para evitar que as conquistas obtidas pela sociedade brasileira a partir do Plano Real sejam jogadas de modo definitivo na lata de lixo. Com uma gestão macroeconômica minimamente responsável, mesmo diante de uma crise política das proporções da atual, poderia ser possível evitar um desastre maior e até reequilibrar a economia em 2017, ainda que com um crescimento mais baixo e um desemprego maior do que o verificado no período anterior a 2014.
Desse modo, resta aos brasileiros torcer para que a fraqueza e a ausência de legitimidade política de Dilma não conduzam o Brasil novamente a um círculo vicioso de baixo crescimento e de elevada inflação, semelhante ao observado num passado não tão distante assim, antes do Plano Real. O abandono do ajuste macroeconômico ora praticado com dificuldades pelo governo apenas jogaria mais lenha na fogueira da inflação, sem trazer de volta qualquer chance de crescimento sustentado da economia brasileira.
Assim, na política monetária, a atuação do Banco Central deve continuar se pautando pelo regime de metas para inflação, sem abrir mão do objetivo de convergência da inflação para a meta num horizonte razoavelmente curto de tempo. Entretanto, caracterizando-se o regime de metas essencialmente como de "discricionariedade limitada", parece razoável que o BC considere os efeitos do choque cambial e da correção dos preços dos produtos administrados na conduta da política de taxa de juros, com vistas a evitar uma queda ainda maior da atividade econômica e os ônus adicionais sobre o endividamento do setor público. Atuando dessa maneira, o BC pelo menos evitaria que uma inflação cronicamente elevada acelere a disseminação de mecanismos de indexação.
Se as coisas se mostram complexas na política monetária, é no campo fiscal que se encontram as maiores dificuldades de realização do ajuste necessário. Com o desempenho ruim das receitas tributárias e a rigidez dos gastos públicos no Brasil, afigura-se muito difícil atingir até 2018 um nível de superávit primário adequado à estabilização da relação dívida/PIB, sem medidas legislativas que envolvem obstáculos políticos quase intransponíveis para um governo politicamente fraco.
O fracasso anunciado da volta da CPMF ilustra bem o ponto. Contudo, com Levy, há pelo menos a oportunidade de se ter uma política fiscal muito mais responsável e transparente do que na gestão anterior do Ministério da Fazenda, ainda que o Brasil perca o grau de investimento. E isso não é pouco, já que pelo menos se evita um desastre maior na economia.
Sim, hoje a economia brasileira vai de mal a pior. A crise política continuará nos próximos meses a ser um obstáculo formidável ao ajuste macroeconômico e à recuperação do otimismo de empresários e consumidores. Porém, trazer de volta a feitiçaria e os feiticeiros do primeiro mandato de Dilma levaria o Brasil a um retrocesso econômico e social sem precedentes.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
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