sexta-feira, 9 de julho de 2021

César Felício - O que gritam nos mercados

Valor Econômico

Pesquisas para presidente estão em ritmo diário

Nos últimos cinco dias, cinco pesquisas de intenção de voto em 2022 foram divulgadas. Duas delas encomendadas por financeiras e uma por uma entidade empresarial, um indicativo do alto interesse em escutar o que anda nas cabeças, anda nas bocas, o que gritam nos mercados, para relembrar Chico Buarque. Já estamos vivendo na prática, portanto, uma temporada eleitoral.

Quem diz que o cenário só deve se definir em meados do próximo ano parece despistar. Talvez seja o caso do presidente Jair Bolsonaro, que muito fala em ruptura da institucionalidade, em não haver eleições, se não forem “eleições limpas”. Este, entretanto, não é o cenário com que a maioria dos analistas trabalham.

No momento em que esta coluna era escrita, foi divulgado também o Datafolha, ainda só com a avaliação de governo. Mostrava Bolsonaro com 51% de desaprovação. Que Bolsonaro tem potencial para recuperar popularidade até o segundo semestre do próximo ano é incontroverso. Os levantamentos de agora permitem medir de onde se parte e até onde se pode chegar.

As pesquisas CNT/MDA e Genial/Quaest, com entrevistas presenciais e domiciliares, mostram Bolsonaro com 26,6%, no primeiro caso; e 28% no segundo, em seus cenários base. Os levantamentos do Poder360 e da XP/Ipespe, feitos por telefone, apontam o presidente com 29% no primeiro caso e 26% no segundo. Há uma convergência independentemente do método estatístico na maior parte dos levantamento. Nas simulações de segundo turno, isso fica mais claro: Bolsonaro vai de 33% (Genial/Quaest) a 35% (XP/Ipespe), quando o adversário é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que varia de 49% (XP/Ipespe) a 54% (Genial/Quaest). Com outra metodologia, na qual as entrevistas telefônicas são assistidas por computador, a Exame/Ideia Big Data mostra diferença menor: Lula fica com 46% e Bolsonaro com 34% no segundo turno. No primeiro, o petista alcança 41% e o presidente, os mesmíssimos 34%.

A largada de Bolsonaro não é baixa. É um pouco menor da que Lula teve um ano antes da eleição de 2006, quando obteve a recondução. E fica um pouco abaixo da de Dilma Rousseff em julho de 2013, um ano antes de sua reeleição e logo depois do vendaval das manifestações de junho. Em 2005, no Datafolha, Lula teve 36% na pesquisa de 5 de julho. O então presidente estava em um péssimo momento, já que três semanas antes havia eclodido o escândalo do mensalão. Em 2013, Dilma ficou com 29% no Datafolha e chegou a 37,2% na pesquisa da Sensus na última semana daquele junho..

A questão que torna a situação de Bolsonaro complicada é que não havia, nas sucessões anteriores, um adversário que captasse a revolta contra o governo. Agora há. Lula aglutina até o momento, o antibolsonarismo, e vai de 38% a 43% nas sondagens. E a grande trava à terceira via é não conseguir capturar este eleitor. Em 2005, nenhum oponente de Lula nas pesquisas conseguia mais do que 15%. Em 2013, nenhum desafiante de Dilma alcançava mais do que 20%.

Para Mauricio Moura, da Ideia Big Data, outro dado pouco alvissareiro para o presidente é a rejeição que se consolida. Sempre se soma a classificação de “ruim” e péssimo” para medir a desaprovação do governo. As últimas pesquisas indicam uma migração do “ruim” para o nível “péssimo”. “Isso indica que essa massa eleitoral que desaprova Bolsonaro tem um núcleo que não tem volta”, comenta.

Moura diz, entretanto, que os sinais de que já se chegou ao fundo do poço para Bolsonaro são grandes. As notícias sobre possível corrupção no governo ou na própria família presidencial consolidam rejeição, mas não devem sangrá-lo mais. O eleitor sensível a esta questão já o abandonou no episódio de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

Para Moura, o presidente hoje vive de três pilares: o primeiro é o mais ideológico, de homens, dos grandes centros urbanos, com um sentimento anti-institucional exacerbado. O segundo é neopentecostal, da classe C, forte nas periferias. O terceiro é o das regiões que vivem do agronegócio, o eleitor do Norte, Centro-Oeste e interior do Sul. A chance de irem com ele até o fim é grande.

Para Paulo Gama, analista da XP, a rejeição consolidada está produzindo por agora um fenômeno de descolamento. A percepção de melhora da economia e do próprio controle da pandemia avançam em paralelo com o aumento do repúdio a Bolsonaro. Neste momento, vacinação acelerada e indicadores econômicos em recuperação não entram na esfera política.

Lula, que absorve o antibolsonarismo como um mata-borrão a tinta, deve tentar administrar a vantagem. Já conseguiu tudo que podia e, se evitar grandes perdas, estará no segundo turno. Uma de suas vulnerabilidades, a imagem da corrupção, está se tornando também a chaga de seu maior rival. O eleitor que preza uma renovação ética na política vive o mato sem cachorro. Pode migrar para a abstenção ou a anulação do voto.

É difícil medir o potencial da terceira via. As intenções de voto a favor de Ciro Gomes e João Doria são as que apresentam maior variação, porque dependem da lista apresentada. O recall ajuda Ciro, sempre à frente do tucano. Na batelada dessa semana, ficou com 6% na CNT/MDA e Poder 360 e com 13% na Exame/Ideia Big Data. Doria varia de 8%, na última a apenas 2% na do Poder 360.. Ciro percebeu que há um bolsonarismo arrependido que rejeita Lula e tenta ganhar esse voto,, daí os mísseis que dispara quase diariamente contra o petista.

O problema central de Ciro é mudar uma imagem que demorou 20 anos para construir, a de político que está na centro-esquerda, e não na centro-direita. A única saída do labirinto para Ciro está à direita. Mas Ciro caminhou à esquerda nas últimas quatro eleições. O eleitor ansioso pela terceira via não se reconhece no pedetista. Um processo de destruição da imagem de Lula poderia beneficiá-lo, mas não é isso que está em pauta nesse instante e não há sinais nessa direção até o momento.

Convém prestar atenção ao governador gaúcho Eduardo Leite, que atraiu mídia nos últimos dias ao assumir-se homossexual e só foi testado pela XP/Ipespe,Genial/Quaest e Exame/Ideia Big Data. Obteve 4% nas duas primeiras e 5% na última.. É de longe o menos conhecido dos pré-candidatos. Eduardo Campos, em julho de 2013, tinha 5,2% em pesquisa. Um ano e um mês depois, ao morrer, estava na faixa de 13% ou 14%. Tornara-se competitivo.

 

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