domingo, 1 de junho de 2025

Os mitos pelos quais vivemos - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro mostra pontos fracos de raciocínios que tentam justificar a adoção de valores liberais

A maioria dos valores liberais que nos são caros estão calcados em mitos, que não resistem a uma análise lógica. Isso vale para a democracia, a igualdade republicana, direitos humanos e até mesmo para os discursos de reparação histórica. Essa é a tese de "The Myths We Live By", do filósofo Peter Cave.

Cave corre riscos. Especialmente nos tempos histéricos em que vivemos, a problematização de ideias liberais pode ser lida como um ataque a elas, e não como um exame crítico, que, pelo menos no âmbito da filosofia, é sempre bem-vindo. No mais, Cave, embora toque em feridas, em nenhum momento sugere que devamos abandonar democracia, igualdade diante da lei ou direitos humanos. Pelo contrário, ele é detentor de impecáveis credenciais humanistas.

O ponto central é que muitos dos raciocínios costumeiramente utilizados para justificar instituições têm mais buracos do que um queijo Emmental. Tomemos o caso da democracia.

A ideia de que um eleitorado bem-informado escolhendo livremente seus líderes é capaz de promover as melhores políticas públicas não faz muito sentido. O eleitorado como um todo não é nem deseja ser bem-informado e, mesmo que fosse, ainda assim precisaríamos de especialistas para tomar as melhores decisões sobre matérias mais técnicas.

Também dá para discutir o que significa escolher livremente, num mundo em que políticos, empresas e instituições fazem o que podem para influenciar, nem sempre com os propósitos mais nobres, eleitores, consumidores e cidadãos.

Cave aplica seu olhar crítico a vários dos temas que hoje dividem as sociedades, incluindo impostos, questões identitárias (quando e em que condições é legítimo discriminar) e imigração. Seus argumentos são no mais das vezes persuasivos.

Encontrar contradições em nossos discursos e atitudes nem deveria ser uma surpresa. Pelo menos desde Platão temos um rol de pontos fracos da democracia. Conhecê-los nos ajuda a tentar aprimorá-la ou, pelo menos, a procurar melhores argumentos para defendê-la.

 

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