segunda-feira, 24 de abril de 2023

Irapuã Santana - Violência, educação e discurso

O Globo

Alunos de unidades que passaram por seis ou mais operações policiais em 2019 apresentaram redução de 64% no aprendizado

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina que os sistemas de educação básica tenham, no mínimo, 200 dias letivos para a garantia de um calendário efetivo de atividades docentes.

Uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) diz que 74% das escolas municipais cariocas vivenciaram ao menos um tiroteio no entorno em 2019, relacionando dados do Instituto Fogo Cruzado aos fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação do Rio sobre operações policiais próximas das escolas. O fato mais aterrorizante é que 232 unidades vivenciaram 21 ou mais tiroteios (uma em cada cinco).

Mas não para por aí. Entre os dias 7 de fevereiro e 6 de abril deste ano, as operações policiais na cidade do Rio de Janeiro afetaram 80 mil alunos e 243 escolas. Nesses dois meses, as escolas acionaram o protocolo de segurança em tiroteios 1.322 vezes.

Obviamente, o impacto disso na aprendizagem é profundo. Segundo a pesquisa, alunos de escolas que testemunharam seis ou mais operações policiais em 2019 apresentaram uma redução de 64% no aprendizado esperado em um ano em língua portuguesa. Se analisarmos conteúdos de matemática, a perda é de todo o aprendizado do ano letivo.

O efeito psicológico na trajetória individual, coletiva e familiar dessas crianças e adolescentes é evidente, considerando que o primeiro lugar de proteção é a casa e o segundo a escola.

Há um aspecto igualmente chocante: o déficit de aprendizagem apenas no 5º ano tem consequências na vida produtiva dos pequenos cidadãos. Gera uma perda financeira de R$ 24.698. O cálculo foi feito considerando o rendimento do trabalho obtido ao longo da vida produtiva, dos 16 aos 65 anos.

É importante lembrar como isso afeta também todos os funcionários da escola. Elaborada em 2017, a cartilha com o Plano de Contingência foi uma resposta à frequência e à intensidade das operações policiais que a favela de Manguinhos vivia àquela altura.

— A interrupção da circulação de trens [que dão acesso à escola], o sobrevoo de helicópteros, as rajadas de armas pesadas e o barulho de bombas que pareciam de filmes de Vietnã eram nossa rotina — conta o professor de História José Mauro da Conceição, que também já foi diretor de colégio estadual em São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Nessa época, uma bala entrou pela janela da escola e ficou cravada na parede, no posto de trabalho de uma funcionária, à altura de sua cabeça. Ela estava de férias na ocasião. Quando retornou e viu a marca do tiro, teve uma crise nervosa.

— Ela chorava imaginando a possibilidade de não estar de folga no momento, precisou ser atendida no posto médico e, como muitos outros, deixou a escola um tempo depois. Aquilo acabou com ela.

Todo mundo fala que a educação é o futuro, mas também é preciso abrir os olhos para enfrentar concretamente os desafios gigantescos que se impõem diante de nós, para além dos discursos vazios.

 

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