Folha de S. Paulo
A CPI será a arena para o Jogo da Culpa e
aumenta o custo do apoio de Lira
Uma regularidade empírica já bem
estabelecida na ciência política é que há um viés de negatividade na vida
política. Os atores políticos preocupam-se menos com a reivindicação de crédito
por ações benéficas do que com a negação de culpa por eventos com consequências
negativas. O viés está associado à maior saliência dos custos em relação aos
benefícios nos processos de decisão individual.
Em estudo experimental recente, Joshua Robison demonstrou que as estratégias de transferência de culpa são muito menos efetivas quando são oferecidas contra narrativas para os eventos negativos, comparadas com os casos em que não são oferecidas, controlando pelo grau de credibilidade das fontes (e se elas são independentes ou partidárias).
Esses achados são úteis para pensar o atual
governo. Lula iniciou o mandato antecipando a transferência, para o presidente
do Banco Central, da responsabilidade pelo esperado desempenho pífio da
economia, devido ao contexto bastante desfavorável tanto do ponto de vista
fiscal doméstico como internacional (pela alta de combustíveis e alimentos,
taxa de juros e outros). À primeira vista, a estratégia é contraintuitiva:
afinal, a sequência esperada do ciclo
político do gasto é primeiro austeridade, depois expansão. Essa
inversão deve-se a fatores como a pequena margem de vitória nas eleições, a
polarização e o tamanho da oposição. Teme-se uma revolta popular se a economia
der com os burros n’água. A experiência de austeridade de Dilma e de diversos
presidentes latino-americanos —sobretudo o colapso econômico de Alberto
Fernández, na Argentina— pesa.
Lula ganhou um bônus político excepcional:
o assalto à praça dos Três Poderes, que criou incentivos para que dobrasse a
aposta no plano internacional. Como argumentei aqui,
Lula esperava colher as frutas fáceis de colher na política externa e assumia
que no plano doméstico o jogo já estaria ganho. A situação se complicou muito
nos dois fronts: em vez de atribuir culpa, Lula agora é que está tendo que se
explicar.
A divulgação das imagens da invasão do
palácio presidencial transformou o bônus em ônus e impactou fortemente o
"Jogo da Culpa", na expressão de Christopher Hood.
O primeiro efeito é que elas forneceram oportunidade para que a oposição
mobilize um contra-argumento. A CPI será a arena onde o jogo da atribuição de
culpa terá lugar. O segundo efeito é que o valor relativo do apoio do
superbloco de Arthur Lira subiu muito: qual o preço a ser pago para que
controle a CPI a favor do governo?
Nada disso causa surpresa: Lira ofereceu um
escudo legislativo para Bolsonaro em situação de vulnerabilidade
similar. O inverno veio mais cedo que o esperado.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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