Folha de S. Paulo
Gasto tributário de meio trilhão de reais
beneficia mais o quarto mais rico do país
Em junho de 2024, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva ficou mal impressionado ao saber do tanto de imposto que se deixa de
pagar por concessão legal. No caso, tratava-se do que se classifica como
"gasto tributário", certo conjunto de isenções de tributos para
cidadãos, empresas e outras instituições.
Desde então, certa propaganda de esquerda
dizia que havia se achado um pote de ouro no fim do arco-íris, dinheiros que,
se tirados de ricos, resolveriam com facilidade os problemas das contas
públicas, com justiça social.
Mexer nessas isenções pode diminuir o escândalo de injustiça na distribuição da renda e tapar buracos das contas públicas. Mas, para ser ameno, há muita fantasia a respeito.
Depois da indignação de meados de 2024, Lula
quase parou de falar no assunto. Alguém deve ter avisado o presidente de que o
gasto tributário (GT) aumentou de 1,7% do PIB em 2003, primeiro ano de Lula 1,
para 3,4% do PIB em 2010, último de Lula 2, como se escrevia nestas colunas em
junho de 2024. Deve ser de 4,4% do PIB neste 2025, R$ 544 bilhões. Por ação e
omissão de Lula, o GT aumentou.
A estimativa do valor dessas isenções
federais de impostos é da Receita Federal. Essa conta é controversa.
Primeiro, certas isenções não são
classificadas como "gasto tributário", por motivos que não cabem
aqui, hoje.
Segundo, é possível que a renúncia fiscal
estimada pela Receita esteja subestimada. O ministério
da Fazenda de Lula 3 obrigou empresas a declararem isenções de que
usufruem, mais do que se imaginava. A conta do GT federal pode ser de R$ 800
bilhões, mas
pouco se sabe ainda do assunto.
Terceiro, essa conta é precária, em termos
econômicos. Registra quanto seria possível arrecadar caso a isenção de tributos
fosse cancelada. Mas, quando se cobra ou deixa de cobrar um imposto, o
comportamento de indivíduos e empresas muda (certos negócios até deixam de
existir). O ambiente econômico muda. É difícil saber qual vai ser o saldo da
receita com o fim de um gasto tributário.
O dinheiro do GT vai muita vez para
"ricos", mas não como se imagina. Deve beneficiar a metade mais rica
da população, embora muito mais gente seja afetada de modo indireto.
A maior fatia do GT em 2025 seria do Simples,
sistema de tributação criado para facilitar a vida de pequenas e médias
empresas. Serve hoje também para diminuir a tributação de grande parte dos
profissionais ricos do país, entre outros muitos problemas. Leva 22,2% do GT,
R$ 121 bilhões.
Agricultura e agroindústria levam 17,6% do
total (uns R$ 96 bilhões). Daí vem a ideia de que o "agro" leva
"centenas de bilhões" que poderiam tapar o rombo fiscal. Desse total
"do agro", 54% vão para a isenção da cesta básica. Essa isenção acaba
por beneficiar, sim, o produtor rural, supermercados e varejo de alimentos em
geral, além de indivíduos mais ricos, mas é fácil perceber que a coisa é mais
enrolada.
Parte grande dos GTs beneficia famílias que
pagam saúde e educação privadas; tira imposto de planos de saúde, de certas
aposentadorias e seguros de vida, rendimento da poupança, remédios, indenização
das demissões, alimentação do trabalhador, ciência, cultura, pessoas com
deficiência. Etc. Beneficia também muita empresa. Uma lista simples de tipos de
isenções tem mais de 200 itens. Limitar o GT dará numa guerra tributária entre
classes médias e ricos (e contra o governo).Na próxima coluna, detalha-se o quanto
possível quem leva quanto.
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