quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Matança volta a dominar conversa sobre segurança, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Depois de três meses de derrotas, governadores e oposição acham mote de propaganda

Ideia de guerra contra narcoterroristas renova ciclo de estupidez na política de segurança

As direitas estavam acuadas, na defensiva, depois de quase três meses de derrotas. Planejam agora contraofensiva cadavérica. Governadores querem fazer propaganda da matança no Rio de Janeiro a fim de arrumar um mote de campanha e preparar um ataque ao governo federal.

A direita não conseguiu levar adiante a anistia para golpistas. Teve de engolir (por enquanto) o revertério da PEC da Blindagem da Bandidagem, a PEC da Parlamentagem. A conspiração dos Bolsonaro contra empregos e empresas do país parece dar errado, dado o início de negociações entre Brasil e EUA.

Os governadores da direita "prestam solidariedade" a Claudio Castro (PL, bolsonarista), governador do Rio —tentam difundir a ideia de que Castro e a segurança fluminense estão abandonados pelo poder federal, por Luiz Inácio Lula da Silva. Confraternizam também com o massacre, que é a convicção ou prática de vários deles.

Por fim, alguns referendam a ideia de que os criminosos das facções são "narcoterroristas", difundida por Castro, que a copiou da política de guerra nacional e internacional de Donald Trump. Além de vassalagem, é ignorância e propaganda de guerra. Podem consegui-la.

Tudo óbvio. Também é óbvio que assim o país dificilmente sairá do ciclo de morte, do círculo do sangue, da esfera da ignorância bárbara. O crime organizado se expande e fortalece. Assim, contribui para o aumento a sensação de insegurança. O Estado então promove ocupações, intervenções, "GLOs", matanças cotidianas e "operações" —inúteis.

Difunde-se então a ideia de que as críticas a essa burrice selvagem venham de "defensores de bandidos". A direita a seguir propaga a ideia de que "bandido bom é bandido morto" e suas variantes. Como ações baseadas nessas ideias jamais vão controlar a expansão do crime, fecha-se o círculo. É óbvio.

Segundo estimativas, sempre difíceis, o narcotráfico é parte cada vez menor da receita das facções ou conglomerados de facções. Pesam cada vez mais a importação e comércio de combustíveis, imóveis, lavagem de dinheiro (como serviço), hacking financeiro, varejo, serviços, contrabando e fabricação de armas, chantagem ou prestação de serviços a outros crimes (negócios ilegais com minérios, madeira, desmatamento). Muito disso agora com fachada legal.

Castro diz que está abandonado, sozinho no enfrentamento de uma força que, na verdade, não seria mais capaz de conter ("guerra" que não tem como ganhar). É óbvio. Uma matança de mais de centena e a prisão de outra centena deve desestruturar operações de base local do crime. Mas são operações submunicipais, do tráfico, que é apenas parte do negócio. De resto, para o conglomerado criminoso, gente para morrer, soldados rasos e mesmo gerentes, é commodity barata, abundante e renovável.

Sim, qualquer pessoa dotada de bom senso sabe que qualquer programa de segurança terá de lidar com o fato de que pode haver conflito com essa gente violentíssima armada com equipamento de guerra. O problema é saber se o conflito tem de fazer parte de um plano, com quais metas de curto, médio e longo prazo do plano. Não há plano. Só demagogia cadavérica.

A direita está animada de retomar a iniciativa e de pregar a matança. A esquerda jamais foi capaz de apresentar plano de segurança (essa PEC que está aí é de efeito mínimo), deixando o terreno livre para mais uma invasão bárbara dos demagogos da morte.

O que não é óbvio é como sair desse círculo.

 

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