• Tombini usou, em 2011, enredo idêntico para mudar política
- Valor Econômico
Quanto mais o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, tenta explicar a decisão de mudar subitamente o rumo da política de juros no último encontro do Comitê de Política Monetária (Copom), menos convincente a história fica. Tombini alega que, ao participar de reunião na Basileia nos dias 9 e 10, foi informado da forte desaceleração da economia chinesa e da queda dos preços do petróleo. Ele teria constatado que os dois movimentos produziriam efeitos desinflacionários na economia mundial e que o certo seria, então, o Copom manter a taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano, em vez de elevá-la, como vinha sendo sinalizado pelo próprio BC há alguns meses.
Daquele domingo até o primeiro dia da reunião do Comitê, passaram-se nove dias. Tombini, mesmo assustado com os prognósticos de seus colegas banqueiros centrais reunidos no Banco de Compensações Internacionais, resolveu avisar ao distinto público, apenas na véspera da decisão, que levaria o Copom a tomar uma decisão diferente daquela que vinha sendo antecipada em documentos e discursos oficiais.
No dia 14, o presidente do BC teria recebido do Fundo Monetário Internacional (FMI), cinco dias antes da divulgação oficial, as novas projeções para o crescimento do Brasil e do mundo em 2016 e 2017. Os números eram revisões para baixo do que o Fundo havia divulgado em setembro. Mais uma vez, o presidente do BC ficou atemorizado com o que viu.
É curioso que Tombini não tenha se apavorado antes com as projeções do mercado divulgadas semanalmente pelo BC e que há tempos já previam queda de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, apenas 0,5 ponto percentual abaixo do que diz o FMI. "A ideia de que o FMI sabe mais do que nós sobre o estado da economia é extravagante", disse, em entrevista à Cláudia Safatle, o ex-ministro Delfim Netto.
O que se sabe é que, um dia antes do encontro do Copom, quando anunciou seu espanto com as projeções do FMI, Tombini se reuniu com a presidente da República. Alguém tem dúvida sobre a opinião de Dilma Rousseff acerca do tema taxa de juros?
O que está em discussão não é a decisão da semana passada. Economistas de perfil ortodoxo defenderam publicamente a manutenção da taxa Selic em 14,25%. O que precisa ser debatido é a débil institucionalidade do Banco Central, que produz episódios como o da última reunião do Copom e é responsável em grande medida pela tragédia econômica vivida pelo Brasil neste e nos últimos cinco anos.
Há vários fatores concorrendo para o fato de o país conviver com os juros mais altos do planeta. Um deles é, sem dúvida, a ausência de independência formal da instituição. Apenas isso já responde por alguns pontos percentuais da taxa Selic - três, segundo estimativas de estudiosos do tema.
Quando era ministra do governo Lula, a presidente acreditou na tese de que os juros são altos no Brasil porque alguns diretores do BC são provenientes do mercado financeiro. Com sua influência crescente, ela conseguiu que esses diretores fossem substituídos por funcionários de carreira. Ao chegar ao Palácio do Planalto, fechou as portas do BC a nomes da academia ou do mercado e nomeou Tombini para comandá-lo.
A ascensão do atual presidente do BC foi facilitada por uma conversa que ele teve com Dilma durante a transição de governo em 2010. No colóquio, ela perguntou se seria possível chegar a 2014 com juro real de 2% ao ano. O futuro presidente do BC respondeu prontamente: "Sim".
Economista de formação rigorosa, com doutorado pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e conhecimento profundo tanto de micro quanto de macroeconomia, Tombini foi o primeiro chefe do Departamento Econômicos (Depec), criado para amparar com estudos e estatísticas confiáveis o regime de metas para inflação, adotado em meados de 1999. Ele tem experiência e dispõe de conhecimento técnico para lidar com os temas mais complexos de uma autoridade monetária.
O que Tombini e seus colegas de diretoria não têm é independência para cumprir o mandato constitucional do BC - zelar pelo poder de compra da moeda, reduzindo a inflação para a meta (4,5%). Como funcionários públicos, eles são constrangidos publicamente e perseguidos politicamente, como ocorreu recentemente com o próprio Tombini. Na mesma situação, diretores vindos de fora podem pedir as contas e ir embora - hoje, apenas um diretor (Tony Volpon, da área internacional) é oriundo do mercado.
Em agosto de 2011, Tombini fez alegações parecidas com a de agora para embarcar numa aventura que está custando muito caro ao país. O enredo é muito parecido: depois de participar de uma "terrível" reunião na Basileia, ele teria ido à presidente Dilma para informá-la de que a Europa mergulharia novamente numa recessão e que isso teria efeitos desinflacionários em todo o mundo; diante desse quadro, seria possível reduzir drasticamente a taxa de juros.
Na ocasião, o BC vinha comunicando que, graças a pressões inflacionárias e especialmente à deterioração das expectativas, os juros continuariam subindo. Sem emitir qualquer sinal ao mercado (leia-se: à sociedade), Tombini e seus diretores reduziram a taxa Selic no fim de agosto, iniciando um processo que a levou para 7,25% ao ano em 2012. Aquela decisão foi o marco inicial do que ficou conhecido como Nova Matriz Econômica, um conjunto de medidas que destruiu o bem-sucedido arcabouço macroeconômico adotado pelo país em 1999.
Na gestão Tombini, a média inflacionária anual aumentou para 7,07%, acima do teto permitido (6,5%); as expectativas de inflação, desde 2011, estiveram sempre acima da meta; a volatilidade da taxa de juros é a maior da história do regime; a comunicação com o mercado é deficiente, o que dificulta ainda mais a gestão das expectativas etc.
O Brasil tem hoje o juro mais alto do mundo, uma das inflações mais elevadas e está em recessão há dois anos. Não tem o único benefício dos juros altos, que seria inflação baixa ou pelo menos em torno da meta. O juro alto, além de inibir a atividade econômica, provoca uma enorme despesa aos cofres públicos - nos 12 meses até novembro, chegou a R$ 496,9 bilhões (8,42% do PIB). A quem interessa, portanto, que o BC não tenha autonomia? O que a sociedade ganha com o atual modelo?
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