CPMI é uma arma que pode e deve se voltar
contra Bolsonaro
Valor Econômico
O governo subestimou o poder das forças
antidemocráticas que patrocinaram a aventura de janeiro
Será uma das mais bizarras comissões
parlamentares de inquérito da história - e não por falta de concorrência -, a
que será formada para investigar a aventura golpista de 8 de janeiro. Mais de
1.300 pessoas foram presas pelos atos de vandalismo que destruíram parcialmente
o Palácio do Planalto, a sede do Supremo Tribunal Federal e o Congresso,
executados por apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro, que perdeu
as eleições, não reconheceu sua lisura e não transmitiu oficialmente o cargo.
Representantes dos suspeitos, os parlamentares bolsonaristas, agora aninhados
principalmente no PL, insistiram em convocar a CPMI e, no final, conseguiram.
A CPMI será usada como propaganda de desgaste do governo pelos bolsonaristas e a chance de ela se tornar mais um circo histérico, repleto de fake news, é grande. A tese subjacente à convocação da comissão vem do universo paralelo radical: o governo Lula teria forjado uma tentativa de golpe contra si mesmo. Lula e seus principais assessores, com suas hesitações, contribuíram para turvar o ambiente nítido de responsabilidades pelas arruaças. A cadeia dos fatos que desembocaram nos atos criminosos não deixa dúvidas de que Jair Bolsonaro foi, no mínimo, o responsável intelectual pela tentativa golpista, ao lado de militares em posto de comando no Exército e nos vários órgãos encarregados da inteligência e da segurança de Brasília.
O presidente Lula foi capaz de galvanizar
todo o apoio das instituições, dos governadores e da sociedade civil em repúdio
ao golpe, reforçando a aliança eleitoral plural que venceu o bolsonarismo pelo
voto, ainda que por pequena margem. Mas vacilou quando todos os fatores lhe
eram favoráveis para vencer a insânia bolsonarista, que não hesitou em apostar
em seus delírios e ameaçar com o instrumento parlamentar de investigação,
quando estava acuada na defensiva.
No entanto, a ausência de base governista
pode ter pesado na decisão do governo de evitar a CPMI, embora Lula já houvesse
obtido um crédito de R$ 175 bilhões com a PEC de Transição antes mesmo de
assumir o Planalto, e recebido o sinal de que o Centrão, que sustentara
Bolsonaro, já havia desembarcado da nau do ex-presidente. A rapidez com que
Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, haviam
condenado os golpistas era mais um sinal de que o novo governo tinha garantido
um espaço para ofensiva também no Congresso.
No entanto, o governo deixou a chantagem
direitista da CPMI vagando por aí, até que um vídeo veio à tona, mostrando o
chefe do GSI, general da reserva Gonçalves Dias, ex-secretário de segurança da
Presidência nos dois primeiros mandatos de Lula e do candidato em 2022,
perambulando em meio aos golpistas no Palácio do Planalto em 8 de janeiro. O
vídeo tem vários rostos desfocados, mas não o de Dias, que, segundo Lula, pediu
a seguir exoneração.
O episódio dá algum alento à propaganda de desgaste
feita pela oposição, mas não tem, nem poderia ter, força para mudar os fatos,
que apontam na direção dos seguidores de Bolsonaro. Três parlamentares
elogiaram a iniciativa dos vândalos no dia e escaparam do processo de cassação
por intervenção de Arthur Lira (PP-AL). Uma investigação superficial levará ao
óbvio: as maiores suspeitas da autoria da algazarra golpista recaem sobre o
ex-presidente Jair Bolsonaro, que deverá estar no centro das atenções na CPMI,
bem ao contrário de que seus partidários almejam. Por palavras, atos e
omissões, ele foi o incentivador do tumulto.
O STF iniciou o julgamento dos golpistas,
com ministros formando maioria para tornar réus a primeira leva de 100 acusados
pelos atentados de 8 de janeiro. O TSE já tem tudo pronto para julgar Bolsonaro
no caso da reunião com os embaixadores para difamar as urnas eletrônicas, que
pode torná-lo inelegível - um dos 16 processos contra ele no tribunal. Sem
contar o espetáculo à parte da apropriação das joias das Arábias. Anderson
Torres, ex-ministro de Bolsonaro, está envolvido tanto na desmontagem do
esquema de segurança em 8 de janeiro como de participação na confecção de
minuta de projeto de lei apócrifo que terminaria por impedir a posse de Lula.
O governo subestimou o poder das forças
antidemocráticas. A CPMI, que retardará a agenda econômica do governo no
Congresso, pode, se bem conduzida, catalisar o desfecho de todas as
investigações em curso sobre atos radicais - das fake news aos extremistas do
submundo bolsonarista, e seus chefes.
O Globo
Texto aprovado na Câmara foi primeiro passo
para tornar atividade legal e transparente
Faz 39 anos que o então senador Marco
Maciel protocolou a primeira proposta para regular o lobby, de modo a dar maior
transparência à defesa de interesses de toda sorte diante de políticos e
governantes brasileiros. Desde então houve pelo menos 15 outros projetos, até a
aprovação de um Projeto de Lei pela Câmara em novembro passado.
O Senado precisa aproveitar a oportunidade
para fazer os
ajustes necessários no texto e dotar o Brasil de uma lei capaz
de tirar das sombras a atividade, legalizada em pelo menos 40 países, entre
eles Estados Unidos, Chile, Alemanha e Austrália. Não se deve perder a chance
de estabelecer normas de transparência para regular uma profissão que deveria
ter o mesmo status de qualquer outra — e não pode ser confundida com a
advocacia administrativa, praticada à margem da lei.
De acordo com o projeto, o lobista terá de ser registrado na Câmara, no Senado e em qualquer instituição pública onde queira atuar. Será proibido de oferecer bens e vantagens a qualquer agente público, exceto itens de baixo valor ou despesas com transporte, alimentação e hospedagem para cursos e eventos, pagas diretamente ao prestador do serviço, e não ao agente público, definidas como “hospitalidade legítima”. Quanto a punições, o servidor público pode ser exonerado, e o lobista suspenso ou multado.
Há também a preocupação de conceder
tratamento igualitário a representantes dos diversos interesses existentes em
torno de alguma medida a ser tomada no Executivo ou Legislativo. Faltam, porém,
normas mais concretas para assegurar esse equilíbrio. De acordo com o advogado
Flavio Britto, seria possível obrigar, como no Chile, que sejam ouvidos
defensores de interesses e posições antagônicos.
Vários outros ajustes são necessários para
que o projeto surta o efeito desejado. Falta estabelecer limites objetivos de
valor para brindes e para a “hospitalidade legítima”. É preciso que seja
compulsória a divulgação prévia da audiência de políticos e governantes com
lobistas, informando data, hora e local do encontro. Também é necessário que todas
as autoridades com poder de decisão sejam enquadradas na regra que obriga a
publicar suas agendas com lobistas e determinar a antecedência exigida. O ideal
é a divulgação desses encontros ser a mais ampla possível. O texto, por
enquanto, prevê que as informações estejam apenas no Sistema Eletrônico de
Agendas do Poder Executivo (e-Agendas).
Nos Estados Unidos, primeiro país a
regulamentar o lobby, há proibição vitalícia a quem é ou foi membro do
Congresso de ser lobista. E, para que um profissional possa ser contratado por
algum membro do Legislativo, ele precisa cumprir uma quarentena de seis anos.
Nada parecido foi incluído no texto aprovado na Câmara.
Relator do projeto no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF)
concorda com a necessidade de aprimoramento do projeto. Para isso, convocará
audiências públicas com participação de 13 instituições que debatem a questão
do lobby, além de representantes de estados e municípios. “A ideia é fazer um
projeto que seja realmente nacional”, diz ele. Espera-se que o Senado inicie
quanto antes as audiências. A sociedade tem o direito a conhecer todos os
interesses que se movem nos bastidores do poder. A nova lei fortalecerá a
democracia e contribuirá para tirar o estigma da palavra lobby.
Recuperação dos hospitais federais no Rio
exige uma atitude urgente
O Globo
Relatório do governo comprova a
precariedade de unidades outrora consideradas ilhas de excelência
É dramática a crise que acomete os seis
hospitais federais do Rio, revela um relatório produzido neste ano por uma
comissão técnica do Ministério da
Saúde. O documento corrobora a precariedade relatada por pacientes
que procuram essas unidades para atendimentos médicos de alta complexidade.
Com base em vistorias nos hospitais de
Bonsucesso, do Andaraí, dos Servidores (Centro), de Ipanema, da Lagoa e Cardoso
Fontes (Jacarepaguá), o documento constatou que havia em fevereiro 500 leitos
desocupados (com a reativação de vagas, esse número foi depois reduzido para
252). Apenas nas unidades de Bonsucesso, Andaraí e Servidores, os técnicos
relacionaram 27 setores fechados, alguns ocupando andares inteiros. Entre os
serviços desativados, estavam os mais essenciais, como emergência pediátrica,
unidade coronariana e Centro de Tratamento Intensivo (CTI).
Reportagem do GLOBO revelou que, até a
confecção do relatório, os hospitais não passavam por obras nem avaliação havia
pelo menos sete anos. Setores tiveram de ser desativados devido a equipamentos
deteriorados, escassez de pessoal ou falta de reparos. Apenas no Hospital de
Bonsucesso, segundo maior da rede, 80% dos equipamentos estavam obsoletos.
Gestores, de acordo com o relatório, esperavam as máquinas quebrarem para pedir
a substituição.
Enquanto os hospitais federais agonizam, 8
mil pacientes penam nas filas de cirurgia de alta complexidade do SUS em todo o
estado, segundo estimativa da superintendente de regulação da Secretaria
estadual de Saúde, Kitty Crawford. Ela diz que cerca de 900 entram por mês no
sistema de regulação (Sisreg), mas o SUS só consegue atender 700.
Os combalidos hospitais federais não são o
único gargalo na saúde do Rio. Mas, por serem unidades de alta complexidade
consideradas no passado ilhas de excelência na saúde fluminense, devem ser encarados
como prioridade, pois acabam comprometendo o bom funcionamento do SUS. Mais
relevante que o diagnóstico feito pelo Ministério da Saúde é haver um plano e
orçamento destinado a recuperá-los. É preciso mostrar objetivamente o que será
feito, com metas, prazos e recursos disponíveis.
É inútil culpar o governo anterior pela situação. O desmonte da rede federal é obra de anos, e os governos petistas têm sua parcela de responsabilidade também. Espera-se que o atual governo recomponha as equipes, conserte os equipamentos, conclua as obras necessárias para pôr as unidades em funcionamento e reative os serviços e leitos fechados. É urgente fazer a fila do SUS andar.
Casuísmo trabalhista
Folha de S. Paulo
Supremo ameaça segurança jurídica com volta
de contribuição sindical obrigatória
O Supremo Tribunal Federal ameaça
retroceder num princípio fundamental da reforma da legislação trabalhista
aprovada em 2017. Em votação virtual, já são três magistrados a manifestar a
preferência por reverter a
decisão anterior em favor da constitucionalidade do fim de contribuições
obrigatórias cobradas por sindicatos.
Numa reviravolta em tema que tem menos de
cinco anos, o ministro
Gilmar Mendes mudou seu posicionamento até então favorável ao fim da cobrança
compulsória —o que se adequa aos interesses do governo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) e do sindicalismo aliado, em detrimento da segurança
jurídica fundamental para o país.
Como justificativa, magistrados da corte
invocam uma diferenciação entre contribuição sindical e outra assistencial
—esta destinada ao custeio de negociações coletivas e que poderia ser cobrada
mesmo de não filiados que são beneficiados por elas.
Seria fundamental, segundo Gilmar, alinhar
a decisão aos mandamentos constitucionais, que asseguram a existência do
"sistema sindicalista" e conferem "especial relevância às
negociações coletivas", que afetam todos os trabalhadores,
independentemente de filiação.
A concessão, alinhada ao voto proferido
pelo ministro Luís Roberto Barroso, é garantir um vago direito de oposição ou
retirada.
Inverte-se, na prática, o princípio da
reforma. Em vez de optar por pagar, o trabalhador precisará se mover para que
não seja cobrado. Não resta evidente, porém, como tal direito poderá ser
exercido nem se valerá individualmente mesmo em caso de aprovação da cobrança
em assembleia.
Para valorizar a liberdade de associação do
empregado, considerada nos votos um princípio caro ao tribunal, em vez de
garantir o custeio das estruturas atuais, o melhor seria abrir espaço para a
concorrência, incluindo o fim da unicidade constitucional.
Além disso, cobrar a contribuição apenas
dos trabalhadores que a autorizassem —e, nesse caso, somente estes deveriam se
beneficiar de qualquer negociação.
A prevalecer o novo entendimento, será
afrontado um aspecto basilar da legislação aprovada pelo Congresso Nacional com
o intuito de impulsionar a criação de empregos com carteira assinada —e a
emergência de sindicatos que efetivamente prestem serviços.
Politicamente, ademais, o governo Lula
estará poupado de discutir com o Congresso a revogação de aspecto tão crucial
da reforma trabalhista. Eis uma notável coincidência temporal.
O arcaico imposto sindical carreava
dinheiro fácil para as burocracias sindicais. A volta da cobrança a princípio
válida para todos, mesmo ressalvada a possibilidade de opção em contrário do
não filiado, em nada contribuirá para a modernização do sistema.
Ainda o MST
Folha de S. Paulo
Grupo avança sobre cargos e verbas, mas
falta discutir mérito da reforma agrária
À primeira vista, pode parecer
incompreensível que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tenha
intensificado as invasões de propriedades no governo aliado de Luiz Inácio Lula
da Silva (PT), depois de manter atuação acanhada sob Jair Bolsonaro (PL).
Boa parte da explicação deve ser buscada na
reação do Palácio do Planalto às ações criminosas na semana que passou. Entre
um resmungo e outro, a
administração petista tratou de substituir 20 dos 27 superintendentes do Incra,
órgão responsável pela reforma agrária, atendendo às cobranças do MST.
O movimento também conseguiu um espaço na
concorrida agenda do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, para apresentar
pleitos como juros menores para os produtores e mais verbas para o Incra.
Somente neste sábado (22), após
determinação judicial, os sem-terra
deixaram uma área de pesquisa da estatal Embrapa em Pernambuco,
invadida uma semana antes. A marcha rumo ao aparelho do Estado, porém, vai
prosseguir.
É direito de qualquer movimento social,
obviamente, fazer suas reivindicações —respeitando os limites da lei e se
valendo dos canais da democracia. O que se perde na relação umbilical entre MST
e PT, mal disfarçada pelos queixumes dos dois lados, é o debate de mérito da
reforma agrária.
Deve-se questionar se faz sentido empregar
recursos públicos escassos para elevar a população rural, num país de
crescentes urbanização e produtividade agrícola, ou se outras ações de governo
seriam mais eficazes. Também seria elucidativo fazer um inventário dos
resultados já obtidos.
Cumpre recordar que, não mais de sete anos
atrás, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou uma paralisação do
programa. Haviam sido encontrados indícios de irregularidades em 479 mil
beneficiários da reforma, quase um terço do total de assentados.
Entre os contemplados haveria funcionários
públicos, empresários, políticos detentores de mandatos e até pessoas mortas.
Na época, o Incra atribuiu as discrepâncias a problemas nos cadastros.
Não se trata de descartar a reforma agrária, mas de submetê-la aos critérios que devem guiar todas as políticas públicas. O que se vê por ora é apenas um avanço interesseiro sobre cargos e verbas.
Invasões premiadas
O Estado de S. Paulo
Governo petista recompensa os crimes do
bando como se fossem legítimos
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) está em casa, totalmente confortável para prosseguir com a sequência de
invasões de propriedade Brasil afora em um esforço concentrado de continuidade
delitiva a que chama de “Abril Vermelho”. Pudera. A deferência que o presidente
Lula da Silva prestou ao notório chefão do grupo, o sr. João Pedro Stédile, ao
integrá-lo à comitiva da viagem oficial à China, não sinalizou outra coisa
senão um endosso explícito do governo aos seus métodos truculentos, seja por
afinidade ideológica, seja por esqualidez moral.
A tibieza do governo Lula para impedir as
invasões tem facilitado muito a vida dos criminosos. O MST tornou reféns
ninguém menos que o presidente da República, com quem mantém relações próximas
e longevas, e alguns de seus ministros. Ou as reivindicações do movimento são
atendidas prontamente pelo governo ou o bando recorre à violência diante dos
olhos complacentes do Planalto. Isso é inaceitável à luz da razão, do interesse
público, da paz social e, principalmente, da ordem jurídica.
Na segunda-feira passada, integrantes do
MST tornaram a invadir fazendas produtivas de eucalipto da Suzano Papel e
Celulose, dessa vez em Aracruz (ES). Propriedades da empresa localizadas em
três municípios do sul da Bahia já haviam sido invadidas em março. No dia 16 de
abril, o MST também lançou suas garras sobre uma propriedade da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Petrolina (PE).
A Embrapa é um centro de referência
internacional em pesquisas para o desenvolvimento do setor agropecuário. Em grande
medida, o agronegócio brasileiro é a potência que é em virtude da prolífica
produção científica da empresa ao longo de 50 anos de existência. Invadir um
centro tecnológico como o de Petrolina é tudo menos a “ocupação de terras
improdutivas”. É crime, é negacionismo científico, é emprego de violência como
método de afirmação política. Convém ter isso em perspectiva sempre que os
vocábulos “MST” e “democracia”, seja por desatenção ou má-fé, aparecerem
associados em uma mesma frase.
O objetivo do MST com todas essas invasões
era pressionar o governo a mudar a gestão de superintendências regionais do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que ainda têm à
frente pessoas indicadas pelo governo Jair Bolsonaro. Confrontado, ao invés de
exigir a imediata desocupação das terras invadidas e exortar o MST a abrir mão
de seus métodos truculentos para, então, trazer seus representantes à mesa de
negociação, o governo cedeu à lógica do terror e atendeu à demanda dos
invasores com extrema facilidade.
Na mesma noite da invasão da unidade da
Embrapa em Pernambuco, o governo publicou no Diário Oficial da União os nomes
de sete novos superintendentes regionais do Incra – cinco deles indicados pelo
MST. Ou seja, o governo aparelhou a autarquia federal com militantes do MST, o
que traz riscos para a garantia do direito constitucional à propriedade, gera
insegurança jurídica e, como se não bastasse, afasta investidores. Ademais,
trata-se de uma inequívoca captura de órgão de Estado por um grupo de interesse
particular.
Houve quem condenasse publicamente as
invasões do MST de forma mais incisiva no governo, como o ministro da
Agricultura, Carlos Fávaro. Em uma rede social, Fávaro escreveu que as invasões
são “inaceitáveis” e que atentar contra pesquisas científicas da Embrapa “está
muito longe de ser ocupação, luta ou manifestação, é crime”. Mas ficou por isso
mesmo. Seu colega de Esplanada, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo
Teixeira, limitou-se a dizer que “está em diálogo com a Presidência da República
na elaboração de medidas para a retomada do Programa Nacional de Reforma
Agrária, paralisado nos últimos anos”. Só faltou pedir um agradecimento pelo
esforço.
Ao ser tão condescendente com essa escalada
de esbulhos promovidos pelo MST, o governo, ao fim e ao cabo, premiou as
invasões e aumentou significativamente o custo político para impedi-las no
futuro. Com tanta facilidade para violar a lei, o que haveria de parar seus
militantes?
Educação, emergência nacional
O Estado de S. Paulo
A oportuna reunião das principais
autoridades do País para reagir aos ataques a escolas é o tipo de mobilização
que se espera também para superar a baixa qualidade do ensino
A reunião convocada pelo presidente Lula da
Silva para tratar da onda de ataques a escolas lotou um dos salões do Palácio
do Planalto na semana passada. A presença dos chefes dos demais Poderes ao lado
de ministros, governadores e prefeitos foi um claro sinal da relevância do tema
− e da oportuna decisão do poder público de somar forças para dar um basta a
uma violência inaceitável.
O terror que tomou conta das escolas nas
últimas semanas, depois do assassinato de uma professora em São Paulo e de
quatro crianças em Blumenau (SC), exige que as autoridades se articulem para
responder à altura. É bom sinal que ao menos demonstrem disposição de fazer
isso, e roga-se que tal esforço tenha caráter permanente. Mas não pode passar
despercebido que tamanha mobilização, na verdade, tinha de ter acontecido
antes.
A integridade e a segurança do ambiente
escolar, por óbvio, são premissas de qualquer pacto civilizatório, bem como a
qualidade do ensino e a formação que se oferece às novas gerações. O Brasil,
contudo, sofre de uma incapacidade crônica de garantir níveis adequados de
aprendizagem à maioria da população sem que isso desperte o senso de urgência e
prioridade que o tema requer.
A falta de qualidade na educação,
lamentavelmente, é um mal que solapa as chances de desenvolvimento do País,
verdadeiro pacto com o atraso, e também reduz o horizonte de crianças e
adolescentes, cada vez mais prisioneiros do mundo virtual das redes sociais,
que em geral privilegiam a violência e alimentam o tribalismo em detrimento da
cultura geral, do conhecimento genuíno e da razão.
A cena das autoridades reunidas em busca de
saídas para a violência nas escolas é sinal positivo − mas foi preciso morrerem
crianças com machadadas na cabeça para que os dirigentes da República
interrompessem seus afazeres e voltassem a atenção para o que se passa no
ambiente escolar. Tal mobilização, se for para valer, bem que poderia inspirar
novas atitudes por parte dessas mesmas autoridades em relação às falhas
estruturais do ensino no País. Afinal, o que se viu na reunião de altas
autoridades da República para discutir violência nas escolas é exatamente o
tipo de mobilização que se espera para assegurar a melhoria da qualidade da
educação. Um salto que o Brasil não pode mais adiar.
Note-se que a tragédia educacional
brasileira é um processo longo e tem raízes profundas. Um drama que se
desenrola silenciosamente no cotidiano das redes de ensino. Tais
características talvez expliquem, pelo menos em parte, por que sucessivos
governos falham nessa área tão estratégica e tudo parece ficar por isso mesmo.
Como se o País sofresse de uma miopia que o impede de alçar a vista e mirar o
longo prazo. Ora, transformar a educação brasileira demanda iniciativas que não
necessariamente produzirão dividendos políticos até as próximas eleições − o
horizonte que infelizmente costuma guiar quem ocupa o poder. De fato, são
mudanças que levam tempo para se consumar e gerar resultados. Eis uma pista
para explicar a falta de urgência, por assim dizer, com que o tema é tratado.
Crianças não votam.
Se o Brasil pretende, de fato, virar um
país desenvolvido, a agenda educacional precisa ir para o topo das prioridades.
Não apenas na letra das leis ou nos discursos oficiais. O primeiro desafio é
justamente tirar do papel e fazer valer o que a legislação prevê. A começar
pelo que está escrito na própria Constituição, que define claramente três
grandes objetivos para a educação brasileira, a saber: o pleno desenvolvimento
de cada indivíduo, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação
para o mundo do trabalho.
Bem, nada mais longe da realidade num país
onde boa parte das crianças não é alfabetizada na idade certa; onde nove em
cada dez alunos da rede pública não atingem níveis adequados de aprendizagem de
matemática; onde a evasão escolar é uma verdadeira máquina de exclusão; e onde
a maioria dos jovens que concluem o ensino médio não tem acesso a cursos
técnicos − e deixa a escola sem formação para conquistar um emprego. O pior é
constatar que tal cenário, de consequências desastrosas no curto, médio e longo
prazos, não faça soar o alarme de emergência nacional. Nem dê origem a reuniões
extraordinárias.
O Estado contra a violência de gênero
O Estado de S. Paulo
Governo e Congresso tomam boas iniciativas
para proteger a mulher, mas é preciso fazer valer a lei
O Brasil tem registrado um aumento dos
casos de violência de gênero. Mulheres são agredidas no País há muito tempo,
mas, ao que parece, é cada vez maior o número de vítimas que vencem o medo e
denunciam seus algozes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas
em 2022 mais de 18 milhões de mulheres foram vítimas de todos os tipos de
violência, da injúria ao assassinato, passando pelo assédio sexual, cárcere
privado e tráfico para fins de prostituição, entre outros crimes.
Por óbvio, o Brasil está distante de ser um
lugar extremamente hostil às mulheres como são Afeganistão, Iêmen e Sudão do
Sul, para citar só três países onde nascer mulher pode ser uma sentença de
morte. Porém, não há de ser essa a régua de comparação para uma sociedade
civilizada. Todo brasileiro decente deve encarar como vergonha nacional o fato
de 50 mil mulheres serem atacadas por dia no País – e pouco ser feito para
alterar essa lastimável realidade.
Uma das saídas – talvez a mais importante,
mas não a única – é a força do Estado tanto na repressão à violência de gênero
como na conscientização para um problema que só se agrava. Nesse sentido, fez
bem o presidente Lula da Silva ao sancionar, no dia 4 passado, três leis que
podem conter essa escalada de casos de violência contra as mulheres no País.
A Lei 14.540, que institui o Programa de
Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual no âmbito da administração pública,
tem foco na educação de servidores. A lei define as condutas caracterizadas
como violência contra as mulheres, com base no Código Penal e na Lei Maria da
Penha, e estabelece ações de capacitação de agentes públicos para identificar e
prevenir a violência de gênero. Recentes casos de assédio sexual na Caixa e na
Petrobras evidenciam a pertinência dessa lei.
Já a Lei 14.541 dispõe que as Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) funcionem ininterruptamente,
inclusive em finais de semana e feriados. Custa crer que foi necessária uma lei
de 2023 para garantir atendimento 24 horas às mulheres vítimas de violência,
quase 40 anos depois da criação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher no
País, em São Paulo, em 1985.
Por fim, Lula sancionou a Lei 14.542, que
prevê que “mulheres em situação de violência doméstica e familiar” terão
prioridade no atendimento pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine). De acordo
com o texto, elas terão direito a 10% das vagas oferecidas pelo Sine. Sem
dúvida, facilitar a ocupação dessas mulheres é uma medida muito bem-vinda, pois
não raro as vítimas se veem presas no ambiente de violência pela dependência
financeira de seus agressores.
Congresso e Presidência caminharam na direção correta ao dotar o País de novos instrumentos legais para combater a violência contra as mulheres. No entanto, o papel aceita tudo, como se diz. Enquanto a Polícia Civil e o Poder Judiciário não agirem com a velocidade que as vítimas precisam e não punirem exemplarmente todo e qualquer agressor de mulheres, o Brasil seguirá lamentando estatísticas e famílias continuarão a ser destruídas.
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