Revista Veja
Bolsonaro é um governante atordoado, cujo
abalo contamina seus aliados
Acossado, Jair Bolsonaro está com raiva. Da
CPI que lhe arranha os calcanhares e imprime frio à nuca com os recentes
indícios de corrupção na aquisição da vacina Covaxin; das manifestações que
começam a tomar conta das ruas em ritmo crescente; da independência da imprensa
profissional; raiva da possível derrota em 2022 que faria dele o primeiro
presidente a não conseguir renovar o mandato desde o instituto da reeleição, há
24 anos.
A ira é das piores companhias que uma pessoa pode escolher como conselheira. Isso, na vida em geral. Na política tal aliança costuma ser mortal. Embora às vezes confira ao colérico uma aura de assertividade e dê a ele a chance de vestir o figurino da coragem, são atributos temporariamente emprestados. Ao longo do tempo a fúria retira-lhe a escada e o furioso, quando teimoso, acaba no chão.
O destempero conduziu Jânio Quadros ao erro
de cálculo na renúncia à Presidência. A agressividade deu a Fernando Collor a
oportunidade de mostrar-se combativo ao eleitorado, mas no poder o levou a
confrontar um Congresso que cassou seu mandato sem choro nem vela. O
temperamento irascível de Dilma Rousseff tampouco a ajudou no desgaste que
resultou no impedimento.
O equilíbrio é um dos grandes (não o único)
ativos de Fernando Henrique Cardoso. Até hoje rendem a ele homenagens, à
direita e à esquerda, depois de quase vinte anos distante do poder. A moderação
foi o que buscou Luiz Inácio da Silva na campanha de 2002 para conseguir se
eleger presidente depois de três derrotas vestido de ferrabrás. Comedimento é o
que procura agora Ciro Gomes, ao enfrentar sua terceira disputa presidencial,
tentando suavizar a imagem sob a batuta de João Santana, ex-parceiro de Duda
Mendonça, inventor do “Lulinha paz e amor”.
O presidente Jair Bolsonaro trilha o
caminho contrário. Reforça a selvageria verbal e sobe a escala dos maus modos.
Alguns interpretam essa atitude como estratégia para manter unida a sua tropa
de apoiadores. Por esse raciocínio, Bolsonaro estaria levando a termo um plano
metódico a fim de minar resistências e intimidar adversários.
“A
CPI está sendo pior para Bolsonaro que um processo de impeachment, do qual até
poderia sair vitorioso”
Na teoria, tal linha de pensamento até faz
sentido, mas na prática não condiz com a realidade. E esta desenha um cerco que
devagar se estreita no entorno do presidente da República. A Comissão
Parlamentar de Inquérito da Covid-19 está no centro desse movimento. Vai se
configurando como o que de pior poderia ter acontecido a Bolsonaro. De
potencial mais danoso que eventual exame do impeachment pelo Parlamento.
De um processo de impedimento o presidente
poderia até escapar mediante a complacência/cumplicidade dos deputados. Mas dos
efeitos da CPI não há hipótese de ele sair ileso. A comissão já comprovou a
negligência das ações e omissões do governo federal na gestão da pandemia e
agora abre a complicadíssima frente da investigação de caráter criminal, cujo
desenrolar provoca apreensão no Palácio do Planalto e adjacências.
O presidente que manda jornalistas e
auxiliares calar a boca e se expressa aos palavrões ante microfones não é
exatamente alguém que esteja na posse da frieza necessária à execução de um
projeto estratégico. É, antes, um governante atordoado, cujo abalo contamina
seus aliados.
É a percepção do perigo que faz, por
exemplo, o deputado Arthur Lira sair da posição de presidente de uma Câmara
partidária e ideologicamente plural para assumir a condição de líder do governo
na Casa. Em recente entrevista, Lira reafirmou a decisão de manter na gaveta os
mais de 120 pedidos de impeachment e profetizou: “A CPI não vai dar em nada”.
Repetiu aí um então ministro de Fernando Collor em prognóstico que passou aos
anais da política como indicativo de aflição.
O cerco não parte só do inquérito
parlamentar que acaba de transformar de testemunhas em investigadas catorze
pessoas ligadas ao presidente, entre as quais três ex-integrantes do primeiro
escalão de sua equipe e o atual ministro da Saúde. Os sinais estão também nas
multas aplicadas por infrações a medidas restritivas de prevenção a
contaminações, na sanção da Justiça por propaganda eleitoral antecipada e na
cobrança de prazo para que Bolsonaro apresente evidências da ocorrência de
fraude nas eleições.
Estreita-se, portanto, a vigilância que faz
do presidente não um homem à beira, mas em pleno e constante ataque de nervos.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744
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