Valor Econômico
Crise mais grave da história tem autoria: Dilma Rousseff
No país de pouca memória, já tem gente dizendo que a recessão mais longa da história foi provocada pelo atual governo e sua agenda "neoliberal". Uma versão alternativa diz que, na verdade, a crise começou em 2015, quando Dilma Rousseff, ao iniciar o segundo mandato presidencial, foi "forçada" a nomear Joaquim Levy, um economista de corte liberal, para o comando do Ministério da Fazenda e, assim, dar uma guinada na política econômica.
As duas teses são pura mistificação e só grassam por aqui porque o debate no Brasil é paupérrimo e marcado pela desonestidade intelectual. É inacreditável que um cidadão que tenha vivido os últimos sete anos no país não conheça as verdadeiras causas da tragédia que vivemos. Nunca uma crise foi tão antecipada quanto esta.
Já em 2012, quando os economistas do governo, ao tentarem traduzir as ideias da chefe (Dilma) e defender as suas próprias, todas já testadas sem sucesso aqui e alhures, denominaram o novo arcabouço de "Nova Matriz Econômica", analistas como Mário Mesquita, Rodrigo Azevedo, Nilson Teixeira, Mário Torós, Pedro Cavalcanti, Rogério Fragelli, Arminio Fraga, Mansueto Almeida, Carlos Kawall, José Júlio Senna, Armando Castelar, Afonso Celso Pastore e Fábio Giambiagi mostraram ad nauseam as inconsistências das mudanças feitas na política que vigorava desde meados de 1999.
Dilma, que antes de chegar à Presidência não tinha disputado cargo eletivo, foi eleita graças à política econômica que, pouco depois de chegar ao poder, tratou de implodir. Isso mostra o baixo grau de institucionalidade da vida nacional. Mesmo em nações de regime presidencialista forte, como os Estados Unidos, um presidente da República não tem o poder que Dilma teve para, de forma monocrática, destruir o que a sociedade brasileira levou décadas para erguer.
A política econômica que vigorou no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) e nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010) foi inaugurada por Arminio Fraga, quando este assumiu o comando do Banco Central (BC) em 1999, em meio à derrocada do câmbio quase-fixo, regime que ajudou a acabar com a inflação crônica, mas criou desequilíbrios que culminaram numa forte e desordenada desvalorização do real.
O arcabouço trazido por Arminio consistia na combinação de três regimes: o de metas para inflação, modelo de combate à carestia cujo principal instrumento é a taxa de juros; o de câmbio flutuante, naquele momento uma imposição da realidade, uma vez que operar com câmbio fixo se tornou perigoso num mundo em que as principais economias, inclusive a brasileira, tinham aberto as contas de capitais; e o de disciplina fiscal, traduzida pela geração de superávits primários (conceito que não inclui a despesa com juros) nas contas públicas, com o objetivo de estabilizar e/ou reduzir a dívida pública como proporção do PIB.
O tripé não era um fim em si mesmo. Era um instrumento para manter a estabilidade de preços. À medida que o país fosse reformando suas instituições, especialmente o modelo de financiamento do Estado e o de funcionamento da autoridade monetária (Banco Central), a gestão do tripé tornar-se-ia cada vez menos custosa para a sociedade. Por exemplo: se o Congresso dá autonomia formal ao BC, o poder político não pode mais interferir nas decisões da instituição, o que por si só já permite reduzir os juros.
O tripé encerra um equilíbrio interessante. Se o governo gasta muito mais do que arrecada e toda hora vai ao mercado pegar dinheiro emprestado a juros sempre mais altos, a taxa básica de juros, administrada pelo BC, sobe e o câmbio aprecia porque os juros altos atraem investidores estrangeiros - quando reclamam do câmbio apreciado, os exportadores deveriam se queixar do Ministério da Fazenda e não do Banco Central.
O tripé de política econômica desinflacionou a economia entre 1999 e 2001. Em 2002, o temor de que Lula fosse eleito e mudasse a política, como prometera até ali, provocou fuga de capitais, desvalorizando fortemente o real em relação ao dólar, levando a inflação a mais de 12%. A aposta de Lula no tripé, inclusive com a adoção de medidas que ajudaram a reforçá-lo, como a elevação da meta de superávit primário e a acumulação de reservas cambiais, derrubou a inflação nos anos seguintes - o IPCA chegou a cair para 3,1% em 2006 -, equilibrou as contas públicas e ajudou a sanear as contas externas.
O resultado todos conhecemos: além de inflação baixa e cadente, naqueles anos o Brasil dobrou a capacidade de crescimento. Críticos alegam que o governo Lula foi ajudado pelo boom de commodities gerado pelo crescimento acelerado da China. É verdade, mas a oportunidade poderia ter sido perdida, como ocorreu em vários momentos da história e fez Roberto Campos um dia dizer que o Brasil é um país que não perde a oportunidade de perder oportunidades...
Com as finanças públicas equilibradas - em 2008, 26 anos depois da crise da dívida, o país ganhou das agências de classificação de risco o selo de bom pagador -, o governo teve, enfim, condições de criar e fortalecer programas sociais e promover distribuição de renda. Naquele momento, a economia estava tão forte que, pela primeira vez, não foi arrastada por uma crise global. Passou por uma recessão técnica em 2009, mas rapidamente se recuperou e voltou a crescer.
Crítica do tripé desde o início do governo Lula, Dilma Rousseff viu na crise de 2008-2009, quando o capitalismo entrou em xeque -- na verdade, isso também foi uma mistificação; o chamado capitalismo de Estado ganhou algum relevo naqueles anos porque as economias avançadas precisaram usar instrumentos heterodoxos para enfrentar uma crise bancária aguda -, a chance para começar a desmontar o tripé. E assim o fez.
É de fato nauseabundo listar todos os erros cometidos ou inspirados por Dilma Rousseff de 2008, quando chefiava a Casa Civil e já se sabia candidata de Lula à sucessão, a 2016, ano do impeachment. Há um número que resume a tragédia: de 2008 a 2015, partindo da ideia de que o Estado tudo pode porque basta fabricar dinheiro e tomar dívida, o gasto federal cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita avançou apenas 14,5%. O descompasso se traduziu na explosão da dívida pública, que, nesse período, saltou de R$ 1,7 trilhão para R$ 3,9 trilhões.
O impacto dessa equação na vida dos brasileiros foi catastrófico: o PIB encolheu mais de 7% no biênio 2015-2016 e a recessão já dura três anos; a renda per capita recuou mais de 10%; o número de desempregados se aproxima de 14 milhões; o Estado, na prática, quebrou; o país perdeu em 2015 o selo de bom pagador; a dívida se aproxima de 80% do PIB; dezenas de empresas quebraram.
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