Valor Econômico
Governo federal continuará a investir contra
as atividades econômicas do crime organizado no Rio ignoradas pelo governo
estadual
O primeiro pronunciamento do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva sobre a operação policial com o maior número de mortos da
história se deu 24 horas depois de sua volta ao Brasil. Como convinha evitar
uma exposição como aquela que, na Indonésia, o levou a ver traficantes como
“vítimas” de usuários, Lula falou por escrito nas redes.
Ressaltou o impacto sobre as famílias, as
drogas e a violência e registrou as duas iniciativas federais no tema, as
operações contra as atividades do crime organizado na venda de drogas, na
adulteração de combustíveis e na lavagem de dinheiro, além da PEC da segurança.
Até então, o recado, na única cerimônia
pública à qual compareceu desde então, a posse do novo ministro da
Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, tinha sido a camisa preta, a
simbolizar um estado que o titular da Justiça, Ricardo Lewandowski, resumiu
como de “estarrecimento”.
Depois de assistir sua foto com Donald Trump se transformar na mensagem com maior engajamento em suas redes, segundo a Quaest, Lula viu o noticiário ser tomado pela violência, tema que lidera as preocupações dos brasileiros em todas as pesquisas. Entre as pesquisas que começaram a chegar ao Palácio do Planalto estava uma, da Activaweb, que mostrava uma reação mais comovida que sanguinária e uma cobrança pela cooperação dos governos estadual e federal.
Da reunião com os ministros nesta quarta, sob
o impacto dos 72 corpos encontrados na mata, ficou a certeza de que o
presidente não voltaria atrás na recusa a uma operação de Garantia da Lei e da
Ordem. Algo do gênero apenas se justificaria se a COP30, que acontece em 40
dias, tivesse o Rio como sede, o que muitos no governo chegaram a defender em
função da crise de hotéis em Belém.
No seu lugar, seria criado um escritório de
combate ao crime organizado, a ser coordenado pelo secretário de segurança do
Rio, Victor Santos, e pelo secretário Nacional de Segurança Pública do MJ,
Mario Sarrubbo. A decisão, porém, só seria conhecida no início da noite, em
entrevista de Lewandowski no Rio ao lado de Cláudio Castro e dos futuros titulares
desta nova instância. A cobrança da população por cooperação baixou o tom de
ambos, pelo menos em público.
O governador, que, pela manhã, além de
classificar de “sucesso” uma operação com 121 mortos até aqui, dissera que “é
um problema deles [do governo federal]” a forma como se daria a ajuda que
estava a pedir, passou a falar em “convergências”. O ministro, que, desde o
primeiro momento, apontou para a responsabilidade constitucional do Estado do
Rio, passou a dizer que “o problema de uma unidade federativa é de toda a
União”.
O ministro anunciou este escritório como um
“embrião” da integração prevista na PEC da segurança, proposta que tem a
oposição não apenas de Castro como dos governadores que irão ao Rio nesta
quinta para fazer do tema a locomotiva de sua oposição a Lula em 2026.
Não há dúvida, portanto, que este escritório
continuará a enfrentar as mesmas dificuldades impostas à tramitação da PEC. Os
governadores resistem à proposta porque não querem ceder poder à União. As
forças policiais representadas no Congresso também o fazem porque não querem
deixar de usufruir da autonomia que, em muitos Estados, beira a
irresponsabilidade.
A superintendência da PF no Rio, que passou a
ser elogiada por Castro, será um empecilho menor a este escritório do que a
mentalidade que hoje preside o comando das polícias do Rio. No da Civil, por
exemplo, o delegado Felipe Curi, num discurso marcadamente eleitoral, chegou a
chamar os críticos da operação de “narcoativistas”.
Ficou claro, ainda, que o governo federal
pretende usar esse escritório para fazer valer as ordens do novo relator da
ADPF 635, a “das Favelas”. O ministro Alexandre de Moraes quer saber se a
decisão do STF foi cumprida - da responsabilização de abusos, como a existência
de cadáveres encontrados com os punhos amarrados, à utilização de câmaras
corporais pelos agentes de segurança.
A PEC da segurança continuará parada mas o
presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou mais um palanque,
uma CPI do crime organizado. Na ausência dessa PEC, o maior sucesso do governo
federal até aqui na segurança pública foram as operações sobre as quais as
redes sociais de Lula se pronunciaram.
No mesmo dia da matança nos Complexos do
Alemão e da Penha, o governo federal teve uma vitória, no Superior Tribunal de
Justiça, numa ação em que o governo do Rio defendia um dos maiores alvos dessas
operações federais no Rio, a Refit. A Procuradoria Geral do Estado havia pedido
a desinterdição da refinaria sob a alegação de que, sem operar, a empresa não
podia pagar o que deve ao Estado.
Nos cálculos do setor, porém, a Refit deixou
de pagar R$ 20 milhões, mas a Fazenda estadual recebeu R$ 130 milhões a mais de
empresas que passaram a vender mais com a interdição de uma refinaria cuja
prática contumaz de sonegação é relacionada, pelos órgãos de controle, à
atuação do crime organizado no setor de combustíveis.
De tão influente sobre o governo do Rio, a
refinaria chegou a impactar a troca do titular da Fazenda estadual. Os governos
estadual e federal podem até cooperar no varejo do crime porque é isso que o
eleitor está a exigir. No atacado do seu financiamento, porém, o embate só
tende a crescer.

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