quinta-feira, 7 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Resgate do 7 de Setembro ajuda a unir o Brasil

O Globo

Data oferece oportunidade de reconciliar um país cindido pela conflagração política e pelo golpismo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende aproveitar os festejos do 7 de Setembro para cultivar a ideia de união nacional e ressaltar o papel das Forças Armadas na democracia brasileira. Com o slogan “democracia, soberania e união”, o evento previsto para hoje na Esplanada dos Ministérios será decorado com as cores verde e amarelo. Sem discursar, Lula pretende resgatar o papel institucional da data depois das atitudes vexatórias de Jair Bolsonaro nos últimos dois anos.

Em 2022, Bolsonaro fez do 7 de Setembro um palanque eleitoral. Pediu votos, atacou Lula, o Judiciário, evocou o golpe militar de 1964 e nem citou o Bicentenário da Independência, motivo da celebração naquele ano. As principais autoridades de República se negaram a fazer parte da farsa. Convidados, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Supremo Tribunal Federal (STF) na época, Luiz Fux, não compareceram. Os três tinham na memória os episódios do ano anterior, quando Bolsonaro usara o 7 de setembro de 2021 para pregar desobediência ao Judiciário, imprecar contra o ministro do STF Alexandre de Moraes, ameaçar Fux e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Como a comemoração deste ano acontece num momento em que investigações revelam o envolvimento de militares da ativa e da reserva em tramas golpistas, faz bem Lula em ressaltar que as Forças Armadas, como instituição, se mantiveram leais à Constituição de 1988. No 8 de Janeiro não foram registradas movimentações atípicas em nenhum quartel, base aérea ou naval. Ainda que Bolsonaro tenha promovido uma irresponsável politização das três Forças, o Alto Comando não sucumbiu à tentação autoritária.

Para além das suspeitas vergonhosas que pesam contra militares próximos de Bolsonaro — como o caso da venda das joias sauditas—, o mais grave foi a conspiração para quebrar a ordem constitucional, tendo como alvo as principais instituições da República. Aqueles que cometeram crimes ou irregularidades — sejam civis ou militares — devem responder à Justiça, inclusive Bolsonaro, uma vez que esteja provado seu envolvimento e desde que seja respeitado o devido processo legal.

O trabalho a fazer para evitar que novas ameaças à democracia se repitam inclui mudanças nas regras sobre a participação de integrantes das Forças Armadas em eleições e no governo. Uma Proposta de Emenda à Constituição em gestação no Ministério da Defesa prevê que o militar seja transferido para a reserva ao registrar uma candidatura (atualmente a transferência somente acontece em caso de vitória). Outra proposta é proibir que militares ocupem cargos de ministro enquanto estiverem na ativa. O Congresso não pode se furtar a debater tais restrições, sob pena de manter um ambiente tolerante com o uso político dos militares.

Passados oito meses desde a tentativa de golpe do 8 de Janeiro, o país tem a chance de comemorar sua Independência, resgatar o verde e o amarelo e usar os arredores da Praça dos Três Poderes, em Brasília, como cenário de celebração, não de vandalismo. A cerimônia de 2023 terá um significado especial se unir todos os brasileiros cientes da importância da democracia, independentemente de preferências políticas.

Decisão do Supremo sobre Guardas Municipais auxilia combate ao crime

O Globo

Ao julgá-las parte do sistema de segurança pública, STF contribui para preencher vácuo jurídico

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar as Guardas Municipais parte do sistema de segurança pública é importante para acabar com o vácuo jurídico no setor e permitir um planejamento melhor das ações em cidades fustigadas pelo aumento da criminalidade. O julgamento, numa ação movida pela Associação das Guardas Municipais, sob alegação de que decisões judiciais não reconheciam os guardas como agentes de segurança pública, foi desempatado pelo voto do ministro Cristiano Zanin. Ele se juntou aos ministros Alexandre de Moraes (relator), Luiz Fux, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.

Prevaleceu o entendimento do relator, segundo o qual decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinham limitando a atuação das guardas, impedindo ações de patrulhamento e busca pessoal (revista), por considerar que os agentes não faziam parte do sistema de segurança. Moraes ressaltou que o quadro normativo brasileiro é claro “quanto ao reconhecimento das Guardas Municipais como órgãos de segurança pública” e lembrou que o próprio STF já autorizara o porte de arma aos guardas.

Moraes argumentou ainda que as Guardas Municipais já têm entre suas atribuições o poder e o dever de prevenir e coibir, pela vigilância, infrações penais ou administrativas que atentem contra os bens, serviços ou instalações municipais. “Trata-se de atividade típica de segurança pública exercida na tutela do patrimônio municipal”, afirmou o ministro.

É bom lembrar que a Guarda Municipal não substitui a polícia, mas obviamente é parte do sistema de segurança pública. Seria um equívoco não aproveitá-la para dar mais tranquilidade aos cidadãos, especialmente num momento em que crimes de pequena monta explodem nas ruas das cidades brasileiras. Números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que em 2022 quase 1 milhão (999.223) de celulares foram roubados ou furtados no país, aumento de 16,6% em relação a 2021 — quase dois a cada minuto. Esses são apenas os casos registrados, num crime cuja subnotificação é gigantesca. Mesmo quando não há violência, como em furtos, tais delitos afetam a percepção de segurança.

Historicamente, os guardas municipais têm desempenhado papel ligado à proteção do patrimônio, a ações no trânsito — ainda que gradativamente substituídos por equipamentos eletrônicos — e à fiscalização das normas municipais, como comércio ambulante ilegal. Poderiam fazer mais. Não se espera que se envolvam em operações policiais em áreas conflagradas, mas podem ser úteis no patrulhamento de proximidade, em que a simples presença do agente inibe crimes, dando mais tranquilidade aos moradores. Poderão agora também abordar suspeitos. Os municípios terão o dever de treinar melhor suas guardas para não expor seus integrantes ou cidadãos a riscos por inépcia. Em qualquer sistema de segurança, cada instituição tem seu papel. A Guarda Municipal também, mas precisa se limitar a ele.

7/9 de volta

Folha de S. Paulo

Sequestrada sob Bolsonaro, data precisa se converter em momento de união

O Brasil, se tudo correr bem, voltará a ter neste 7 de Setembro um feriado normal, uma data festiva para comemorar a Independência que ora completa 201 anos e um momento de reflexão sobre o futuro que se espera para o país.

Num gesto trivial, mas que soa louvável na comparação com o governo anterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definiu como slogan das celebrações uma tríade oportuna para a conjuntura: democracia, soberania e união.

Pretende-se, com o destaque aos três conceitos, ressaltar o caráter cívico de um evento por vezes marcado pela militarização, alardear a preservação da floresta amazônica como sinal de autoridade territorial e reforçar o sentido de congraçamento por trás dessa festividade.

Não há como negar o acerto simbólico dessas escolhas, todas em direção oposta à dos últimos anos.

Durante a gestão Jair Bolsonaro (PL), foram constantes os ataques ao Estado democrático de Direito, às áreas de proteção ambiental e às tentativas de conciliar os diversos pontos de vista de uma sociedade complexa como a brasileira.

Chegou-se ao extremo, em 2021, de fazer do 7 de Setembro uma oportunidade para ameaçar o Supremo Tribunal Federal, incitar os cidadãos a desobedecer decisões de magistrados e propalar seu pendor cesarista ao bradar que só sairia morto da Presidência da República.

No ano seguinte, Bolsonaro sequestrou o feriado para propósitos eleitorais, como se a data, em vez de se prestar ao debate entre diferentes setores que buscam alguma coesão, pudesse ser transformada em palanque para fins particulares e divisionistas.

Ainda que seja inevitável —embora não elogiável— que um governante utilize ocasiões dessa natureza para realçar temas caros à sua administração, é indefensável fazê-lo na forma de um ato explícito de campanha e inaceitável que o objetivo seja alimentar o sectarismo e estimular o golpismo.

É claro que Lula sabe de tudo isso. As luzes da ribalta, contudo, podem cegar até os mais experientes artistas, e o petista já demonstrou, reiteradas vezes, que não está imune a tropeçar nas próprias palavras diante de um microfone.

Por mais que o ambiente político pareça desanuviado, convém lembrar que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o Exército e a Polícia Militar acionaram o alerta para a movimentação de bolsonaristas —em parte, sem dúvida, em reação à infâmia do 8 de janeiro.

O momento ainda é de cautela, e Lula não pode se esquecer disso. Sua atuação neste 7 de Setembro precisa ser, mais do que nunca, impecavelmente institucional, sem espaço para arroubos partidários ou escorregões retóricos.

O opinador-geral

Folha de S. Paulo

Ao defender voto sigiloso de magistrados, Lula exibe leviandade e casuísmo

"Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade" —é o que determina o artigo 93 da Constituição de 1988. A regra estipula que decisões judiciais sejam abertas à sociedade, exceto em caso de defesa da intimidade ou interesse social.

Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declara que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal devem ser mantidos em sigilo. A opinião irrefletida decerto não resultará em alterações na prática, mas seu tom obscurantista vai de encontro à busca por transparência que caracteriza as democracias liberais.

"A sociedade não tem de saber como vota um ministro da Suprema Corte. Não acho que o cara precisa saber. Votou a maioria, não precisa ninguém saber", defendeu o petista na terça-feira (05).

O contexto —de críticas da esquerda às decisões do ministro Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula e por ele indicado ao STF— ainda piora o comentário, ao permitir ilações sobre tentativa de proteção do magistrado.

A reação negativa à fala foi a previsível, em meio a pressões pela próxima escolha para o Supremo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que uma eventual mudança no sentido sugerido pelo presidente da República contrariaria o princípio da transparência. Os próprios integrantes da principal corte do país, decerto, não se animariam a defender a tese descabida.

Ao imbróglio adiciona-se ainda desinformação. Flávio Dino, ministro da Justiça, afirmou que nos Estados Unidos se "delibera exatamente assim". Não é verdade. Na Suprema Corte americana, a deliberação não é pública, mas a autoria e o teor dos votos são.

Esses se dividem em majoritários e dissidentes (quando não há unanimidade) e, como no Brasil, as decisões coletivas são assinadas por ministros, de modo que se identifiquem as posições, majoritária ou não —só há sigilo em situações excepcionais.

Eliminar a transparência implica diminuir a capacidade da sociedade de acompanhar e avaliar o trabalho dos ministros. Criticar decisões do STF é parte da liberdade de expressão dos cidadãos submetidos a elas —e não deve ser confundido com ataque à instituição.

Cortes secretas e votos discricionários não têm lugar em regimes democráticos, e o presidente da República deveria saber disso.

 O 7 de Setembro é de todos os brasileiros

O Estado de S. Paulo

Deturpada pela cizânia bolsonarista, data deve ser ocasião de unir os cidadãos, civis e militares, em torno dos valores comuns que forjaram esta Nação soberana e democrática

A celebração da Independência do Brasil não é simples comemoração de um evento histórico, mas deve ensejar a reafirmação dos valores que forjaram esta Nação soberana, em particular a defesa da igualdade, da liberdade e do regime democrático. Decisiva em momentos cruciais ao longo desses 201 anos de Brasil independente, a união em prol de valores comuns à nacionalidade pode e deve servir como guia para uma jornada futura mais auspiciosa para o País.

O 7 de Setembro deste ano é particularmente oportuno para essa reflexão. A sociedade tem o dever de resgatar o espírito cívico que sempre marcou a data; data esta que, nos últimos quatro anos, sofreu diversas tentativas de sequestro político por parte de Jair Bolsonaro. O ex-presidente não só deturpou o sentido do Dia da Independência, como tentou manipular o sentimento patriótico de milhões de brasileiros, com o objetivo de dar vazão a suas pretensões políticas pessoais.

Além de ter usado o feriado nacional para expor seu vezo golpista, Jair Bolsonaro amesquinhou a posição de chefe de Estado ao fazer proselitismo eleitoral em data cívica. Um dos processos que tramitam contra o ex-presidente no Tribunal Superior Eleitoral trata justamente de indícios de abuso de poder político e econômico, em razão de manipulação eleitoreira do feriado da Independência.

A desvirtuação do 7 de Setembro operada por Jair Bolsonaro teve um aspecto especialmente grave. Ela veio acompanhada de uma campanha de desinformação a respeito do papel das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito. Mais de uma vez, Jair Bolsonaro usou o Dia da Independência para tentar subverter a natureza e a função do poder militar, que, no conto bolsonarista, seria uma espécie de contraponto ao poder civil, o tal “poder moderador”.

Felizmente, as Forças Armadas, enquanto instituições de Estado, mantiveram-se fiéis à Constituição, não sucumbindo a tão absurdo sofisma. No ano passado, por exemplo, diante do risco de manipulação do feriado cívico para fins eleitorais, o comandante militar do Leste cancelou a tradicional parada militar de 7 de Setembro, na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro.

A data não deve ser usada para fins político-eleitorais, muito menos para objetivos golpistas. Agora, superadas essas tentações trevosas, é tempo de reconstruir o espírito cívico, o que inclui reafirmar uma compreensão republicana e constitucional das Forças Armadas. Elas estão submetidas ao poder civil e devem estar distantes da política. Como disse, no início do ano, o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva: “Se um militar quer ser político, que mude de profissão”.

Nesse sentido, são oportunas as atuais tratativas do Executivo e do Legislativo para a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) restringindo a participação de militares em processos eleitorais. De acordo com a proposta, caso um militar pretenda concorrer a um cargo político eletivo, ele precisará deixar antes a carreira militar, entrando para a reserva.

Mais do que atiçar o passado recente – as instituições competentes, em suas várias esferas, já investigam os indícios de crimes no período –, agora é tempo de reconstruir o País. Um meio para essa tarefa é o resgate do espírito cívico. A identidade nacional não é dada por um determinado grupo partidário. É antes um patrimônio imaterial de todos os brasileiros, com independência de suas cores e preferências ideológicas. Afinal, as liberdades políticas não são mero discurso, e o pluralismo de ideias é um valor constitucional.

O 7 de Setembro é uma data de todos os brasileiros. Como dissemos a propósito da diretriz do governo Lula da Silva de “despolitizar” a celebração, “honrar a Independência é direito de todo o cidadão, assim como o de celebrar a festa nacional conforme seu sentido mais profundo: o de invenção do que se chama comumente de brasilidade” (ver editorial A volta do espírito cívico, de 23/8/2023).

Sem negar os muitos desafios pela frente, é tempo de celebrar o País e o regime democrático.

O dever de publicidade da Justiça

O Estado de S. Paulo

Ao sugerir que os votos dos ministros do STF deveriam ser secretos, Lula se esquece da Constituição. Publicidade das decisões é fundamento da dimensão democrática do Judiciário

Em sua live desta semana, o presidente Lula sugeriu que as votações do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ser secretas, restando à população conhecer só o resultado final dos julgamentos, e não as posições de cada magistrado. “A sociedade não tem que saber como vota um ministro da Suprema Corte. Não acho que o cara precisa saber, votou a maioria, não precisa ninguém saber. Porque aí cada um que perde fica com raiva, cada um que ganha fica feliz.”

Para Lula, a mudança faz sentido. Ele quer indicar pessoas de seu círculo pessoal para o STF – escolheu seu advogado, agora quer alguém com quem possa “trocar ideias” – e, naturalmente, prefere que a sociedade não saiba como votam essas pessoas.

No entanto, perante os valores constitucionais, a mudança proposta não faz nenhum sentido. “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”, diz o art. 93, IX da Constituição. Estes dois princípios interdependentes, a fundamentação e a publicidade, legitimam as decisões da Justiça.

Trata-se de um tema fundamental. O Judiciário é parte necessária do regime democrático. Sem Justiça independente, não há democracia. Mas a dimensão democrática do Judiciário não decorre da eleição de seus membros (eles não são escolhidos pelo voto popular), tampouco da concordância de suas decisões com a opinião pública em um determinado momento (os juízes não devem atuar buscando a aprovação popular). Ela provém da aplicação da Constituição e das leis, aprovadas pelos representantes eleitos pelo povo.

É precisamente este binômio – fundamentação e publicidade das decisões judiciais – que garante que os juízes aplicarão a Constituição e as leis, e não suas vontades, ideias e convicções políticas. O texto constitucional prevê hipóteses excepcionalíssimas de sigilo processual, com o objetivo de preservar bens individuais ou coletivos – não para proteger o magistrado.

A sugestão feita por Lula não envolve, portanto, mero detalhe burocrático. A publicidade e a fundamentação das decisões judiciais asseguram uma característica essencial da Justiça: os juízes servem à lei.

Lula tem razão quando – ao referirse à razia de seus próprios correligionários contra o ministro recém-nomeado, Cristiano Zanin – diz que, “do jeito que vai, daqui a pouco um ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua, passear com sua família, porque tem um cara que não gostou da decisão dele”. Mas a solução não está em restringir a publicidade das decisões judiciais.

É intolerável toda e qualquer agressão contra ministros do Supremo. Além de ferir direitos individuais, a violência contra integrantes do STF constitui tentativa de interferir na independência do Judiciário. De toda forma, é sempre oportuno, especialmente nos tempos atuais, recordar a necessidade de que os juízes apliquem a lei, sem extrapolar suas funções e competências, sem promover ideias e convicções pessoais.

Num momento em que o STF é contestado – às vezes, com razão – por atuar politicamente, são ainda mais necessárias a fundamentação das decisões e a sua publicidade. Esses dois princípios constituem a garantia visível de que a ordem judicial não é fruto das idiossincrasias de um juiz ou de pressões coletivas, e sim decorrência da aplicação da lei, aprovada pelo Congresso.

As hostilidades a magistrados são de fato preocupantes e crescentes – e o modus operandi da militância petista tem a sua parcela de responsabilidade nisso. Mas, para preveni-las, o caminho é a aplicação das leis vigentes, que protegem a integridade física e moral das autoridades e de todos os cidadãos. Reduzir a publicidade do processo judicial no Supremo, como sugeriu Lula, só geraria mais perplexidade e mais indignação.

O caminho para a imprescindível pacificação social – com a qual o PT até agora não tem colaborado muito – é a aplicação da Constituição. Atalhos inconstitucionais, além de não enfrentarem as causas dos problemas atuais, criam outros ainda mais graves.

O Estado não é vingador

O Estado de S. Paulo

O governo de Tarcísio de Freitas produziu a operação mais letal das polícias de SP desde o massacre do Carandiru, em 1992

Quarenta dias e 28 mortos depois, o governo Tarcísio de Freitas deu fim à Operação Escudo, deflagrada pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo no dia 28 de julho. A operação tinha o objetivo de prender os responsáveis pelo assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), ocorrido na véspera. Três suspeitos foram presos e hoje são réus em processo que tramita na 1.ª Vara Criminal do Guarujá, inclusive o homem apontado como o responsável por matar o policial militar.

O governo estadual sustenta que todas as 28 mortes decorreram da reação de criminosos à incursão da polícia. É possível, mas não se sabe. Eis o maior problema de uma operação policial extremamente letal: a falta de transparência. A maioria das mortes ocorreu quando os policiais não estavam usando as câmeras corporais nas fardas – ou mantinham os equipamentos desligados.

Com o término da Operação Escudo, espera-se que uma rigorosa e independente investigação possa apurar as denúncias de abuso policial que chegaram à imprensa, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Nas últimas semanas, organizações da sociedade civil, além das instituições citadas, vinham pedindo explicações ao Palácio dos Bandeirantes sobre a incursão na Baixada Santista, particularmente no Guarujá e em Santos. Ao longo de 40 dias aterrorizantes para os moradores da região, não foram poucos os relatos de abusos e crimes que teriam sido cometidos pelos policiais, como tortura, execuções sumárias e invasões de domicílio. Tudo isso precisa ser apurado; e os agentes públicos que porventura tenham agido fora da lei devem ser punidos.

O Estado não se presta à vingança. Os agentes públicos estão autorizados por lei a empregar força letal para coibir a prática de crimes, não a recorrer às mesmas ilegalidades dos criminosos que pretendem combater. Se assim atuassem, já não estariam sob a égide da Constituição, mas da Lei do Talião – “olho por olho, dente por dente”. Essa segunda opção, além de ser uma política de segurança pública extremamente ineficaz na proteção da população, é incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Como já dissemos, “não há ingenuidade no questionamento sobre a atuação policial. Sabe-se bem como organizações criminosas são fortemente armadas e como recebem a polícia toda vez que alguma operação do poder público dificulta sua atividade ilícita” (ver editorial Muitas mortes, poucas informações, de 24/8/2023). O tema é a falta de transparência que imperou até agora. Há muitas dúvidas e são muitos os indícios de abusos.

Há direito à vida. O Estado não pode simplesmente matar. É preciso esclarecer as circunstâncias de cada uma das mortes, tanto a do policial militar como as causadas pela intervenção policial na Baixada Santista. O fato é que, em menos de um ano, o governo de Tarcísio de Freitas foi capaz de produzir a operação mais letal da história das polícias de São Paulo desde o massacre do Carandiru, em 1992.

Independência e democracia

Correio Braziliense

Hoje, o Brasil não comemora somente a sua longevidade como nação — 523 anos —, e 201 anos de Independência, mas, sobretudo, 38 anos de Estado Democrático de Direito. Festeja também a Constituição Cidadã de 1988

Há 201 anos, o Brasil deixou de ser colônia de Portugal. A partir daí, passou por várias etapas para se construir como República Federativa. Nada foi fácil para o país tornar-se o maior da América Latina e garantir um espaço respeitado entre as nações do mundo. As decisões não foram exclusivas do imperador ou dos primeiros presidentes do Brasil República. A sociedade influenciou as mudanças e, querendo ou não, o poder do Estado teve de se curvar à vontade popular. 

Entre conflitos internos, disputas agressivas e alternâncias de sistemas de governo, hoje, o Brasil não comemora somente a sua longevidade como nação — 523 anos —, e 201 anos de Independência, mas, sobretudo, 38 anos de Estado Democrático de Direito. Festeja também a Constituição Cidadã de 1988, que tem um perfil humanista e social. Esse avanço só foi possível com a união dos brasileiros que se opuseram ao regime ditatorial, que oprimia e impedia a liberdade do povo. 

A retomada da democracia não tem um único autor. Foi uma construção coletiva e uma conquista nacional, que envolveu cidadãos das diversas etnias, gêneros credos, camadas sociais e profissões. É amparada na Carta Magna da democracia que, hoje, a celebração da Independência se dá de forma colorida. Estimula os cidadãos de povos de diferentes cores e com sua variações — pretos, brancos, amarelos, vermelhos — a irem à Esplanada dos Ministérios para, junto com as Forças Armadas e representantes de todos os Poderes, e celebrar a primeira grande conquista da nação: o rompimento das amarras colonizadora.

 Rompido o laço de submissão aos interesses de Portugal, hoje, os dois países são parceiros, amigos e solidários. Não à toa, os brasileiros somam mais de 30% dos imigrantes em terras lusitanas, e mais de 10% da população brasileira são de portugueses. As divergências do passado, lá ficaram. Os ressentimentos foram diluídos pelo tempo. A união, as trocas de experiências e de aprendizados ganharam cores mais vibrantes e benéficas à formação humana de todos.

Neste Dia da Independência, é possível agregar e tornar reais muitos valores contemplados na Constituição, como respeito à diversidade em todos os sentidos, dar um não à toda e à qualquer forma de violência, e assumir o compromisso de contribuir efetivamente para a construção de um Brasil mais progressista, igualitário e justo, sem influências ideológicas. Cobrar, com respeito, mas como exercício de cidadania, aos Poderes da República a sua parcela de responsabilidade e de participação nessa edificação de um Brasil, atrelado aos valores civilizatórios. É preciso dignificar o direito de cada cidadão e o permitir que todos tenhamos orgulho do que aprenderam a chamar de “Pátria Amada”.

 

 

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