O Globo
É natural que os gestores se preocupem com
a inflação. Mas a saída dada pelos políticos, além de não ajudar, tem vários
efeitos colaterais
O dragão da inflação voltou a dar voos no
Brasil. Em maio, a inflação acumulada em 12 meses chegou a quase 12%. É verdade
que, desta vez, as causas estruturais da inflação têm um grande componente
exógeno. A reabertura da economia após a recessão do Coronavírus fez com que a
demanda por bens e serviços aumentasse muito mais que a oferta destes.
Ao mesmo tempo, os preços das commodities
dispararam. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), em
maio, os preços dos alimentos subiram, em média, 29% em relação ao mesmo
período do ano anterior; do petróleo, 65%; e do gás natural, 175%.
Os políticos, da direita à esquerda,
apontam o dedo para o inimigo mais visível: o preço dos combustíveis. Esta
semana, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que determina a
redução da alíquota do ICMS que incide sobre os combustíveis – gerando um
benefício fiscal que é equivalente a um subsídio setorial.
Mas há vários problemas neste tipo de medida.
O primeiro é que o impacto da proposta
sobre a inflação pode ser baixo. A queda na alíquota pode ter impacto sobre o
nível de preços no momento da implementação. Mas dificilmente terá grande
impacto sobre a inflação. Ou seja, ainda que os preços dos combustíveis caiam
um pouco hoje, a medida não influencia aumentos futuros, caso os preços
internacionais continuem subindo.
Além disso, dados do IBGE mostram que a
inflação atual é um fenômeno amplo que não está restrito aos combustíveis.
Entre os produtos pesquisados para o cálculo do índice de inflação, cerca de
75% tiveram aumento de preços no último trimestre. Esse número – chamado de
“índice de difusão” da inflação – chegou ao maior valor desde 2016.
Outro motivo é que a perda de recursos
arrecadados por estados e municípios pode significar menor financiamento de
bens públicos como educação, saúde e segurança pública. Alguns estados
subvencionam os recursos do ICMS, de modo que a queda na arrecadação em relação
ao esperado pode se traduzir diretamente em menor recursos para instituições
como a Universidade de São Paulo.
O projeto prevê uma compensação somente se
o valor total arrecadado em ICMS pelos estados cair mais de 5%. Mas, num
ambiente de inflação de dois dígitos, é improvável que isso ocorra. Se a compensação
fosse com base na perda de arrecadação com combustíveis, o peso para os estados
seria menor, mas essa restrição foi rejeitada pela Câmara.
Uma terceira razão é que esse tipo de
subsídio indiscriminado aos combustíveis é regressivo: isto é, beneficia mais
os mais ricos. Como mostra um trabalho dos economistas Kangni Kpodar e Boya
Liu, o custo de vida dos mais ricos sobe mais do que o dos mais pobres após um
aumento no preço da gasolina.
Por isso, subsídios focalizados (por
exemplo, ao gás de cozinha) poderiam proteger o orçamento dos mais pobres a um
custo fiscal menor.
Por último, é necessário considerar os
efeitos ambientais de um subsídio ao combustível fóssil. Produtos que geram
efeitos negativos sobre terceiros – que em economês se denomina de
“externalidades” –, como poluição e gases de efeito estufa, têm seu preço de
mercado abaixo do seu custo social.
Nesse caso, impostos podem ajudar a
corrigir essa distorção. Se a queda nas alíquotas forem permanentes, no médio
prazo, além de estimular danos a terceiros, ela prejudicará alternativas
energéticas que não sejam sujas.
Mas o que é possível fazer em relação ao
preço dos combustíveis? Uma alternativa é criar um mecanismo de suavização dos
preços. Um documento do FMI traz melhores práticas para esse tipo de mecanismo.
Uma possibilidade é uma regra de média
móvel – em que o preço da gasolina no Brasil pode variar conforme a média do
preço internacional do petróleo nos últimos 12 ou 24 meses. Outra é uma regra
de bandas de variação – limitando a variação mensal dos combustíveis a um teto.
Em ambos os casos, o preço é suavizado ao
longo do tempo. Ele vai subir ou descer conforme o mercado, mas não sobe de
forma brusca. Não se cria um subsídio permanente, mas evita-se surpresas, pois
o preço varia conforme uma regra pré-especificada.
É natural que os gestores se preocupem com a inflação. Mas a saída dada pelos políticos, além de não ajudar a reduzir substancialmente a inflação, tem vários efeitos colaterais negativos. Em ano eleitoral, infelizmente, é mais popular o populismo fóssil do que propostas de correção permanente.
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