O Globo / O Estado de S. Paulo
Governo tenta salvar seu desconjuntado
pacote com o suposto truque de economia política do lobby contra lobby
Tendo sabotado por dois anos e meio uma
reforma abrangente da tributação indireta no País, o governo, agora, quer
aprovar a toque de caixa no Congresso um desconjuntado pacote de mudanças
radicais na tributação direta, que já vem tendo efeitos paralisantes sobre
decisões de investimento, justo quando a economia parecia ter entrado em
delicada retomada do nível de atividade.
O que agora se anuncia é um pacote com
inspiração e timing claramente
populista. Preocupado com as eleições de 2022, o Planalto quer viabilizar um
programa de renda básica que possa chamar de seu e uma redução do IRPF pago por
contribuintes enquadrados em faixas mais baixas de rendimento tributável.
O que se contempla é que tudo isso seja
bancado, com folga, por elevação da tributação sobre lucros e aplicações
financeiras.
Limitações de espaço impedem que aqui se
analise o amplo leque de mudanças propostas, que afetam empresas sujeitas à
tributação pelos regimes de lucro real e de lucro presumido, aplicações
financeiras em geral, fundos de investimento e investimentos no exterior.
No que se segue, a análise estará restrita
a efeitos que poderão decorrer da taxação de dividendos de empresas sujeitas à
tributação pelo regime de lucro real.
A tributação de lucros comporta uma variedade de arranjos distintos. Um arranjo possível é o que se tem no país há cerca de 25 anos, em que todo o lucro, inclusive o que for distribuído aos acionistas ou sócios, seja taxado na empresa. Nesse arranjo, acionistas não pagam Imposto de Renda sobre dividendos porque, supostamente, o imposto devido sobre o lucro distribuído já foi retido e pago na empresa.
Mas é também perfeitamente possível um
arranjo alternativo em que parte da taxação de lucros seja paga pela empresa e
outra parte pelos acionistas, por meio da tributação dos dividendos por eles recebidos.
Há prós e contras a considerar na escolha
do melhor arranjo, dadas as circunstâncias diversas de diferentes países. O que
é fundamental nessa escolha, contudo, é assegurar que os dois níveis de
tributação sejam cuidadosamente integrados, tendo em mente que a carga
tributária total sobre os lucros será composta de duas partes, a que for paga
pela empresa e a que for cobrada dos acionistas.
Ao anunciar a intenção de abandonar o
arranjo hoje vigente e passar a taxar dividendos, o governo adiantou que a
taxação de lucros no nível da empresa seria devidamente ajustada para baixo.
Mas o que se viu, afinal, no pacote enviado
ao Congresso, foi gritante desproporção entre a alíquota de 20% que passaria a
incidir sobre dividendos e a redução de não mais que 5 pontos percentuais,
distribuída em dois anos, na alíquota incidente sobre os lucros da empresa.
Sob a capa de uma alegada neutralidade, a
mudança implicaria elevação substancial da taxação de empresas sujeitas ao
regime de tributação pelo lucro real. Não é surpreendente que a proposta esteja
enfrentando uma barragem cerrada de críticas.
Tendo, afinal, percebido a seriedade da
resistência encontrada, o Ministério da Economia saiu-se com uma pirueta
política. Anunciou que o governo está disposto a concordar com reduções
adicionais da alíquota na pessoa jurídica, se o Congresso aprovar cortes entre
R$ 20 bilhões e R$ 40 bilhões em renúncias fiscais variadas, com beneficiários
que vão da indústria química à Zona Franca de Manaus.
Salta aos olhos que esse suposto truque de
economia política, já pomposamente rotulado de “lobby contra lobby”, não é sem
risco. Envolve, de um lado, o reconhecimento pelo governo da sobrecarga
tributária que o pacote imporia às empresas submetidas ao regime de tributação
pelo lucro real. E, de outro, a explicitação do resgate que tais empresas
deveriam providenciar para se livrar de tal sobrecarga.
Junte-se a isso a fragilidade do governo e o fato de que as negociações políticas relevantes terão de ser feitas com profissionais do Centrão, e já se tem material suficiente para que aprendizes de feiticeiro possam sair seriamente chamuscados ao final da esperteza.
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