- O Globo
A
eleição municipal ainda não acabou, mas já tem um derrotado: o presidente Jair
Bolsonaro. Quem acha isso é o cientista político Jairo Nicolau, autor do livro
“O Brasil dobrou à direita”, uma análise da vitória de Bolsonaro em 2018, que
ele define como o maior fenômeno eleitoral do país. Dois anos depois, o
bolsonarismo está fora das principais disputas ou perdendo posições.
—
Era natural que depois daquela vitória espetacular, que arrastou com ele
inúmeros outros políticos, o presidente fosse querer organizar um partido de
direita no Brasil, aproveitando o impulso e o fato de que ele elegeu a maior
bancada e seu então partido ficou com a maior fatia do fundo eleitoral, R$ 200
milhões — diz Nicolau.
O
professor conta que o Brasil teve sempre uma direita meio “aguada” que se
definia mais em contraposição à esquerda, que sempre teve orgulho de se definir
como esquerda. Bolsonaro mudou isso:
—
O que seria de se esperar? Que ele organizasse esse campo político. A história
não foi bem essa. Bolsonaro saiu do PSL, o partido se desagregou, seus filhos
já mudaram de legenda, ele tentou fazer a Aliança, que é o maior fracasso da
história da formação de partidos no Brasil, e nesta eleição suas forças estão
dispersas.
Eleição
municipal normalmente é menos polarizada em termos ideológicos, mas isso não
resume o que está acontecendo. Bolsonaro disse que não se envolveria. Nos
últimos dias fez fortes movimentos em direção aos candidatos que apoia em São
Paulo e Rio:
—
Ele fez esses movimentos agora, os filhos operam de forma subterrânea, mas a
sua derrota é em relação ao que poderia ter sido. Ele poderia ter mantido a
unidade do seu grupo e organizado o campo político que ele representa.
Jairo
Nicolau acha que ele fez tudo ao contrário do que se esperaria que fizesse.
Perdeu os poucos operadores políticos que teve, brigou com aliados, desagregou
o partido que ele havia transformado de legenda pequena na maior bancada na
Câmara. E foi se isolando:
—
Se ele perder no Rio, onde apoia Marcelo Crivela, isso terá um sabor
especialmente amargo para ele, porque o Rio é o reduto eleitoral dele e da
família. Se perder em São Paulo, também.
Outro
fato marcante das eleições, até o momento, é o desempenho de Manuela D’Ávila,
do PCdoB, em Porto Alegre, na frente das pesquisas, e Guilherme Boulos, do
PSOL, em São Paulo, que está em terceiro em intenção de voto e tem ganhado
posições nas últimas sondagens. Em Belo Horizonte, está se confirmando uma
vitória no primeiro turno do prefeito Alexandre Kalil, eleito em 2016 por um
partido pequeno e hoje está no PSD:
—
Ele está se reposicionando no sistema político em outro lugar. Está virando o
líder popular do centrão. Isso é outro mundo, outra eleição, outra lógica. O
eleitor dele raiz pode não ter opção, mas em 2022 será uma eleição
plebiscitária em que ele vai defender o governo.
No
livro, lançado pela Zahar, Nicolau faz uma minuciosa análise dos dados para
entender 2018. E destaca vários fatos. Em geral, presidentes são eleitos pelo
apoio semelhante entre homens e mulheres. Bolsonaro foi eleito principalmente
por homens. Houve uma diferença de quase 10 pontos percentuais a menos entre as
mulheres. Ele foi o favorito em todos os níveis de escolaridade, exceto no
Nordeste. Recebeu 70% dos votos evangélicos, o maior percentual que já houve
nesse grupo. Diz que o sucesso de Bolsonaro em 2018 se deve à expressiva
votação nos três maiores colégios eleitorais. Minas, ele acha que foi o maior
destaque estadual, porque o PT ganhou no estado oito turnos seguidos de
eleições presidenciais. Em São Paulo, teve mais votos do que os candidatos
paulistas em outras eleições, e no Rio foi o primeiro candidato de direita a
vencer desde 1994. Com dados assim o autor concluiu ser Bolsonaro o maior fenômeno
eleitoral da história. E por isso avalia que Bolsonaro já é o grande derrotado
das eleições municipais de 2020.
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