terça-feira, 3 de novembro de 2015

Celso Ming - Dinheiro sob cerco

• O objetivo mais importante do projeto de lei que deve voltar a ser discutido essa semana não é a repatriação desses recursos, mas sua regularização

- O Estado de S. Paulo

Está previsto para esta semana o reinício das discussões na Câmara dos Deputados do substitutivo ao projeto de lei que define os termos da regularização de recursos no exterior (Projeto de Lei 2.960/15).

É uma dinheirama que pode chegar a US$ 400 bilhões, conforme estimativa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, contida no texto das justificativas que acompanham o projeto.

São capitais equivalentes a mais de dois anos de receitas com exportações do Brasil. Esses recursos podem estar lá fora há muitos anos, sob várias formas: depósitos bancários, imóveis, objetos de arte, intangíveis (marcas, direitos autorais, patentes), títulos, ações, veículos, embarcações, etc.
Não é repatriação de recursos mantidos no exterior, mas regularização. O objetivo do governo é aumentar a receita

O objetivo mais importante do projeto de lei não é a repatriação desses recursos, mas sua regularização. Eles podem continuar no exterior. O empenho do governo em aprová-lo está no seu potencial de obtenção de receitas imediatas, que desembarcariam neste Brasil tremendamente carente de recursos (veja o Confira).

A regularização, com força de anistia fiscal, implicará cobrança de 15% de Imposto de Renda e de outros 15% de multa. Esse novo regime tem prazo de validade: 210 dias. Teria, no limite, potencial de arrecadação de R$ 480 bilhões, se todos os que tivessem recursos no exterior aceitassem os termos da regularização.

Mais realista, o ministro Levy imagina que poderia arrecadar entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões, com base no que já obtiveram os tesouros da Argentina (US$ 4,7 bilhões), da Itália (€ 100 bilhões) e da Turquia (€ 47,3 bilhões). Mas por que o contribuinte brasileiro aceitaria confessar a manutenção desses recursos no exterior se nada mudou em relação às razões que o levaram a mandá-los para lá, como falta de confiança, sonegação, corrupção, etc.?

A novidade é a nova política global de tratamento desses recursos denominada Força-Tarefa em Ações Financeiras (Financial Action Task Force). Foi acertada no âmbito do Grupo dos Vinte (G-20) e liderada pelos Estados Unidos e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o objetivo de cortar pela raiz as principais fontes de cobertura do terrorismo mundial.

Com base na ação direta dessa força-tarefa, tanto paraísos fiscais (Panamá e Ilhas Cook), como países que até agora garantiam estrito sigilo bancário (como Luxemburgo e Suíça) passaram a escancarar contas bancárias e a rastrear a movimentação de recursos suspeitos.

Ou seja, titulares de recursos até agora não reconhecidos estão sujeitos à identificação e a tratamento adequado por instituições internacionais (e também nacionais) de controle fiscal ou de segurança. Ou seja, o cerco vai sendo fechado sobre recursos de origem criminosa (contrabando de armamentos, narcotráfico, sonegação, corrupção, lavagem de dinheiro, etc.). Nessas condições, um certo número de contribuintes pode passar a ter interesse na regularização imediata dessa riqueza.

O problema aqui no Brasil é que os políticos alcançados pelas dezenas de operações contra a corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha parecem dispostos a contrabandear para dentro do projeto de lei em exame anistias especiais em seu próprio benefício.

CONFIRA:
Regime Especial
O nome oficial do novo estatuto que garante anistia ao reconhecimento de recursos não declarados no exterior é Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct).

Para este ano, não dá
Com base no projeto de lei, Levy contava com uma receita de R$ 11,4 bilhões em 2015, o que corresponde a 35,6% do que pretende obter com a CPMF em 2016. Ainda que seja aprovado nas próximas semanas, é mais uma projeção que deve frustrar-se por falta de tempo hábil para toda a tramitação de regularização do dinheiro.

Complicação
O programa acolhe apenas recursos de origem comprovadamente lícita, o que demanda regulamentação complicada, o que exige mais tempo.

Dinheiro escondido
O especialista Gabriel Zucman, autor do livro sobre paraísos fiscais ‘The Hidden Wealth of Nations’ calcula que há US$ 7,6 trilhões (8% dos ativos financeiros mundiais) depositados em paraísos fiscais.

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