- O Globo
Nenhum presidente na situação de Michel Temer comanda um bom programa de reformas, por melhor que tenha sido o projeto original. Temer está refém do Congresso, que vai dizer se ele termina ou não o mandato, por isso cederá a qualquer grupo de interesse que fizer pressão. O que os defensores da reforma precisam decidir é se vale a pena lutar por qualquer projeto só para dizer que a agenda continua.
O Brasil precisa mudar seu sistema de aposentadorias pelos motivos já conhecidos, e que tratei aqui neste espaço inúmeras vezes. A grande questão é que tipo de frankenstein pode ser aprovado por um governo cujo presidente tem a fragilidade que hoje Temer tem.
Quando formulou a proposta, e estava ainda forte, o presidente Michel Temer cedeu logo no início ao retirar as Forças Armadas do projeto de revisão do sistema de aposentadorias e pensões. O grande argumento em favor da reforma era que ela seria universal e atingiria a todos. Depois dessa concessão, outras foram sendo feitas, desfigurando em parte o projeto original.
Passou a ser uma reforma que exigiria outra mais adiante, mesmo assim, haveria uma redução do ritmo de crescimento das despesas da Previdência. Agora, o governo fala em fatiar, em aprovar apenas uma parte. Começa a deixar de fazer sentido o esforço de votação da mudança. A reforma ficará cada vez mais fraca pela pressão dos grupos de interesse, e o presidente tentará usar a tramitação para dar uma demonstração de força, no esforço que faz para se manter no poder.
Hoje, qualquer lobby pode pressionar o presidente com a ameaça implícita de que, se não for atendido, votará a favor da denúncia do procurador-geral da República. Isso é que norteará a forma final do projeto.
O presidente já mostrou que vale tudo para ficar no cargo. Foi o que se viu no trocatroca da Comissão de Constituição e Justiça. Foi o que se viu na corrida pela liberação de emendas parlamentares nos dias da discussão do relatório rejeitado do deputado Sérgio Zveiter. A farra das emendas tira a força da proposta de ajuste fiscal que tem sido levada adiante pela equipe econômica. A arrecadação tem piorado, está faltando dinheiro para o básico, o relatório bimestral de despesas e receitas virá muito ruim. Diante disso, as liberações apressadas e sequenciais não deixaram dúvida do uso dos recursos públicos para construir a blindagem do presidente na CCJ.
Neste momento, qualquer projeto que estiver tramitando será usado para essa negociação em torno da rejeição da denúncia. A reforma da Previdência será a mais atacada por todos, porque cada categoria profissional tem o seu grupo de deputados. As exceções podem ficar mais numerosas do que as regras.
O país precisa fazer reformas olhando para o futuro. A da Previdência sempre teve oposição feroz. O projeto que alterou o sistema previdenciário federal, apresentado pelo ex-presidente Lula, conseguiu rachar o PT, provocar o nascimento do PSOL e mesmo assim teve sua implementação postergada. Pelo texto original, os aposentados do setor público passariam a receber pelo teto do INSS, e a complementação viria de um fundo a ser criado. Demorou tanto a se constituir o fundo que a proposta vale apenas para quem entrou em 2013, e nos 10 anos anteriores o governo contratou milhares de funcionários pela regra antiga.
O Ipea fez um estudo, recentemente publicado pela “Folha”, mostrando que, se o teto estivesse em vigor e valesse para todos, a economia para o governo seria de R$ 50 bilhões por ano. O Brasil gasta um percentual do PIB com a aposentadoria dos seus funcionários maior do que os 34 países da OCDE, segundo estudo dos pesquisadores Rogério Nagamine e Graziela Constanzi.
Há muito a reformar na Previdência para torná-la sustentável e mais justa, mas esse é um projeto que não pode estar vinculado a um governo que luta pela própria sobrevivência. Adianta pouco fazer uma mudança meia sola apenas para que se diga que a reforma foi feita. Esse governo terminal lutará apenas por si mesmo e não por qualquer ponte para o futuro, como chegou a prometer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário