Sandel
é bom filósofo o suficiente para saber que os filósofos não têm todas as
respostas
É
muito bom o mais recente livro de Michael Sandel, "A Tirania do
Mérito". O autor parte da constatação de que a tal de meritocracia não só
é uma ficção como é uma que está causando enormes prejuízos para a democracia e
para o bem comum.
Concordo
inteiramente com a primeira parte da assertiva. Como já escrevi aqui algumas
vezes, é preciso ter perdido a razão para acreditar que possuir inteligência,
beleza ou qualquer outro talento é indicativo de alguma virtude pessoal. Tudo
isso e também a disposição para dar duro e "subir na vida" é fruto da
sorte, que começa com a loteria genética e continua com a roda das
oportunidades.
Até
dá para defender a meritocracia como instrumento para obter eficiência, mas
certamente não para fazer justiça.
No
que diz respeito à segunda parte, Sandel diz que o discurso meritocrático faz
com que os vencedores no sistema fiquem extremamente arrogantes, e os
perdedores, totalmente ressentidos. Numa meritocracia, se você fracassa, a
culpa é inapelavelmente sua. O filósofo sustenta que é esse ressentimento que
explica fenômenos como o brexit, Trump e demais sintomas do novo populismo.
É
uma tese bastante verossímil, que estou pronto a comprar, mas senti falta de
alguma evidência empírica de que é de fato isso, e não outros processos, que
lançou o mundo no atual pesadelo político que vivemos. É, a meu ver, o ponto
fraco do livro. Falta um pouco de sociologia.
Sandel é bom filósofo o suficiente para saber que os filósofos não têm todas as respostas. Ainda assim, arrisca sugerir medidas que poderiam mitigar o clima divisivo e polarizador em que a meritocracia nos jogou. Uma das mais interessantes (e provocativas) é mudar o sistema de seleção das universidades de elite nos EUA. Assegurado um nível acadêmico mínimo, as vagas seriam distribuídas por sorteio. Serviria pelo menos para lembrar as pessoas de que talento é sorte e não mérito.
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