Lei
do Estado democrático deve se circunscrever à ação violenta contra as
instituições
A Câmara
revogou a Lei de Segurança Nacional, com módico atraso de 32 anos. No seu
lugar, aprovou uma Lei do Estado Democrático que flerta, aqui e ali, com a
criminalização da opinião política. Paira no ar o perigoso conceito de
democracia militante.
A
LSN já vai tarde. Bolsonaro e seu assecla André Mendonça a invocam, dia sim e
outro também, para tentar intimidar críticos do governo. Mas, como o Bombril, a
lei da ditadura tem mil e uma utilidades: o STF também achou conveniente
brandi-la quando inaugurou o infindável
inquérito das fake news. No percurso, diante do arruaceiro deputado
Daniel Silveira, enfiou numa sacola única o elogio retórico do AI-5 e os
crimes de incitação à violência e ameaça. Ao redigir a Lei do Estado
Democrático, a Câmara avaliza a manobra dos supremos juízes.
“A Constituição não permite a propagação de ideias contrárias ao Estado democrático”, escreveu o STF ao tornar réu o parlamentar bolsonarista. Falso! Nada, na Carta de 1988, proíbe defender ideias autoritárias. Silveira tem o direito de elogiar o regime militar e suas leis, assim como comunistas da velha estirpe estão cobertos pelo princípio da liberdade de expressão ao propor a substituição do Congresso pelos sovietes. O que é proibido, para um como para os outros, é cruzar o limite entre a palavra e a ação.
Gilmar
Mendes sustentou a criminalização da difusão de ideias autoritárias com base
no conceito
legal alemão de democracia militante (streitbare Demokratie). A
Constituição da República Federal Alemã, de 1949, veta a negação do Holocausto
e o uso da suástica. Mas o Brasil, que nunca experimentou algo como o nazismo,
não se define como democracia militante. Por aqui, só são puníveis explícitos
discursos de ódio contra segmentos da população, além de calúnia, injúria ou
difamação.
A
caduca LSN é um código de uma ditadura militante (há outro tipo?). No seu
artigo 23, criminaliza “incitar à subversão da ordem política ou social”,
expressão que permite encarcerar o comunista ortodoxo por palavras proferidas
numa entrevista ou passeata pacífica. A nova Lei do Estado Democrático tipifica
vagamente crimes “contra as instituições democráticas” e de disseminação “de
fatos inverídicos” em redes sociais no curso de processos eleitorais. Na forma
como redigida pela Câmara, oferece caminhos para encarcerar o cachorro que
apenas late.
Talíria
Petrone, líder do PSOL, identificou os contornos da besta: “Sabemos
bem como esses tipos penais abertos podem levar à criminalização de movimentos
sociais”. O PSOL ama a ditadura castrista, que persegue movimentos sociais como
as Damas de Branco ou o Movimento San Isidro por meio da acusação legal de
subversão. Mas a duplicidade moral não impugna a crítica específica: o texto
pode, efetivamente, ser interpretado de modo a punir a mera palavra subversiva,
tanto de direita quanto de esquerda.
“Não
seríamos nós que iríamos escrever uma lei que perseguisse os movimentos
sociais”, retrucou Orlando Silva. O deputado do PC do B é um pândego: seu
partido ama de paixão o regime totalitário chinês, que editou a Lei de
Segurança de Hong Kong, uma LSN com esteroides, para encarcerar os estudantes
do Movimento Guarda-Chuva.
Há
pouco, um popular youtuber investiu no negócio da moda, que é rotular Bolsonaro
como genocida. André Mendonça, então ministro da Intimidação, poderia
processá-lo por calúnia, exigindo retratação. Preferiu, porém, erguer a espada
afiada da LSN. Quando apreciar o texto proveniente da Câmara, o Senado tem o
dever de evitar a promulgação de uma “LSN do Bem” que, inevitavelmente,
serviria aos propósitos dos Mendonças vindouros.
Já temos leis suficientes sobre as fronteiras da liberdade de palavra. A Lei do Estado Democrático deve se circunscrever à ação violenta contra as instituições. Nossa democracia não milita.
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