Os republicanos reagiram à crise não repensando seu dogma, mas adotando uma versão ainda mais grosseira
Para qualquer pessoa que tenha acompanhado os acontecimentos econômicos nos últimos anos, ler a transcrição do debate republicano da terça-feira sobre a economia é como cair numa toca de coelho. De repente, você se descobre em um mundo de fantasia em que nada se comporta como na vida real.
E, como a política econômica tem a ver com o mundo em que vivemos, e não com o mundo de fantasia republicano, a perspectiva de que uma dessas pessoas possa ser nosso próximo presidente é apavorante.
No mundo real, os acontecimentos recentes foram uma refutação devastadora da ortodoxia de livre-mercado que rege a política americana há três décadas. A longa cruzada contra a regulamentação financeira e o esforço bem-sucedido para desfazer as regras prudentes adotadas após a Grande Depressão, com o argumento de que eram desnecessárias, demonstraram -a um custo imenso para o país- que aquelas regras eram necessárias, sim. Mas, lá no fundo da toca do coelho, nada disso tinha acontecido.
O que os republicanos querem fazer agora, em especial em relação ao desemprego?
Bem, eles querem demitir Ben Bernanke, presidente do Fed -não por fazer muito pouco, que é um argumento que poderia ser apresentado, mas por fazer demais. Obviamente, não estão propondo nenhuma ação geradora de empregos que passe pela política monetária.
Incidentalmente, durante o debate Mitt Romney citou como um de seus assessores N. Gregory Mankiw, de Harvard. Quantos republicanos saberão que Mankiw pelo menos costumava advogar -corretamente, em minha opinião- a promoção proposital de inflação pelo Fed para resolver nossos problemas?
Logo, nada de alívio monetário. O que mais? Bem, Rick Perry fez uma afirmação pouco plausível: disse que poderia criar 1,2 milhão de empregos no setor energético. Romney, enquanto isso, pediu cortes permanentes nos impostos -basicamente, um replay dos anos Bush. E Herman Cain? Nem vale a pena citar.
Detalhe interessante: alguém mais notou o desaparecimento dos deficits orçamentários como grande preocupação republicana, a partir do momento em que começaram a falar em redução dos impostos cobrados de empresas e dos ricos?
É tudo bastante engraçado. Mas também, como falei, é assustador.
A Grande Recessão deveria ter funcionado como um enorme chamado para despertar. Nada assim deveria ser possível no mundo moderno. Todo mundo deveria fazer um exame de consciência sério, indagando quanto do que pensava ser verdade na realidade não o é.
O Partido Republicano reagiu à crise não repensando seu dogma, mas adotando uma versão ainda mais grosseira dele -tornando-se uma caricatura dele mesmo. Durante o debate, os anfitriões exibiram um clipe de Ronald Reagan pedindo aumento de receitas; hoje, nenhum político que tenha esperança de chegar perto do partido de Reagan ousaria dizer algo assim.
Quando um indivíduo perde o domínio sobre a realidade, é terrível. Mas é muito pior quando a mesma coisa acontece com um partido inteiro, que já tem o poder de bloquear qualquer coisa que o presidente proponha -e que, dentro em breve, poderá controlar o governo inteiro.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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