Revista Veja
A guerra no Leste Europeu revela onde
Bolsonaro e Lula estão
Vladimir Putin fez uma agressão não
provocada à Ucrânia, país soberano e pacífico. Mentiu que a Ucrânia não existe
como Estado independente. Mentiu que o governo ucraniano é neonazista. Mentiu
que seu objetivo é proteger os habitantes de Donbass (por que a Rússia está
bombardeando Kiev, do outro lado do país?). Mentiu que foi uma ação para
impedir que a Ucrânia entre para a Otan: não havia perspectiva de inclusão da
Ucrânia. E, se fosse assim, por que Putin concordou com a entrada das
repúblicas bálticas na Otan em 2004? E que argumento é esse de que se pode
invadir um país soberano para impedi-lo de fazer acordos internacionais?
O mundo não comprou o lero-lero de Putin e repudiou em peso a invasão. No Brasil, entretanto, nada é simples. Os bolsonaristas ficaram confusos, sem saber se a Rússia é o monstro-comunista-inimigo-da-civilização-cristã, como disse a máquina de fake news durante anos, ou se Putin é “conservador”, conforme Bolsonaro agora o descreve. Para complicar, Putin tem o apoio de outros monstros comunistas, como China, Cuba e Venezuela.
Na dúvida, siga o líder. Bolsonaro — que
visitou a Rússia às vésperas da invasão e declarou “solidariedade” aos russos —
recusou-se a condenar o ataque e avisou que o Brasil é “neutro”. O Itamaraty
faz o que pode para botar o país no lugar certo, mas todo mundo sabe onde
Bolsonaro está.
“As principais lideranças brasileiras são
incapazes de defender a democracia com firmeza”
Faz sentido que Bolsonaro, que defende
ditadura e tortura, apoie Putin, um ditador fascista e homofóbico que acredita
na lei do mais forte, mata inimigos e massacra populações, como fez na
Chechênia e faz agora. E que quer recriar um passado idealizado e glorioso (o
Império Russo). Ou seja, é o modelo acabado do que Bolsonaro quer ser.
A esquerda brasileira também ficou tonta. A
visão geopolítica tradicional de nossa esquerda tem três linhas básicas: 1)
contra os Estados Unidos; 2) a favor de ditaduras de esquerda; 3) contra
ditaduras de direita. Até o fim da Guerra Fria, era fácil conciliar as três
linhas, hoje é impossível. Grande parte da esquerda, PT e penduricalhos incluídos,
optou pelo antiamericanismo, que é supremo.
O PT condenou a “política de longo prazo
dos Estados Unidos de agressão à Rússia e de expansão da Otan” — nem uma
palavra sobre a agressão da Rússia à Ucrânia. O ex-chanceler petista Celso
Amorim é “contra as sanções” (mas não contra a Rússia) e “a favor do diálogo”
(mas não da Ucrânia).
Lula tuitou que “ninguém pode concordar com
ataques militares de um país contra o outro” — não mencionou Rússia nem
Ucrânia. Depois, falou da Rússia, mas antes criticou o Ocidente: “Foi assim que
os Estados Unidos invadiram o Afeganistão e o Iraque e que a França e a
Inglaterra invadiram a Líbia; é assim que a Rússia está fazendo com a Ucrânia”.
Esqueceu que a Ucrânia é democrática e pacífica; o Afeganistão, dominado pelo sanguinário
Talibã, protegia o terrorista Bin Laden; a Líbia era uma ditadura em sangrenta
guerra civil e a intervenção foi determinada pela ONU.
O mundo inteiro está unido em defesa da
Ucrânia, mas as principais lideranças brasileiras são incapazes de defender a
democracia com firmeza. Nós somos a vanguarda do atraso.
Publicado em VEJA de 9 de março de
2022, edição nº 2779
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