Apenas vinte e poucas horas entre a alta do
Zé e o horário da fuga. Procedemos assim para ganhar tempo. Quando o Zé viesse
a ter outra crise, o certamente ocorreria, queríamos já estar em Santiago com a
segurança de assistência médica. Nesta mesma tarde contratamos um táxi para nos
deixar na Rodoviária na madrugada seguinte a esta noite. Dissemos às crianças que
passaríamos uma semana em Petrópolis para que nossa saída não chamasse tanto
atenção dos vizinhos. Afinal, estávamos fugindo. Só quando atravessamos a
fronteira, 72 horas depois de termos saído da Rodoviária Novo Rio, Giba se
queixou de como Petrópolis era longe, foi que contamos a verdade.
Até agora não mencionei o fato de que minha
mãe estava comigo. Viera de Recife para me ajudar. Quando comprei nossas
passagens para Porto Alegre, comprei a dela de volta para Recife no mesmo dia e
hora. Era mais uma carga emocional a me atormentar.
Antes de ir para nosso ponto de embarque
rumo ao sul, deixei-a no ponto de ônibus para Recife e nunca mais pude esquecer
seu olhar de despedida. Era como se dissesse: “adeus filha, até nunca mais”.
Viajei com a amarga sensação de que fora a última vez que a vira. Mas não! Ela
resistiu, como vocês verão em outro capítulo. Aproveitou bem os corredores da
clandestinidade e via terceiros, me fazia chegar cartas ao Chile e a Cuba.
Esperou meu regresso e só morreu seis meses depois da nossa volta ao Brasil.
Valeu mãe!
A mãe de Gilvan, minha sogra, não teve a
mesma sorte. Depois de vários anos internada numa clínica de doentes mentais,
faleceu sem nunca mais haver reconhecido o filho que retornara do exílio e por
quem tanto lutara no vai e vem das prisões e auditorias militares do regime. A
guerreira foi embora sem saber que a guerra acabara. Só dois anos depois
pudemos, junto com meus cunhados, acompanhar a retirada dos ossos. Valeu sogra!
(Janeiro, 1984.)
*Crônicas, contos e poemas, p. 34, Abaré Editorial /FAP 2008
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