Por O Globo
Pesquisas apontam que o Alternativa para a
Alemanha (AfD), fundado em 2013, é a segunda força do país neste momento,
apesar de suas relações com pautas e figuras neonazistas
A cúpula política e institucional alemã
avalia como recrudescer a oposição ao partido de extrema direita Alternativa
para a Alemanha (AfD),
cuja popularidade vem crescendo em ritmo alarmante apesar de sua relação com
figuras e pautas neonazistas. Forças tradicionais procuram formas de minar o
avanço da legenda, que alcançou a segunda colocação em intenções de voto em
pesquisas de opinião recentes, discutindo até mesmo a possibilidade de
banimento da sigla por incompatibilidades com a ordem constitucional do país.
Em um discurso no Parlamento nesta
quarta-feira, o chanceler Olaf Scholz classificou
o AfD como "um esquadrão de demolição" do país ao argumentar que as
propostas da legenda para romper com a União Europeia ou impor barreiras aos
seus países-membros comprometeriam o desenvolvimento econômico alemão. A fala
ocorreu durante a sessão de abertura do Legislativo sobre o Orçamento, em um
momento em que o pessimismo sobre o futuro do país aumenta.
— A maioria dos cidadãos sabe que a autodenominada 'Alternativa' é na realidade um comando de demolição, um esquadrão de demolição para o nosso país. A nossa prosperidade está intimamente ligada à União Europeia, e é por isso que os apelos a novas barreiras entre os Estados-membros, a um desmantelamento da UE e a um desmantelamento radical do Estado de bem-estar social nada mais são do que a destruição desenfreada da prosperidade — disse Scholz, referindo-se aos apelos ao nacionalismo do AfD na pauta econômica.
A tentativa de vincular o AfD a possíveis
consequências econômicas negativas vem em um momento em que a própria coalizão
liderada pelo Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz enfrenta um período de
recessão, turbinado pela pressão inflacionária e aumento dos gastos públicos em
decorrência também da guerra na Ucrânia. De acordo com previsões do Fundo
Monetário Internacional (FMI), a Alemanha deve ser a única grande economia do
mundo a encolher em 2023. Se a estratégia terá impacto no eleitorado ou não,
ainda não é possível avaliar, mas vem em um momento que a desconfiança com a
situação financeira corrói a popularidade dos governistas, e o apoio ao AfD
cresce.
Pesquisas publicadas nas últimas semanas
mostram que o partido fundado em 2013 já é a segunda força do país. De acordo
com um levantamento publicado pelo jornal Bild, no último domingo, o AfD tem
21% das intenções de voto, sendo superado apenas pela coalizão CDU/CSU,
principal força política alemã no pós-Segunda Guerra, dirigida até recentemente
por Angela Merkel, que apareceu com 27%. O SPD de Scholz teve 18%. Somada, a
"coalizão semáforo" (referência as cores dos partidos, amarelo, verde
e vermelho) teria hoje 38% dos votos (13% dos Verdes e 7% do Partido
Democrático Liberal, FDP). O cenário é similar ao exposto pela pesquisa
ARD-DeutschlandTrend, divulgada na semana passada, que mostra o CDU/CSU em
primeiro, com 29%, AfD em segundo, com 22%, e SPD em terceiro, com 16%. O
semáforo, como um todo, atingiria 36%.
Embora o avanço da AfD esteja no cálculo
político de todas as forças tradicionais alemãs, uma estratégia unificada está
longe de existir. Recentemente, em julho, o líder da União Democrata Cristã
(CDU), Friedrich Merz, precisou se retratar após declarar que se um prefeito do
AfD fosse eleito em alguma cidade do país, era "natural ter que encontrar
maneiras de continuar trabalhando juntos naquela cidade". O alvoroço
provocado até mesmo entre aliados, em um país onde uma hipotética cooperação
com a extrema direita é vista como um tabu, forçou Merz a recuar e deixar uma
mensagem clara: "Não haverá cooperação entre a CDU e a AfD no nível
municipal", escreveu um dia depois.
Enquanto Angela Merkel esteve à frente da
Alemanha, CDU/CSU e SPD governaram juntos em várias oportunidades, incluindo o
último mandato da chanceler, quando Scholz decidiu concorrer sozinho. Desde
então, os partidos fazem oposição um ao outro no Parlamento e em eleições
regionais — embora o crescimento do AfD possa forçar as siglas a voltarem a se
entender.
Na quarta-feira, Scholz fez um apelo aos
conservadores a se unirem por um "pacto para a Alemanha" para
aprovarem em conjunto reformas de aceleração da modernização do país.
— Só juntos poderemos eliminar o mofo da
burocracia, a aversão ao risco e o desânimo que se instalou no nosso país ao
longo dos anos — disse ele.
No entanto, mesmo que a união das
principais forças políticas do país seja suficiente para bloquear o AfD em um
futuro governo federal, o aumento da votação pode dar mais influência a suas
pautas eurocéticas, de linha-dura a imigrantes e negacionistas da mudança
climática no Parlamento. Além disso, um avanço sobre governos locais não pode
ser descartado. O partido venceu sua primeira eleição de prefeitura em
Raguhn-Jessnitz, uma cidade com cerca de 9.000 habitantes na região da
Saxônia-Anhalt, leste do país. Antes, a AfD havia conquistado a presidência do
cantão de Sonneberg, na região oriental da Turíngia. Alguns vilarejos alemães
já tiveram prefeitos do AfD no passado, mas eram cargos voluntários que
combinavam com empregos remunerados.
Neste cenário, cada vez crescem mais vozes
fora da política partidária defendendo uma solução mais radical para com o
partido. Em um editorial publicado no começo do mês passado, a revista Der
Spiegel defendeu o banimento dos "inimigos da Constituição",
argumentando ser necessário utilizar "armas mais afiadas" para
proteger a democracia alemã.
As preocupações com o risco à democracia
representados pelo AfD não são em vão. Integrantes do partido já foram
flagrados fazendo gestos e usando slogans de orientação nazista, além de o
Judiciário ter autorizado a investigação de células da legenda pelos serviços
de segurança do país. No ano passado, o Tribunal Administrativo de Colônia
concluiu haver “indicações suficientes de objetivos anticonstitucionais dentro
da AfD”, autorizando o Gabinete Federal para a Proteção da Constituição (BfV) a
reconhecê-lo como uma suspeita de ameaça à democracia. Em um estudo publicado
no começo do mês passado, o Instituto Alemão para os Direitos Humanos concluiu
que as condições para a proibição do AfD já estariam reunidas, e seu banimento
poderia ser executado pelo Tribunal Constitucional Federal.
De acordo com o instituto, o próprio
programa do partido visa abolir a garantia da dignidade humana e a ordem básica
democrática livre. A organização também mencionou falas de um líder partidário
que evocou ideiais nazistas: Em junho, o líder regional do partido na Turíngia,
Bjorn Höcke, tornou-se alvo de um processo judicial por ter proferido um slogan
nazista durante uma manifestação. Ele teria utilizado a frase "Alles für
Deutschland!" ("Todos pela Alemanha!"), utilizado pela organização
paramilitar nazista "Sturmabteilung".
A proibição de um partido político popular, mas com traços neonazistas, não seria um fato inédito na zona do euro. Em 2020, a Justiça da Grécia baniu o Aurora Dourada, sigla neonazista que viveu seu auge em 2012, ao eleger 21 parlamentares no Congresso grego. Com pautas extremistas e integrantes envolvidos em atividades criminosas, incluindo homicídios de ativistas de esquerda e imigrantes, a legenda foi considerada uma organização criminosa pela Suprema Corte do país, e seus líderes foram presos. Neste ano, uma de suas lideranças tentou lançar um novo partido para participar das eleições gerais, mas foi impedido pelas autoridades.
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