O Globo
A situação atual é tão extrema que não
adianta mais as polícias estaduais agirem sozinhas
Entre os cem mandados de prisão da operação na Penha e no Complexo do Alemão, 32 eram de foragidos do Pará. Policiais paraenses acompanharam o planejamento da ação e fizeram constar dela ordens de prisão contra líderes do Comando Vermelho (CV) do estado que, foragidos no Rio, determinavam a execução de crimes a mais de 3 mil quilômetros. Nos últimos quatro anos, 57 mandados foram cumpridos no Rio por crimes cometidos no Pará, entre os quais a prisão de Bianca Franco, a Fielzinha do 41, que chamou a atenção da polícia de seu estado natal ao posar com um fuzil num baile funk no Complexo da Penha.
A polícia do Pará estima haver cerca de 140 faccionados do CV do estado vivendo no Rio. O CV, hoje uma organização criminosa nacional, tem parte de sua força no tráfico de drogas da Rota Solimões, na Região Norte. “Os principais fluxos logísticos de entorpecentes que ingressam no Brasil tendem a seguir uma mesma rota, com os principais produzidos na Colômbia e no Peru, para depois ser interiorizados pelos rios que cruzam os países e convergem em Manaus. Seguindo o curso dos rios, as cargas ilícitas continuam até o Pará, onde são distribuídas a outras regiões do Brasil ou encaminhadas ao litoral, nos casos de exportação”, disse a Abin num relatório recente feito com a Direção Nacional de Inteligência da Colômbia.
A Rota Solimões termina justamente em Santarém, no Pará, estado que funciona como “entreposto logístico” ao conectar o Norte com as demais regiões do país e com o exterior. A Abin conta que, a partir de 2020, o porto de Vila do Conde, em Barcarena, se tornou um dos principais pontos para o envio de drogas à Europa. Além de ser perto de Belém e de ter acesso direto ao Atlântico, a fiscalização é menor. Foi lá uma das maiores apreensões de droga da História: 2,7 toneladas de cocaína em sacos de farinha que iriam para Portugal.
A situação atual é tão extrema que não
adianta mais as polícias estaduais agirem sozinhas. A integração e a
coordenação, que ocorreram entre as polícias do Rio e do Pará, deveriam ser
regra. Mas não são, e o culpado é a política. Os estados, por motivos
eleitorais, resistem à cooperação. Nem metade topou integrar o sistema
Procedimentos Policiais Eletrônicos (PPE), do Ministério da Justiça, que
padroniza ocorrências em todo o país. Também torcem o nariz, principalmente os
de oposição, para a aprovação da PEC da Segurança, que tem como objetivo
principal, justamente, integração e coordenação, alvo de críticas nesta semana
pelo Palácio Guanabara.
O governo federal, também de olho na eleição, não quer nenhuma bomba estourando no colo. Na terça-feira, a análise mais comum no Planalto era que a questão seria um problema do Rio — e não de Brasília. A ponto de a própria PF dizer que foi informada, mas avaliou não ser o caso de entrar na ação. A eficácia da operação tem de ser analisada, e é obrigatória, em termos civilizatórios, uma resposta sobre as mortes, incluindo as dos policiais. Mas isso não significa lavar as mãos nem propor colaboração só da boca para fora.

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