Entrada
repentina do vice nos temas da vacina e do 5G indica a voz que fala mais grosso
O
firme pronunciamento do vice Hamilton Mourão, contraposto a afirmações
incisivas de Bolsonaro, suscita duas interpretações, mas é provável que as duas
sejam uma só, com duas roupagens. E, como preliminar, note-se que o dito pelo
vice tem mais do que o sentido de confronto, estendendo-se a importante
inversão nas relações externas.
Bolsonaro
vetou a compra, em qualquer tempo, de vacina chinesa contra a
Covid-19: “Não vai haver compra, ponto final”. Antes, usou do mesmo tom
definitivo a propósito do sistema 5G, que revolucionará as possibilidades de
comunicações. Atrasados na criação do seu sistema, os Estados Unidos de Trump
não admitem que o Brasil adote o sistema chinês, o qual, além da vantagem em
tempo, evitaria custosas mudanças nos equipamentos de telecomunicações usados
aqui, com muitos componentes chineses.
No
seu estilo sucinto e de uso das entrelinhas, Mourão antecipa-se a novidades prenunciadas
na campanha eleitoral americana. Joe
Biden já indicou mais de uma vez que, se eleito, esvaziará a tutela imposta
pelos Estados Unidos na América Latina. Com isso, aos países e só a
eles caberia a escolha de suas relações comerciais e políticas. Não é o
desejado por Bolsonaro, servil a Trump: “Quem vai escolher sou eu. Sem palpite
por aí”.
O
general-vice, porém, é claro: desde que asseguradas “soberania, privacidade e
economia”, qualquer
produtor de sistema 5G estará apto a disputar a adoção brasileira. O
que, é claro, incluirá o sistema chinês indesejado por Bolsonaro.
A
firmeza de Mourão não é a de opinião pessoal. Também não é a do vice de um
governo que tem posição pública oposta.
Na
competição política com João Doria em torno da vacina Sinovac, chinesa, a
irracionalidade natural de Bolsonaro está perdendo. Mourão tanto parece dar-lhe
um socorro, como parece aplicar-lhe um safanão excludente: “É lógico que o Brasil vai comprar o imunizante. O
governo não vai fugir disso aí”, dos 46 milhões de doses previstos de início.
O
passado guarda vários casos de divergência embaraçosa entre Bolsonaro e Mourão.
As diferenças na comparação com as atuais começam no ambiente. O que lá atrás
eram previsões, hoje é o notório desgaste do Exército, com os papéis
deploráveis de vários do seus generais instalados no governo.
São
exibições ora de arrogância e desatino, ora de ignorância e servilismo,
diversas vezes de pusilanimidade sob ofensa e desmoralização. Isso tudo como
personagens de um governo imbecilizado, destruidor, ridículo no
fanatismo, negocista com
o patrimônio nacional, sem projeto e sem rumo, antissocial e mortífero.
A
interpretação de que Hamilton Mourão veio fortalecer as críticas dos
generais Santos Cruz, mais diretas, e Rêgo Barros é cabível. Até óbvia.
Mas a entrada repentina de Mourão em dois temas de grande relevância atual, em
ambos levando Bolsonaro à beira do abismo, não é voz de decepções,
arrependimento ou ressentimento. É voz mais grossa.
De
modo diferente do planejado sob indução e orientação do general Eduardo Villas
Bôas —quando, apesar de quase invalidado por doença neuromuscular, comandava o
Exército porque visto como democrata—, estamos vendo os passos iniciais de um
governo mais sob decisões e comando de militares do Exército do que de
Bolsonaro e seu grupo.
O
títere do plano, o presidente-laranja, fracassa. Se deterá os passos
adversários, logo se verá. Enquanto isso, é justo reconhecer que o tropeção
dessa aventura antidemocrática se deve tanto a Bolsonaro quanto aos generais
ineptos que o circundam.
DOIS
COADJUVANTES
A
reunião de Bolsonaro com advogados de seu filho Flávio, no crime das
“rachadinhas”, contou com duas presenças inadmissíveis: Augusto Heleno Pereira
e Alexandre Ramagem. O general do Gabinete de Segurança Institucional e o
delegado da Polícia Federal que dirige a Abin (Agência Brasileira de
Inteligência). Dois cargos que proporcionam meios múltiplos de interferências
em investigações policiais, em conduta de envolvidos e em ação do Ministério
Público.
O
procurador Lucas Furtado, frequente
condutor de questões importantes no Tribunal de Contas da União,
pediu que o tribunal investigue o uso de meios governamentais para favorecer o
complicado Flávio Bolsonaro. Mas são necessárias providências também em outros
âmbitos.
Bolsonaro não chamou assistentes jurídicos. Logo, Augusto Heleno e Ramagem estiveram na reunião em razão dos seus cargos, usando-os em ato contra a comprovação de crimes graves como o de corrupção para apropriação de dinheiro público.
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