Revista Veja
O próximo presidente vai encontrar um
Congresso empenhado em ser cada vez mais poderoso
Caciques dos partidos e respectivos
candidatos à Câmara e ao Senado não escondem o jogo: estão mais interessados na
eleição de deputados e senadores do que em investir nas candidaturas a
presidente da República. Mesmo o PT, em sua dianteira até agora folgada,
articula alianças de olho vivo e faro fino na execução do plano de reforço às
tropas no Congresso.
Tanto é assim que as principais legendas resolveram colocar suas maiores estrelas na disputa por vagas no Parlamento. Normalmente o costume era deixar candidaturas de gente conhecida para os cargos de governador ou senador. Isso mudou quando os partidos decidiram direcionar o foco ao Legislativo, notadamente à Câmara. Governadores têm independência menor que parlamentares na relação com o Planalto.
A importância do Congresso se baseia em várias razões: o protagonismo da Casa na condução da agenda do país é uma; outra, a derrama de verbas públicas distribuídas de acordo com o tamanho das bancadas; e a terceira, a correlação de forças internas e externas, firmada a partir da fragilidade política do governo de Jair Bolsonaro. Fraqueza decorrente do erro original de visão — a ideia de que poderia contar com bancadas temáticas em detrimento das agremiações —, que o obrigou a optar pela entrega do controle da agenda do Planalto ao Poder Legislativo.
Criou-se um ambiente de desequilíbrio de
poder já visto em governos cujos presidentes tiveram o mandato interrompido,
mas nunca a ponto de contagiar as campanhas da eleição seguinte. E muito menos
na dimensão de agora, com tanto empenho de parlamentares e dirigentes
partidários em transformar a assimetria de força, antes circunstancial, em
situação permanente.
O próximo Congresso se pretende tão ou mais poderoso que o atual. Dia desses o presidente da Câmara, Arthur Lira, deixou isso muito claro ao comentar medidas sugeridas por candidatos para quando, e se, chegarem ao Planalto: “Gostaria de lembrar que no meio de presidentes que estão lá e dos que estarão, há o Congresso Nacional”.
Os parlamentares eleitos neste ano não vão
querer abrir mão da conquistada autonomia no manejo das emendas ao Orçamento
nem estarão dispostos a retroceder no exercício da derrubada de vetos
presidenciais, prática antes excepcional que se tornou corriqueira. Basta
comparar.
A um ano de completar o mandato, Bolsonaro teve 35% de seus vetos a matérias aprovadas no Parlamento derrubados total ou parcialmente. Na Presidência de Luiz Inácio da Silva foram 0,5%, sob Dilma Rousseff, 1,5% e na gestão de Michel Temer, 16,5%.
O avanço do Legislativo sobre o Executivo é
nítido. A permanência dessa condição é obviamente desejada pelos partidos que
trabalham fortemente para isso. Podem até não se submeter às regras rígidas das
federações que os obrigam a afinidades em nada condizentes com as práticas
partidárias em vigor, mas preparam um plano B.
Para escapar de exigências praticamente
inexequíveis os partidos, combinam alianças de modo a formar grupos de atuação
conjunta para concorrer ou pelo menos dividir com o Centrão a influência sobre
o mandatário a ser eleito ou reeleito. A ideia é que na próxima legislatura não
haja um, mas vários Centrões a ditar os rumos do governo a partir do Congresso,
de preferência tendo gente experiente na composição das bancadas. Agora a
palavra de ordem não é a da renovação pura e simples, com a eleição de figuras
novas. O esforço é pela volta de políticos de destaque: ex-ministros,
ex-governadores, ex-senadores e ex-deputados que ocuparam posições importantes
em governos anteriores.
Nesse cenário, seria imprescindível a
manifestação dos candidatos a presidente sobre como pretendem lidar com um
Congresso que faz e acontece — só cumpre decisões judiciais quando quer,
estabelece a destinação de recursos em benefício próprio como bem entende,
entre outras liberdades — e tenciona fazer e acontecer muito mais.
Nenhum dos candidatos disse coisa alguma a respeito dessa desarmonia entre os poderes. Mas quem for governo em 2023 ou tem coragem de enfrentar o tema da reforma de um sistema político-eleitoral caduco, com quase 100 anos de existência, ou cairá na ilusão de que em sua majestosa presença no Planalto será tudo diferente. Não será.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779
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