O Estado de S. Paulo
Sem debate sério e entendimento político, o crime organizado não será contido
O sistema político brasileiro parece viver
para si mesmo sem se dar conta de que o crime organizado se transformou no
fator de risco número 1 para a própria política e a governabilidade. Entende-se
aqui por sistema político não só os grupos e partidos, mas também as estruturas
formais do Estado, como o STF.
A erosão do monopólio do Estado na aplicação
da violência já tem mais de 40 anos e a acomodação das autoridades a essa
situação idem. Em muitas das áreas sob domínio territorial do crime organizado
duas gerações de brasileiros cresceram sem conhecer outro estado de coisas.
No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu-se até o que se poderia chamar de “cultura própria” – que (goste-se disso ou não) são canais de integração e solidariedade dentro de comunidades, capazes de conviver com a ferocidade dos traficantes e a dos agentes do Estado, visto em boa parte simultaneamente como ausente e inimigo.
Existe o que se poderia chamar nessas áreas até de “visão de mundo”, com nítida expressão na produção musical de grande propagação no mundo digital, por exemplo. Na qual figuras de projeção acusados de “apologia do crime” por uns simbolizam para grande parcela o sucesso a ser alcançado. O que é crime ou ilegal é coisa muito diferente dependendo de onde se anda hoje em algumas grandes cidades.
Sem compreensão da gravidade desse contexto,
o mundo político trata o fenômeno abrangente do crime organizado exclusivamente
pelo cálculo eleitoral. No qual o governo federal está claramente em
desvantagem – sua imagem continua associada a escândalos de corrupção e os
cacoetes ideológicos o impediram durante décadas de entender que pobreza e
desigualdade social não explicam necessariamente o crime (muito menos a
penetração das instituições de Estado).
Não só o governo federal parece perdido, e
incapaz de propor “coisas práticas” que permitam diminuir na população (não só
nas áreas sob controle do tráfico) o sentimento de que “está tudo dominado”. A
questão de segurança pública hoje no Brasil é de natureza política no seu
sentido mais amplo, e não há sinais convincentes de que esteja sendo enfrentada
com um mínimo de estratégia e esforço comum entre os entes da Federação.
Ao contrário. O debate sério está interditado
pela polarização política. Ações como a megaoperação do Rio – independentemente
da sua letalidade ou eficácia na eliminação de combatentes adversários, e de
seu maior ou menor planejamento – são antes uma expressão do não se saber o que
fazer.
O crime organizado sabe.

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