• Solução pós- impeachment de Collor talvez tenha dado certo porque Itamar Franco não era carismático. Vocês veem algum novo Itamar no horizonte do possível?
- O Globo
A partir de uma semana como esta, com tantas notícias de última hora — instalação da comissão do impeachment na Câmara, a explosiva delação de Delcídio e até Lula num ministério ( escrevo quando ainda não tinha sido oficializado) — tudo pode ser diferente. Ou não. Diante do futuro imprevisível de um governo inteiramente desorientado, quem ousa arriscar previsões? Prefiro fazer como Glória Pires na entrega do Oscar: não sou capaz de opinar. A não ser sobre a impressionante manifestação de domingo, considerada impecável do ponto de vista cívico. Achei bacana, gostei muito, incrível. Falando sério: além de ter sido o maior espetáculo do gênero no país, me impressionou o seu caráter apartidário, revelado pela hostilidade aos tucanos Geraldo Alckmin e Aécio Neves e à peemedebista Marta Suplicy, xingados e obrigados a sair com seguranças.
Por um lado, o incidente demonstrou a autonomia dos participantes em relação a qualquer partido; mas, por outro, pode ser um sinal que preocupa, o de que a rejeição aos políticos está se transformando em rejeição à política. Quando isso acontece, é grande o risco de surgir um salvador da pátria. O sebastianismo é uma herança portuguesa muito forte. Costuma- se admirar o carisma como virtude, quando é apenas uma característica de personalidade nem sempre positiva, como no caso de alguns ditadores sanguinários. A solução pós- impeachment de Collor talvez tenha dado certo porque Itamar Franco não era carismático, apenas um cidadão comum, sem aura, mas honrado e sensato. Vocês veem algum novo Itamar no horizonte do possível?
O cenário está tão confuso que a principal reivindicação da jornada de domingo, o impeachment da presidente, é conduzida por alguém contra o qual há mil$ ões de motivos para ter o mesmo fim, logo ele que pode vir a sucedê- la, no caso de cassação da chapa pelo TSE. Confesso que fiquei com pena imaginando Dilma diante da televisão vendo os protestos. Por mais autossuficiente que seja, a presidente deve ter tido seus momentos de fraqueza e amarga solidão com aquela multidão em todo o país gritando “Fora Dilma” — e ela, para evitar isso, não tem a garantia de poder contar nem com o indispensável apoio de 171 dos 513 deputados da Câmara.
O seu desamparo é tanto que apelou para a solução Lula, mesmo sabendo que, assim, estava nomeando um presidente de fato. Resta- lhe a esperança de que as manifestações a seu favor depois de amanhã consigam empatar o jogo ou vencê- lo. De qualquer maneira, o seu destino não vai se resolver nas ruas, por mais importantes que elas sejam como instrumento de pressão.
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