O Globo
Não existe postulante ao Planalto posicionado
para além dos clichês da polarização mutuamente estimulada
Dizem que o presidente Lula nasceu virado
para a lua: há cem dias, estava nas cordas. Os erros da oposição o empurraram
de volta ao centro do ringue. Deram-lhe a agenda de que carecia: “pobres x
ricos”, “soberania nacional”, a “blindagem” do Centrão. Apesar de percalços
naturais, Lula comete menos erros, aproveita a maré. As curvas dos gráficos de
popularidade têm reagido.
Precificaram sua derrota, mas o jogo empatou.
Hoje, o governo tem a vantagem anímica da partida. Abatida, a oposição, sem
unidade ou método, tenta emplacar sua agenda: a segurança pública. Busca deter
um Lula fortalecido pelo veneno que ela mesma destilou. É a política.
É óbvio, tudo pode mudar: fatos dramáticos como os do Rio de Janeiro, nesta semana, podem influenciar o quadro. Há também a complicada conciliação de interesses nos palanques regionais. E, na esquerda, o bom momento tem sido mau conselheiro. Contudo já existem elementos favoráveis ao projeto de reeleição.
Lula é o incumbente. Tem a maior experiência
de campanha, uma máquina partidária nacional, o trunfo de políticas
distributivas. E a perspectiva de poder renovado que desperta o mais primitivo
instinto do Centrão: a adesão. À direita, não há liderança aglutinadora. Para
Tarcísio de Freitas, os custos de uma derrota serão gigantes.
Goste-se ou não, a hipótese de reeleição é
robusta. As atenções devem se voltar às possibilidades de eventual novo
mandato.
Para a oposição, quatro anos mais de Lula
apontam explosão da dívida pública, elevação de juros ou inflação, crescimento
medíocre e crise de governabilidade. Auto-herança maldita. Ares de Dilma 2:
luta fratricida pela sucessão, sob o tacão do impeachment.
O governo parece não saber o que pretende.
Mas desconfia que, numa eleição de rejeições, o velho figurino já não sirva.
Precisará recorrer à lua nova: um modelo econômico, ambiental e socialmente
sustentável capaz de articular as riquezas do país. Uma fuga para a frente.
A natureza do Brasil favorece ideias
arrojadas: exploração racional do patrimônio ambiental e estímulo à formação de
cadeias produtivas no agro exigirão investimentos públicos e privados em
infraestrutura — transportes, telecomunicações e energia limpa.
Mais: inteligência artificial e economia
criativa, outra educação. Segurança pública, políticas compensatórias para a transição.
Responsabilidade fiscal como princípio e desdobramento da maior arrecadação.
Alguns ministérios já percorrem esse caminho, mas falta-lhes um laço sistêmico.
Comparado ao atual mandato — reparatório do
desmanche passado, mas pouco inspirado —, o projeto exigiria a reinvenção do
governo no modo de pensar e agir. Superar o desafio da renovação de
interlocutores, ampliar alianças dentro e fora do Congresso, construir maioria
reformista e reinventar o modelo político. No front internacional, retirar (mais)
vantagens da posição estratégica do país. Uma lua crescente no céu do
presidente.
Cínica, a realidade desdenha o idealismo
acima. Pessimismo justificado: o sistema político vive a pior fase, faltam
lideranças e operadores eficazes. Mais ideológico que no passado, Lula é menos
aberto a conselhos e alianças. Reverencial, seu entorno é pouco propositivo.
Mas não há postulante ao Planalto indo além
dos clichês da polarização mutuamente forjada. As estratégias se resumem a
explorar o humor de maiorias ora antipetistas, ora antibolsonaristas. A
política do país patina no presente e não ousa olhar para o futuro.
Para Lula, porém, não haverá outro amanhã.
Será a última eleição e oportunidade de superar o imperativo, já insuficiente,
da agenda de inclusão social. Afinal, até a sorte cansa, e os erros dos
adversários, um dia, acabam. No desfecho da vida política, para qual lua se
voltará: para a imaginação sedutora da lua cheia ou para a angústia corrosiva
da lua minguante?

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