O Globo
Enquanto os três Poderes não trabalharem na
mesma direção, não teremos um país com equilíbrio econômico e social
A crise institucional que estamos vivendo nos
leva inexoravelmente a uma reforma do sistema político-eleitoral que devolva o
equilíbrio entre os Poderes da República. Se não formos nessa direção,
continuaremos com um Executivo inoperante, um Legislativo dominante e um
Judiciário empoderado em consequência da permanente disputa entre os dois
primeiros. Vivemos um parlamentarismo de fancaria, que chegou em resposta a um
hiperpresidencialismo que relegava a segundo plano o Legislativo, governando
com decretos-lei, medidas provisórias e outros instrumentos que dispensam o
sistema de pesos e contrapesos da democracia.
Durante muitos anos o Legislativo foi literalmente comprado pelo Poder Executivo, vejam-se os casos do mensalão e do petrolão, ou manobrado pelo presidente do turno liberando verbas em troca do apoio parlamentar, ou as contingenciando como uma espécie de castigo aos não obedientes. O que está acontecendo hoje, com os partidos políticos controlando uma quantidade enorme de verbas e esnobando indicações para postos no governo federal, tem a ver com uma das distorções de nosso sistema partidário.
Em vários países, um parlamentar que vá
exercer funções em outro Poder tem que renunciar ao cargo que ganhou nas urnas,
e não apenas entrar em licença para retornar mais adiante. Cada Poder tem sua
função, e a escolha tem que ser definitiva. Não pode haver barganha política
nesse tipo de relação republicana, não existe pacto institucional que resista a
essas trocas de favores. O fenômeno do descrédito da democracia representativa
é mundial, mas no Brasil tem aspectos específicos que só o agrava, como a corrupção
permanente e a consequente impunidade de seus autores, o que aumenta a
percepção dos cidadãos de que há um conluio dos diversos escalões
governamentais a favor dos seus apaniguados, “com STF e tudo”, nas palavras do
ex-senador e hoje lobista Romero Jucá, prevendo o que aconteceu com a
Lava-Jato.
A polarização política que tomou conta de
todos os setores da administração federal tem efeitos corrosivos na
credibilidade da gestão pública, que não tem mais o objetivo do bem-estar da
população, mas o bem-estar dos grupos políticos que dominam as indicações. A
recuperação do poder de alocar recursos por parte dos parlamentares, uma boa
medida na teoria, na prática tornou-se um instrumento de aumento do poder
pessoal dos parlamentares, e não do Parlamento. Os gastos inexplicáveis e a
falta de transparência da prestação de contas fazem com que os políticos ou
candidatos a políticos tenham benefícios imediatos, mas desgastem a imagem
pública do Legislativo e prejudiquem a governança, já que o governo federal não
pode planejar seus investimentos, que quase sempre esbarram nos interesses
privados dos legisladores.
Há um paradoxo aparentemente intransponível a
esta altura do nosso estágio institucional: só com o fortalecimento dos
partidos políticos teremos uma democracia verdadeira e sólida, mas são
justamente os partidos os principais culpados da erosão da nossa democracia. A
disputa sobre o IOF é exemplar. A reação do Congresso à aprovação do aumento do
imposto está correta, pois tecnicamente ele é um imposto regulatório, não
arrecadatório. Além do mais, ninguém aguenta pagar mais imposto, e o governo
tem obrigação de cortar gastos para equilibrar as contas públicas, equilíbrio
que não pode ser encontrado com o aumento dos impostos, velha tática de
governos de qualquer espectro político que chegou à exaustão.
Mas o Congresso deveria ser o primeiro a
abrir mão de parte do bilhões de emendas parlamentares, para ter moral de
exigir dos demais Poderes os cortes necessários. Também o Judiciário, em vez de
dizer que não tem nada a ver com o equilíbrio fiscal, deveria conter a série de
penduricalhos que fazem os vencimentos dos juízes em todo o país dispararem
acima do que a lei determina. Enquanto os três Poderes não trabalharem na mesma
direção, não teremos equilíbrio econômico e social.
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