EDITORIAIS
Sem retomada
Folha de S. Paulo
PIB recupera patamar pré-Covid, mas deve
voltar ao padrão de quase estagnação
Com o avanço de 0,5% no quarto
trimestre, a
economia brasileira terminou o ano passado com crescimento de 4,6%, o
suficiente para superar o nível de atividade de antes da pandemia. O resultado
não altera a perspectiva pouco animadora para este 2022, que se tornou mais
nebulosa com a eclosão da guerra na Ucrânia.
O desempenho melhor do final de 2021 se
deveu à agropecuária e aos serviços, que já respondem à menor preocupação com a
crise sanitária. Atividades mais dependentes do contato pessoal têm espaço para
expansão nos próximos meses, mas há novos obstáculos.
O principal deles é o novo choque de inflação, concentrada em itens essenciais como alimentos e combustíveis, que retirará poder de compra da população. A retomada até aqui, ademais, se deu num contexto de piora de salários.
O rendimento médio do trabalho medido pelo
IBGE permanece 9,4% abaixo do patamar de antes da Covid-19, em valores
corrigidos.
Com maiores pressões nos preços, já se
cogita que o aperto monetário do Banco Central vá mais longe. O mercado futuro
sugere que as expectativas para a taxa Selic podem subir a até 13,5% anuais, um
ponto percentual acima do que se antevia há algumas semanas.
O encarecimento do dinheiro terá impacto negativo
na demanda por crédito, que dá sinais de enfraquecimento nos segmentos ligados
a bens duráveis. A inadimplência é outra preocupação, dado o endividamento
recorde das famílias.
A guerra na Europa adiciona mais
complexidade ao cenário. Já está claro que o novo repique nos preços das
matérias-primas aumentou o risco de uma recessão global. Com a inflação já
elevada nos Estados Unidos e na Europa, os bancos centrais estão em processo de
aperto da política monetária, o que se reforça agora.
As consequências para o Brasil podem conter
ambiguidades. Tipicamente, a economia do país responde negativamente a uma
retração da atividade mundial, mas é impulsionada pela alta das cotações de artigos
de exportação, principalmente produtos agrícolas, petróleo e minério de ferro.
Há outros fatores favoráveis, como o
esperado aumento dos investimentos dos governos estaduais e em infraestrutura.
Tudo somado, a expectativa para o ano permanece de modesto crescimento, de
0,5%, o que dá continuidade ao quadro de quase estagnação que vigora após a
recessão de 2014-16.
Qualquer prognóstico mais positivo a médio
e longo prazos depende da restauração de condições que permitam maior expansão
da produtividade —e nessa seara será também preciso consertar os estragos
institucionais patrocinados pelo governo Jair Bolsonaro (PL).
Perdido na Esplanada
Folha de S. Paulo
Ao deixar governo, astronauta não terá
chance de executar orçamento expandido
De
saída do governo, Marcos Pontes se deu melhor na curta e única viagem ao
espaço, em 2006, do que nos três anos em que orbitou o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovações. Sua gestão não desceu da estratosfera de políticas
fantasiosas para deixar marcas visíveis no chão duro da Esplanada.
A não ser, evidente, pelo rastro de desarticulação
na pesquisa científica e tecnológica após a eleição de Jair Bolsonaro (PL). Os
recursos da pasta caíram até 2021, quando somaram R$ 3,3 bilhões para custeio e
investimentos.
Para este ano, há promessa de expansão
vigorosa dessas rubricas, para R$ 6,9 bilhões previstos na lei orçamentária
—mas resta o risco de contingenciamento.
Mais importante que as cifras se mostra a
derivação do tipo de financiamento preferido no governo Bolsonaro. Definham os
valores para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e cresce a participação relativa do fundo nacional de denominação
similar (FNDCT).
O CNPq, com bolsas de pós-graduação e para
pesquisadores, mantém o funcionamento normal da massa de instituições
acadêmicas do país. O FNDCT viria garantir verbas adicionais, em particular
para financiar infraestrutura em áreas de inovação prioritárias.
No entanto os fundos do FNDCT encorpado se
destinam cada vez menos a fomento não reembolsável (instituições científicas) e
mais a recursos reembolsáveis (empréstimos a empresas). Nada contra apoiar
inovação no setor empresarial, mas há que pensar na sobrevivência de
instituições de pesquisa.
O caso do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) fornece exemplo doloroso desse ímpeto desarticulador. Por
capricho ideológico do presidente agastado com cifras de desmatamento da
Amazônia registradas pelo órgão, Pontes entregou a cabeça do diretor Ricardo
Galvão numa bandeja.
Em pasta importante para o enfrentamento da
pandemia, o hoje aspirante a deputado federal patrocinou propostas mirabolantes
contra o coronavírus, como vermífugos e sprays de nióbio.
Em outubro, tomou as dores da comunidade
científica ao protestar contra um corte de verbas em seu ministério. Cogitou
deixar o governo, segundo se divulgou, sem chegar às vias de fato.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, reagiu ao queixume no estilo típico de um governo disfuncional —chamou Pontes de burro.
Aprovação do PL das Fake News deve ter
urgência
O Globo
Dada a proximidade das eleições de outubro,
faz-se urgente a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei
2.630/2020, apelidado de PL das Fake News. O objetivo é impedir a desinformação
na campanha eleitoral, em especial nos aplicativos de mensagens. O país precisa
estar preparado para evitar, neste ano e também no futuro, a profusão de
mentiras que marcaram a campanha de 2018, sobretudo a de Jair Bolsonaro.
Havia quatro impasses, nenhum deles
suficiente para justificar a rejeição do projeto pelos deputados. O primeiro
diz respeito às regras para moderação de conteúdo nas redes sociais. O projeto
prevê a identificação de informação falsa ou duvidosa, com retirada, rotulagem
ou redução de alcance. Além de tornar obrigatório esse procedimento, o texto
exige que o usuário seja notificado sobre a medida e tenha possibilidade de
defesa.
A medida faz todo o sentido numa
democracia. Para implementá-la, as plataformas digitais teriam de investir não
apenas em programação ou na proverbial “inteligência artificial”, mas sobretudo
em recursos humanos capazes de tomar decisões de fundo editorial. Preocupadas
com o custo, elas fazem lobby contra essas regras. Preveem uma “enxurrada de
processos judiciais”. Em vez de apresentar evidências para sustentar a previsão
ou sugerir correções eventuais, investiram numa campanha publicitária sem
sentido sugerindo consequências absurdas na vida dos pequenos empreendedores.
No fundo, repetem o histórico de complacência e evasão da responsabilidade que
tem marcado sua atuação não só no Brasil, mas também noutros países.
O segundo impasse é a extensão da imunidade
parlamentar para as redes sociais. Muitos deputados temem que suas postagens
sejam bloqueadas, mesmo com todas as garantias de recursos previstas no
projeto. É como se os políticos quisessem um salvo-conduto para continuar
mentindo (eles são, segundo estudos, os maiores difusores de desinformação). A
preocupação deles não faz sentido, já que a imunidade parlamentar é assegurada
pela Constituição. Repetir essa garantia na lei seria apenas inócuo.
O terceiro impasse está na obrigatoriedade
de plataformas com mais de 10 milhões de usuários terem uma representação no
Brasil. O caso do aplicativo de mensagens Telegram comprova a necessidade dessa
exigência. Desde 2018, a empresa criada por russos e com sede em Dubai ignora
as notificações da Justiça Eleitoral. Foi preciso o Supremo Tribunal Federal
ameaçar suspender o Telegram para que seus executivos dessem sinal de vida. A
base bolsonarista na Câmara é contra a exigência de representação legal. É um
absurdo que transformaria o Brasil em terra sem lei.
O último impasse é a obrigatoriedade de as
plataformas manterem por até três meses o registro dos encaminhamentos de
mensagens enviadas mais de cinco vezes, com alcance para mais de mil usuários.
Não haveria armazenamento de conteúdo, nem acesso aos dados sem ordem judicial,
configurando uma restrição à privacidade bem menor que aquela a que todos já
estão sujeitos em comunicação por telefone ou e-mail. Mesmo assim, não houve acordo,
e o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto, retirou o item do
texto. Com essa e outras alterações, caso o projeto seja aprovado pela Câmara,
terá de voltar ao Senado. Está aí mais um motivo para a urgência.
Ameaça nuclear de Putin não deve ser
desprezada pelo Ocidente
O Globo
Vladimir Putin tem feito esforço para
espalhar o medo. Com uma regularidade quase cronometrada, alimenta o temor do
perigo atômico. Ontem tropas russas assumiram o controle da maior usina nuclear
da Europa, no sudeste da Ucrânia, depois de provocar incêndio no prédio.
Submarinos nucleares russos fazem exercícios militares no norte do país. No
último domingo, Putin ordenou que as forças nucleares russas entrassem em
alerta máximo. No discurso veiculado no primeiro dia da invasão, prometeu
“consequências nunca vistas antes” a quem tentasse impedir o avanço de suas
tropas. Teria ele coragem para fazer o impensável?
É inegável que o risco nuclear aumentou. As
tropas russas nem tinham cruzado a fronteira com a Ucrânia, e os integrantes do
Boletim de Cientistas Atômicos, que criou o Relógio do Apocalipse para avaliar
o risco de um cataclismo nuclear, já começavam a mexer nos ponteiros. É verdade
que Putin pode estar blefando, mas a própria invasão da Ucrânia comprova que
ele é imprevisível. Putin tenta culpar os Estados Unidos e a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas está claro quem começou a agressão.
Essa imprevisibilidade impõe um dilema ao
Ocidente. De um lado, qualquer reação mais forte aumenta o risco de um revide
nuclear. De outro, quanto mais Putin insiste em suas ameaças, mais claro fica
que deve ser confrontado. Ceder agora só adiará o problema. Na ausência de
freios, ele certamente será encorajado a atacar com mais força.
Por isso, ao mesmo tempo que mantém a
pressão, o Ocidente deve evitar que o conflito saia de controle. Os russos não
precisam de seu arsenal atômico para derrotar os ucranianos. O risco é se
sentirem ameaçados e decidirem pelo emprego de armas nucleares de uso tático,
bombas construídas para uso em campos de batalha. Dependendo da força de
explosão, elas podem destruir uma grande aglomeração de soldados e até uma
cidade.
Líderes ocidentais precisam ser claros na
comunicação para evitar confusões. “Intervenção” para os paranoicos militares
russos tem vários significados. Voluntários vindos da Europa Ocidental para
lutar na Ucrânia podem ser vistos como soldados disfarçados. Movimento de
tropas em países da Otan pode ser interpretado como preparo ao combate. Nessa
hora, canais diretos de comunicação são cruciais.
Mesmo que restrito, o uso de bombas
nucleares jamais deve ser tolerado. A última vez em que isso ocorreu foi em
1945. Os desdobramentos, sabe-se desde então, são apocalípticos. O momento em
que a humanidade esteve mais próxima da extinção foram duas semanas em 1962, durante
a crise dos mísseis em Cuba. Hoje, um confronto nuclear ainda é improvável. Mas
é preciso garantir que continue assim.
STF não é revisor do Congresso
O Estado de S. Paulo
Fundo Eleitoral é uma aberração, mas a decisão do STF de respeitar a opção do Congresso foi correta. Democracia não combina com judicialização da política
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)
de manter a validade das regras de cálculo do valor do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha, o chamado Fundo Eleitoral, tem uma importante
dimensão pedagógica. Ainda que a maioria dos ministros da Corte tenha
manifestado discordância pessoal em relação ao valor de R$ 4,9 bilhões
destinado ao fundo, o plenário do STF respeitou a decisão legislativa, em
deferência ao princípio da separação dos Poderes. É o Congresso, e não o
Judiciário, que define a legislação orçamentária.
A missão do STF é defender a Constituição.
Cabe à Corte, portanto, entre outras atribuições, realizar o controle de
constitucionalidade das leis aprovadas pelo Congresso. Se uma lei contraria o
texto constitucional, ela deve ser retirada do ordenamento jurídico. Caso
contrário, haveria uma inversão hierárquica de normas, com uma lei prevalecendo
sobre a Constituição, o que é um evidente contrassenso.
O controle de constitucionalidade do STF
sobre os atos do Legislativo e do Executivo não é, no entanto, uma autorização
para que o Judiciário faça uma avaliação política desses atos. A Justiça não
revisa politicamente as decisões do Congresso, por mais equivocadas que possam
ser. Sendo constitucionais, as opções legislativas devem ser respeitadas. “O
valor (do Fundo Eleitoral)
é alto, mas inconstitucionalidade aqui não há”, disse o presidente do STF,
ministro Luiz Fux.
Se a existência do Fundo Eleitoral em si já
é imoral, mais imoral ainda é seu bilionário valor, que cresce exponencialmente
a cada eleição. Com pessoas passando fome, com necessidades prementes em áreas
essenciais, como educação e saúde, Senado e Câmara destinaram inacreditáveis R$
4,9 bilhões dos cofres públicos para os partidos políticos realizarem as
campanhas de seus candidatos. Eis a total disfuncionalidade.
Um fundo que nem deveria existir, pois
desvirtua a representação política, recebeu um valor superior ao orçamento de
99,8% dos municípios brasileiros, segundo levantamento do Estadão. Trata-se de cabal
deboche com a população e com o País. No entanto, por mais contundente que seja
o erro do Congresso, o Supremo não está autorizado a mudar o valor do fundo. Em
um Estado Democrático de Direito, com vigência do princípio da separação de
Poderes, o orçamento público é uma decisão dos parlamentares eleitos, que
respondem politicamente por essa decisão.
Ao rejeitar a judicialização da política,
mantendo o valor do Fundo Eleitoral, o Supremo não disse que a decisão do
Congresso foi correta ou condizente com o interesse público. Apenas reconheceu
que o Judiciário não é órgão revisor do Legislativo. Erros políticos devem ser
corrigidos pela política, no âmbito político. Em última análise, é o eleitor,
no exercício de seus direitos políticos, quem tem a responsabilidade de fazer o
controle político das decisões do Congresso.
Vale notar que a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) 7058, questionando o valor do Fundo Eleitoral, foi
ajuizada pelo Partido Novo, que tentou reverter no Judiciário a derrota sofrida
no Legislativo. Como enfatizou corretamente o presidente do STF, ministro Luiz
Fux, os inconformados com derrotas na arena política acreditam que podem
revertê-las apelando ao Supremo. O fenômeno da judicialização da política não
é, portanto, mero fruto do ativismo de alguns membros do Judiciário. São os
próprios partidos que, contrariando o princípio democrático, recorrem ao
Supremo com o objetivo de alterar a decisão da maioria dos parlamentares.
Felizmente, por 9 votos a 2, o Supremo
rejeitou a manobra, abstendo-se de intervir na decisão do Congresso. Não deixa
de ser curioso que o novo ministro do STF, André Mendonça, indicado por Jair
Bolsonaro – que continuamente critica a suposta interferência do Supremo sobre
os outros Poderes –, tenha sido um dos dois a defender a alteração da decisão
política do Legislativo.
Fundo Eleitoral de R$ 4,9 bilhões é uma
aberração, mas a decisão do Supremo foi correta. No regime democrático, decisão
política equivocada não é corrigida pela caneta de juiz, mas pelo voto do
eleitor. Sem admitir atalhos cômodos, “todo o poder emana do povo” tem
consequências exigentes.
No PIB, retomada com pouco fôlego
O Estado de S. Paulo
O País saiu do buraco, mas a recuperação se esgotou e as perspectivas são de crescimento modesto e com inflação alta
Com expansão de 4,6% no ano passado, a economia brasileira saiu
do poço onde havia afundado em 2020 e ficou 0,5% acima do patamar de 2019. Mas
isso está longe de indicar um retorno à prosperidade. Concluída a
recuperação em V prometida pelo ministro Paulo Guedes, nada permite prever, a
curto prazo, uma nova fase de dinamismo. Com desemprego elevado, inflação
superior a 10% nos 12 meses até janeiro e juros ainda em alta, é difícil
imaginar crescimento econômico acima de 0,5% em 2022 e de 2% em 2023. Segundo o
mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 0,3% neste ano e 1,5% no
próximo – dados correspondentes à mediana das projeções. Os números da última
década, e especialmente os do período do presidente Jair Bolsonaro, compõem um
quadro de mediocridade, estagnação e retrocesso industrial. É indisfarçável o
descompasso com o mundo emergente.
Esse quadro de mediocridade, agravado por
uma dívida pública muito cara e muito grande para um país de renda média, será
recebido como um legado nada invejável pelo presidente eleito no fim deste ano.
Se quiser fazer algo relevante, esse presidente deverá reverter um roteiro já
muito longo de degradação. Nos cinco anos a partir de 2017, quando o Brasil
saía de uma severa recessão, o PIB acumulou expansão de 4,9%. Nesse período, o
avanço médio anual foi inferior, portanto, a 1%.
Em 2019, início de mandato do presidente
Bolsonaro, a economia cresceu 1,2%, bem menos do que em 2018, quando o ritmo
foi de 1,8%. O País já perdia impulso, portanto, no ano anterior à pandemia.
Longe de afetar uma economia vigorosa, o surto de covid-19 agravou a situação
de um país em marcha lenta e enfraquecido por longa sequência de erros
políticos.
O potencial de crescimento depende, em
grande parte, do investimento em máquinas, equipamentos, obras de
infraestrutura e outros tipos de construção. No jargão dos economistas, isso é
conhecido como “formação bruta de capital fixo”. No ano passado, esse tipo de
investimento foi 17,2% maior que em 2020 e equivaleu a 19,2% do PIB. Houve
taxas maiores que essa em sete anos, neste século, e em quatro a relação
superou 20%. Mesmo nas melhores fases, no entanto, o Brasil ficou longe do
padrão observado nos emergentes mais dinâmicos, onde o valor aplicado em
capital fixo tem frequentemente superado 24% do PIB.
A retomada no ano passado resultou
principalmente do setor de serviços, com crescimento de 4,7%. O maior impulso,
nessa área, veio dos segmentos de informação e comunicação, com avanço de
12,3%, e de transporte, armazenagem e correio, com ganho de 11,4%. A atividade
agropecuária, há muitos anos a mais eficiente e mais competitiva do Brasil,
encolheu 0,2%, prejudicada pelas más condições do tempo. O agronegócio
permaneceu, no entanto, como fonte principal de receita no comércio externo de
bens. O aumento da produção geral da indústria, de 4,5%, mais que compensou o
recuo do ano anterior, de 3,4%. O resultado positivo dependeu basicamente da
construção, com avanço de 9,7%.
A indústria de transformação, na qual foi
mais visível o retrocesso no último decênio, produziu 4,5% mais que em 2020,
mal compensando o recuo de 4,4% ocorrido no primeiro ano da pandemia. Em 2019 a
produção desse importante segmento havia diminuído 0,4%. Máquinas e
equipamentos, veículos automotivos, outros equipamentos de transportes e
metalurgia foram os destaques positivos.
O consumo das famílias aumentou 3,6%,
depois de ter diminuído 5,4% em 2020. A reação, embora incompleta, foi
favorecida pela vacinação – apesar da atitude frequentemente contrária do
presidente Bolsonaro – e pela redução gradativa das limitações à frequência de
restaurantes, bares, lojas e locais de prestação de serviços. Mas o poder de
compra foi prejudicado pelo desemprego e pela inflação elevada. Em aceleração
durante a maior parte do ano, os preços ao consumidor subiram 10,06% em 2021,
segundo o cálculo oficial. Preços em alta devem permanecer em 2022, segundo se
estima, como importante entrave ao consumo e ao crescimento econômico.
Bolsonaro bagunça a PF
O Estado de S. Paulo
Interferências na PF são mais graves, mas não são a única ação antirrepublicana do presidente
Um dia antes de aproveitar o carnaval nas
praias do Guarujá e promover mais atos de campanha eleitoral antecipada no
litoral paulista, o presidente Jair Bolsonaro exonerou o delegado Paulo
Maiurino da diretoria-geral da Polícia Federal (PF). Em seu lugar assumiu o
delegado Márcio Nunes de Oliveira, que até então era o secretário executivo do
Ministério da Justiça. Oliveira é tido como braço direito do ministro Anderson
Torres, que, por sua vez, é mais do que um auxiliar direto de Bolsonaro, é
amigo do presidente.
Não se sabe exatamente por que o presidente
da República, cuja administração é deliberadamente opaca, decidiu trocar o
comando da PF pela terceira vez em seu mandato. Márcio Oliveira é o quarto
“DG”, como é tratado o diretor-geral da PF nos gabinetes de Brasília, ao longo
do governo Bolsonaro. O próprio Maiurino e outros delegados da PF foram pegos
de surpresa, como apurou o Estadão.
A portaria publicada no Diário Oficial da União,
assinada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), é lacônica.
Limita-se a registrar a exoneração de Maiurino e a nomeação de Oliveira. Mas é
possível inferir a razão da troca no comando da PF dado o histórico de
Bolsonaro: seguramente, ações ou omissões do ex-diretor-geral em relação a
temas sensíveis para o Palácio do Planalto incomodaram o presidente. Tanto
Bolsonaro como alguns de seus filhos têm contas a prestar à Justiça. E as
investigações em curso na PF contra eles podem ser determinantes para o destino
do clã.
É sempre bom lembrar que Bolsonaro já disse
em alto e bom som que iria interferir na PF, “e ponto final”. E assim ele tem
feito, tanto que contra o presidente corre um inquérito no Supremo Tribunal
Federal (STF) justamente para apurar o grau dessa interferência. Mas não deixa
de indignar os brasileiros que ainda nutrem apreço pelos valores republicanos
quão desabridas são essas intervenções nas instituições de Estado e a falta de
transparência que cerca as movimentações. O caso da PF é especialmente grave
por envolver um órgão de segurança, cujas atribuições são muito bem delimitadas
pela Constituição, e não uma milícia secreta a serviço do governo. Mas não é o
único.
A mudança no comando da PF segue
rigorosamente o padrão do atual governo. Bolsonaro trocou ministros da Saúde em
meio à pandemia quando estes ousaram não se curvar diante de seus interesses
eleitoreiros. O presidente também agiu diretamente para trocar técnicos
altamente capacitados em órgãos como o Inpe, o Ibama e o Iphan que prestavam
serviço ao Estado brasileiro, e não vassalagem ao mandatário de turno. Há
inúmeros outros exemplos.
A República deixa o campo das ideias e se
traduz em realidade percebida por meio da autonomia e da estabilidade das
instituições de Estado. A autonomia é garantida por lei – e em boa medida foi
isso que salvou os brasileiros da sanha destrutiva de Bolsonaro em muitas
ocasiões. Já a estabilidade vem da compreensão do governante de que ele passa,
mas o resguardo do interesse público é perene. Bolsonaro teria de nascer de
novo para compreender isso.
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